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terça-feira, julho 07, 2020

Alerta sobre a transmissão da Covid pelo ar é importante para hospitais e transporte, diz cientista brasileiro que assinou a carta; entenda o debate

Alerta sobre a transmissão da Covid pelo ar é importante para ...Um grupo de 239 cientistas de vários países publicou nesta segunda-feira (6) carta aberta pedindo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheça o potencial de transmissão da Covid-19 pelo ar, principalmente em lugares fechados, e atualize as medidas de proteção contra o coronavírus.

"Existe um potencial significativo de exposição por inalação ao vírus em gotículas respiratórias microscópicas (micropartículas) a distâncias curtas a médias (até vários metros), e estamos defendendo o uso de medidas preventivas para mitigar essa via de transmissão aérea", aponta o texto da carta.
O infectologista Paulo Saldiva, professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP - único brasileiro no grupo - explica que, na prática, o documento é um alerta de que o distanciamento entre as pessoas de 1 a 2 metros não é eficaz contra o coronavírus, principalmente em locais fechados que não tenham um sistema de renovação do ar.

"Vimos que o coronavírus permanece muito mais tempo no ar e viaja a uma distância maior do que 2 metros em determinados ambientes", explica Saldiva.

"A recomendação de se manter mais de um metro e meio de distância de uma pessoa infectada vale mais para doenças bacterianas, como a tuberculose, em que as partículas são maiores, mais difíceis de serem carregadas pelo ar, mas não para o coronavírus, que se propaga por partículas menores", compara o pesquisador.

Em resumo, o documento explica que enquanto gotículas maiores expelidas ao falar ou tossir caem rapidamente no chão, os aerossóis - pequenas gotículas que permanecem no ar por mais tempo - podem flutuar no ar e se espalhar em ambientes fechados, podendo ser inalada até horas depois por inúmeras pessoas.

A carta também é um reforço sobre a importância do uso da máscara pela população em geral, medida já recomendada pela OMS desde o início da pandemia.

A posição da OMS quando à transmissão da Covid-19 pelo ar, no entanto, é de que o vírus se espalha principalmente por gotículas respiratórias maiores, que não alcançam mais que 2 metros de distância e logo caem no chão ou superfícies. A OMS diz que está avaliando o conteúdo da carta. o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e institutos de pesquisa em saúde dos governos do Reino Unido e da Alemanha já reconhecem essa possibilidade (leia mais abaixo).

Tópicos da carta dos cientistas
Veja abaixo os principais pontos defendidos pelos cientistas que assinam a carta publicada nesta segunda:

Coronavírus pode se acumular no ar em locais fechados
O principal alerta da carta é em relação ao acúmulo do vírus em locais sem ventilação: a Covid-19 pode se acumular no ar não em ambientes fechados e infectar várias pessoas que respirarem o mesmo ar. Daí a importância dos locais não ficarem lotados, terem boa ventilação e um sistema de filtragem do ar.

"Este alerta é principalmente para hospitais e transportes públicos", diz Saldiva.

O pesquisador dá como exemplo um hospital em Hong Kong, em 2002, que recebeu um paciente infectado pelo SARS e, pouco depois, infectou dezenas de pessoas que estiveram no local. "Um único paciente contaminou mais de 100 pessoas no hospital pelo sistema de ar condicionado", explica.


O médico também ressalta a quantidade de profissionais da saúde que já se infectaram com o coronavírus como um indicador de transmissão do coronavírus pelo ar em ambientes fechados.

"Os hospitais precisam ter um sistema de ventilação adequado, de lavagem do ar. É muito mais barato investir na filtragem do ar do que deixar a equipe médica adoecer", aponta Saldiva.

Tempo de permanência do coronavírus no ar em locais fechados pode ser de até 3 horas
"O coronavírus pode permanecer no ar por até três horas, dependendo das condições do ambiente, do vento no local e da umidade", esclarece Saldiva.

Tomando como base a reabertura do comércio e bares, o médico explica que não é preciso conversar ou ficar próximo de um infectado para se contaminar com o coronavírus.

"Se você for em um restaurante que duas horas atrás recebeu uma pessoa contaminada, você poderá inalar o vírus mesmo sem ter estado ao mesmo tempo que o infectado no local", exemplifica o professor.
O risco de se infectar pelo ar nestas condições aumenta quanto maior for o tempo de permanência no local fechado. "Assim, o risco é muito maior para quem trabalha nesses locais", afirma Saldiva.

