Cientistas de Brasil, Argentina e Estados Unidos identificaram o mecanismo de ataque do vírus da zika aos fetos e conseguiram bloquear a ação do vírus em camundongos, protegendo-os, portanto, contra a microcefalia. O estudo foi publicado nesta segunda-feira (20) na revista “Nature Neuroscience”.
Jean Pierre Schatzmann Peron — Foto: Divulgação
Há 4 anos, o grupo já tinha encontrado as evidências de que o zika causa a microcefalia. O imunologista brasileiro Jean Pierre Schatzmann Peron e sua equipe, do Instituto de Biociências (ICB) da Universidade de São Paulo e da Plataforma Pasteur-USP, também publicaram em 2016 um artigo na “Nature” que relacionava o vírus à malformação dos bebês.
Eles seguiram com as pesquisas, e passaram a trabalhar em colaboração com a Universidade Harvard e a Universidade de Buenos Aires. Outros cientistas do ICB, como a pesquisadora Carolina Demarqui Munhoz, também entraram para o grupo.
Pela primeira vez, eles descreveram quais são os mecanismos que o vírus da zika usa para atravessar a placenta, se espalhar pelo cérebro dos fetos e se multiplicar pelos neurônios.
“Ao invadir as células do hospedeiro, o zika consegue desligar a produção de duas substâncias usadas pelo sistema imune para combater infecções virais: o interferon do tipo 1 e a proteína da leucemia promielocítica (PML),” explica Peron.
O vírus invade as células e atua sobre uma proteína, o receptor AHR. Ele é ativado e limita a produção das células imunes. Elas são muito importantes para a imunidade antiviral, tanto em camundongos quanto em humanos. A imunidade própria das celulas também é suprimida.
Assim, o zika consegue derrubar as barreiras de proteção e passa a se multiplicar livremente. Ele cruza a placenta, infecta os fetos e invade os precursores neuronais, onde se replica e causa a microcefalia nos bebês.
“A lesão no feto é diretamente proporcional à quantidade de vírus na mãe. Uma vez que o receptor AHR desliga a resposta imune da mãe, o vírus não tem barreiras, replicando-se livremente e alcançando o feto,” diz Peron.
Uma nova solução
Depois de descobrir o mecanismo, os cientistas foram atrás de um possível medicamento.
“Se a ativação da proteína AHR facilita a replicação do zika, seria lógico imaginar que uma droga capaz de impedir a sua ativação teria um possível efeito benéfico contra a ação do vírus,” argumenta Peron.
Então os cientistas usaram um medicamento em fêmeas de camundongos em gestação infectadas com o zika e viram uma melhora nas lesões. No caso dos neurônios do cérebro, Peron diz que o medicamento “bloqueou 100% da ação do vírus”.
“Nosso maior desafio foi mostrar que, com o tratamento, nós obtivemos melhora na lesão cerebral. De nada adiantaria observar uma melhora apenas nas mães, sem fazer nenhum efeito no cérebro dos fetos. Mas o tratamento surtiu efeito tanto nas mães quanto nos fetos.”
Segundo Peron, o cérebro dos fetos infectados com o zika e medicados com a nova droga eram praticamente iguais ao cérebro de fetos sem o vírus. “Os fetos tratados com a droga voltaram a nascer com peso normal. O comprimento total dos animais também melhorou. Na placenta e no cérebro, pudemos observar que a remissão do vírus foi total,” afirma o pesquisador brasileiro.
Por enquanto, a droga ainda precisa ser testada em humanos, próximo passo da pesquisa. O surto da zika ocorreu entre abril de 2015 e novembro de 2016. Até 2019, de acordo com dados do Ministério da Saúde, foram confirmados 3.239 casos de crianças que nasceram com alterações no crescimento e desenvolvimento possivelmente relacionados à infecção pelo vírus. No mesmo período, a doença causou 402 óbitos.
Fonte: G1
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