O Ministério Público Federal informou neste sábado (13) ter pedido ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que informe os dados sobre violência policial, excluídos do balanço do governo.
Nesta sexta (12), o jornal "Folha de S.Paulo" noticiou que o governo do presidente Jair Bolsonaro decidiu excluir os casos de violência policial do relatório anual sobre violações de direitos humanos. O G1 confirmou a informação.
De acordo com o Monitor da Violência do G1, o número de vítimas em confronto com a polícia cresceu no ano passado 1,5% em relação a 2018. Segundo o levantamento, o país teve em 2019 ao menos 5.804 pessoas mortas por policiais. O aumento contrasta com a queda de 19% registrada em 2019 no total de assassinatos no país em comparação com 2018.
Em nota (leia a íntegra ao final desta reportagem), o Ministério Público Federal argumenta que os indicadores de violência policial são "fundamentais" para a formulação de políticas públicas sobre o tema e que a divulgação é "instrumento fundamental de transparência".
"A retirada dos dados sobre violência policial do relatório anual do Disque 100 rompe com um padrão de divulgação adotado pelo governo nos últimos balanços. Ocorre também no momento de crescimento mundial da discussão sobre violência policial com protestos contra o racismo, iniciados nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd, homem negro, por um policial branco", acrescentou o MPF.
O pedido é assinado pelo subprocurador-geral da República Domingos Sávio da Silveira, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e do Sistema Prisional, órgão do MPF.
Relatório sobre violações
O relatório anual sobre violações de direitos humanos do governo é divulgado com base em informações recolhidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos por meio do Disque 100, serviço de atendimento telefônico gratuito conhecido como Disque Direitos Humanos.
O canal é destinado a receber denúncias, manifestações e reclamações sobre violações de direitos humanos. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil, e a compilação dos dados é feita pelo governo federal.
Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, os dados relacionados a agentes de segurança "não foram divulgados pois foram identificadas inconsistências em seus registros".
"Para que haja fidedignidade dos dados apresentados reservou-se esses registros para estudo aprofundado e posterior divulgação, sem prejuízo aos demais dados de relevância para população. Diante disso, confirmamos que os dados serão divulgados", acrescentou o ministério (leia a íntegra ao final desta reportagem).
Reações
Nesta sexta, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma nota na qual disse ver com preocupação a decisão do governo de excluir os dados de violência policial do relatório.
Para a entidade, ainda que a justificativa cite um "suposto problema técnico", os números "são essenciais na formação de uma base de dados sólida e consistente"
"A falta de transparência do Governo Federal e as reiteradas tentativas de alteração de metodologia de dados em diferentes fontes – mortes por covid-19, números do desemprego, entre outros – colocam em dúvida a veracidade das informações divulgadas pelo executivo nacional. Mudar a metodologia dessas pesquisas ocasiona, também, em impossibilitar uma comparação da série histórica", afirmou a entidade.
A organização afirma que, mesmo diante de possíveis abusos em relação ao uso da força policial, Bolsonaro "insiste de forma reiterada no projeto que amplia ainda mais o excludente de ilicitude no Congresso Nacional".
O projeto citado na nota define situações em que militares e agentes de segurança podem ser isentados de punição ao cometer algo considerado proibido por lei, como matar.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também manifestou preocupação "com a tentativa de acobertamento desses índices e reitera que seguirá atenta a qualquer violação dos direitos humanos".
"Assim como busca esconder os números sobre as vítimas do coronavírus, o governo Jair Bolsonaro está tentando maquiar outros indicadores importantes para a sociedade", diz nota divulgada pela entidade.
Íntegra
Leia a íntegra da nota do MPF:
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informações acerca da exclusão dos dados de violência policial do relatório anual do serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100). No ofício, o MPF pede à ministra Damares Alves os dados totais de violência policial constatados e não divulgados no relatório por suposta inconsistência. O documento foi expedido pela Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e do Sistema Prisional (7CCR) na sexta-feira (12).
No ofício, o coordenador da 7CCR, subprocurador-geral da República Domingos Sávio da Silveira ressalta que "tais indicadores são fundamentais para a formulação de políticas públicas acerca da temática, bem assim constituem-se em instrumento fundamental de transparência". A retirada dos dados sobre violência policial do relatório anual do Disque 100 rompe com um padrão de divulgação adotado pelo governo nos últimos balanços. Ocorre também no momento de crescimento mundial da discussão sobre violência policial com protestos contra o racismo, iniciados nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd, homem negro, por um policial branco.
Na petição, a 7CCR pede informações sobre a violência policial que conta com sistemática de coleta e análise diferentes das demais formas de violência que compõem o serviço de Ouvidoria prestado pelo Disque Direitos Humanos. Indaga também desde quando são divulgados, de forma destacada, os dados sobre violência policial e pergunta quais as razões que levaram à não-divulgação dos indicadores de violência policial no relatório deste ano.
*GT -* Também na sexta-feira, a 7CCR instituiu o grupo de trabalho interinstitucional Racismo, Letalidade Policial e Direito da População Negra Vítima de Violência Estatal à Reparação. A iniciativa visa a elaboração de diagnóstico acerca do impacto da letalidade policial na população negra, considerando suas especificidades e vulnerabilidades no contexto sócio-histórico brasileiro, a fim de nortear a atuação do MPF e fomentar o debate público sobre o problema.
Leia abaixo a íntegra da nota do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos:
Os dados referentes às denúncias de violações de Direitos Humanos tendo por suspeito agentes de segurança não foram divulgados pois foram identificadas inconsistências em seus registros.
Há registros com marcador de suspeito como agente policial, mas na descrição as informações são contraditórias, assim como há registros que não possuem marcador mas as informações contém relação com violação supostamente praticada por agente policial.
Portanto, para que haja fidedignidade dos dados apresentados reservou-se esses registros para estudo aprofundado e posterior divulgação, sem prejuízo aos demais dados de relevância para população. Diante disso, confirmamos que os dados serão divulgados.
Desta forma, a opção de divulgação posterior foi técnica, para garantia da veracidade da informação, não ocorrendo qualquer pedido de não divulgação ou atraso por parte de qualquer autoridade ou entidade.
Lembramos que a taxonomia de violações adotada até 2019 se manteve sem alterações daquela produzida nos sistemas do Disque Direitos Humanos desde ano de 2011, vindo herdada de administrações anteriores.
Fonte: G1
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