Transmissão pelo ar ajuda a explicar os super-espalhadores
"A transmissão aérea parece ser a única explicação plausível para vários eventos de super-espalhadores que ocorreram sob tais condições [em ambientes lotados e/ou fechados] e outros onde as precauções recomendadas relacionadas à transmissão direta de gotículas foram seguidas [e mesmo assim houve a contaminação]", aponta o texto da carta.

De acordo com estudos sobre os "super-espalhadores", a transmissão do coronavírus seguiu um padrão em que poucos infectados foram responsáveis pela maior parte do casos, como tem acontecido em frigoríficos em fábricas.

Até que ponto o coronavírus pode permanecer no ar em locais abertos?

Esta permanece sendo uma questão ainda sem resposta pelos cientistas. "É o que todos queremos descobrir", diz o professor.

Saldiva conta que está em curso uma pesquisa que tenta relacionar as variações de poluição de uma cidade com as variações de infecção pelo coronavírus na população. A hipótese é que o vírus possa ser carregado pelo ar em regiões com concentração de infectados, como hospitais e enfermarias.

O que recomenda a carta para evitar a transmissão pelo ar
Além do uso da máscara em locais públicos, a carta recomenda que:

Ambientes fechados tenham ventilação eficaz (ar limpo e filtrado), particularmente em edifícios públicos, ambientes de trabalho, escolas, hospitais e casas de repouso de idosos
Locais fechados adotem controles de infecção aérea, como filtragem do ar de alta eficiência e luzes ultravioletas germicidas
Os locais evitem a superlotação, principalmente em transportes e edifícios públicos
Quando não for possível uma ventilação mecânica, deve-se manter portas e janelas abertas para garantir o fluxo de ar pelo ambiente

O vírus pode entrar na minha casa pelo ar?
O professor do Departamento de Química e Bioquímica da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, José Luis Jimenez, um dos pesquisadores que também assina a carta, fez uma postagem logo após a publicação da carta para explicar que o alerta de que o coronavírus pode ser transmitido pelo ar não representa uma ameça à população em geral.


A transmissão pelo ar não significa que o vírus é capaz de percorrer as ruas por horas, "chegando às casas em todos os lugares".

O que dizem organizações sobre a transmissão da Covid-19 em locais fechados
Recentemente, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e institutos de pesquisa em saúde dos governos do Reino Unido e da Alemanha também passaram a considerar a transmissão da Covid-19 pelo ar, principalmente em locais fechados.

No dia 22 de junho, o ECDC publicou documento alertando a população sobre a ocorrência de surtos de coronavírus em locais de trabalho como escritórios e fábricas, assim como em ambientes fechados como igrejas, restaurantes, shopping centers, dormitórios de trabalhadores, navios de cruzeiro e veículos.

"A falta de ventilação em espaços internos está associada ao aumento da transmissão de infecções respiratórias. Houve inúmeros eventos de transmissão da Covid-19 associados a espaços fechados, incluindo alguns de casos pré-sintomáticos", afirma o documento do ECDC.

No dia 26 de junho, o Instituto Robert Koch, na Alemanha, incluiu em suas diretrizes sobre o coronavírus o item "Infecção por gotículas / aerossóis", em que afirma: "Estadias prolongadas em salas pequenas, mal ventiladas ou não ventiladas podem aumentar a probabilidade de transmissão por aerossóis mesmo a uma distância superior a 2 metros".


Já o governo do Reino Unido publicou o documento "Revisão da medida de distanciamento social de 2 metros", onde incluiu como forma de transmissão do coronavírus a "transmissão por aerosol".

"O risco mais alto [de infecção por coronavírus] ocorre em espaços fechados, lotados e com pouca ventilação por um longo período de tempo", complementa o documento do governo inglês.

A OMS, que mantém a posição de que a Covid-19 se espalha principalmente por gotículas respiratórias maiores, como em tosses e espirros, informou ao G1 que está revisando as informações da carta assinada pelos cientistas quanto à transmissão do vírus pelo ar.

"Estamos cientes do artigo e estamos revisando seu conteúdo com nossos especialistas técnicos", afirmou em nota a OMS.

Fonte: G1

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