A relatora na Câmara dos Deputados do projeto que institui o novo Fundeb, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), decidiu reduzir a proposta de repasse em 2021 das verbas da União para o fundo, que financia o ensino básico. O valor previsto, de 12,5%, ainda é maior que o atual, mas menor que o descrito inicialmente no projeto.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi criado em 2007 como temporário e, por lei, será extinto em dezembro. O Congresso analisa uma nova proposta, para tornar o Fundeb permanente a partir de 2021. O dinheiro do fundo reforça a verba de estados e municípios para investimentos da educação infantil ao ensino médio.
No formato atual, a União complementa o fundo com 10% sobre o valor aportado por estados e municípios. A Câmara debate uma ampliação nesse percentual. Até agora, a fórmula previa 15% em 2021, com aumento de um ponto percentual por ano até o patamar de 20%, de 2026 em diante.
Em razão dos gastos com a pandemia do coronavírus, Dorinha diz que mudou esses números na última versão do parecer. A intenção, agora, é que a União complemente o Fundeb em 2021 com 12,5% do valor total.
O novo relatório continua prevendo o aumento gradual da participação do governo federal, com a meta de atingir os mesmos 20% a partir de 2026. O governo critica esse valor final e tenta negociar uma fórmula com números menores.
O texto refeito prevê 12,5% de complementação em 2021, 15% em 2022, 16,5% em 2023, 18% em 2024, 19% em 2025 e 20% em 2026. Com isso, no fim desse período, o mesmo percentual seria atingido em relação ao cálculo original.
O relatório, ao qual o G1 teve acesso, foi enviado nesta semana para análise do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pretende votar a matéria no plenário nas próximas semanas.
Segundo essa última versão, uma complementação de 12,5% em 2021 custaria R$ 3,5 bilhões à União. Até 2026, os percentuais escalonados somam um impacto de R$ 56,9 bilhões.
Crise econômica
Favorável à renovação do Fundeb, Maia passou a defender que o percentual atual, de 10%, seja mantido em 2021 em razão da situação fiscal do país. Por essa proposta, a complementação só aumentaria a partir de 2022.
“Todos já compreenderam que não pode ser a mesma projeção [de arrecadação] que tínhamos antes da pandemia. Advogo que a gente passe por 2021 e comece o crescimento apenas a partir de 2022”, disse na quinta-feira (18).
Dorinha Seabra, por sua vez, argumenta que estados e municípios precisarão de mais recursos justamente para garantir a volta às aulas com os cuidados necessários para evitar o contágio do coronavírus, como a eventual redução do número de alunos por sala no ano que vem.
“Eu tenho bastante dificuldade em não começar [o escalonamento] em 2021. O Fundeb é um financiamento estruturante e responde por mais de 60% do financiamento da educação básica. (...) O problema fiscal do Brasil não será resolvido se a gente resolver adiar de 2021 para 2022 para aumentar a complementação”, afirmou a deputada nesta sexta-feira (19).
Integrante da comissão especial na Câmara que debateu a PEC, o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) diz concordar com a relatora. “Se não começar a partir do ano que vem, será uma péssima mensagem. O que a gente não consegue aceitar é que a educação tenha esse grau de desatenção [em relação a outros setores]”, disse.
Articulação
O deputado Bacelar (Podemos-BA), que preside a comissão especial na Câmara, tenta articular uma reunião com Rodrigo Maia no início da próxima semana para discutir a nova proposta da relatora. “Estamos trabalhando para votar a PEC até o fim de junho”, explicou.
Por se tratar de uma mudança na Constituição, a PEC precisará ser votada em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado, ainda em 2020, para que não haja uma interrupção do financiamento da educação básica pública.
A ideia é tentar chegar a um texto com o máximo de consenso entre os parlamentares para viabilizar a votação sem sobressaltos no plenário.
Desde o início da pandemia, a Câmara adotou um sistema remoto de votações que evita a aglomeração em plenário. Por outro lado, segundo os deputados, a conversa virtual dificulta os acordos de última hora.
Segundo o líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE), há um entendimento para que a votação seja feita até a primeira semana de julho. Para o deputado, a pandemia torna o tema ainda mais relevante, já que a crise deverá escancarar ainda mais as desigualdades na educação básica.
“Temos que nos preocupar com o curtíssimo prazo porque houve uma queda nos repasses do Fundeb por conta da queda de arrecadação. Temos que atuar tanto na prorrogação do Fundeb quanto na questão imediata”, disse.
Já o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), titular da comissão especial do Fundeb, defende que a ampliação do fundo seja discutida apenas após a pandemia. Segundo o parlamentar, o ideal seria aprovar uma PEC para estender o Fundeb nos moldes atuais por um ano e, em 2021, discutir uma alteração mais profunda, “alinhada à nova realidade”.
“É extremamente importante termos um novo Fundeb, mas acredito não ser prudente votarmos neste momento, quando ainda não temos uma avaliação do nosso cenário fiscal causado pela pandemia”, disse.
Percentual
Além do momento "ideal" para votar a PEC, o percentual de complementação da União deverá ser outro ponto de embates.
Para o presidente da comissão externa que acompanha os trabalhos do Ministério da Educação, deputado João Henrique Campos (PSB-PE), a redução do aporte inicial pode até ser feita, mas desde que se chegue aos 20% em 2026.
“A gente não pode admitir essa possibilidade de mudar no longo prazo. O que pode ser discutida é a transição [do percentual]”, afirmou.
Líder do PSOL, a deputada Fernanda Melchionna (RS) se diz contrária à redução do percentual de 15%, previsto originalmente no parecer da relatora Dorinha.
“Se diminuir os recursos, vai ser mais difícil combater as desigualdades históricas e os impactos da pandemia”, afirmou a deputada. “Vamos fazer essa luta se o governo quiser rebaixar os valores”, acrescentou.
Governo
A construção da proposta sobre o novo Fundeb se deu, até o momento, sem a participação do Ministério da Educação. O motivo: a dificuldade de diálogo com o ministro Abraham Weintraub. A articulação, muitas vezes, ficou restrita a técnicos da área econômica.
Sem consenso sobre o percentual da União no fundo, Weintraub chegou a defender que o governo encaminhasse uma proposta própria, que limitaria a participação do Executivo a 15%, ignorando a PEC já em tramitação na Casa. A pasta, porém, nem chegou a enviá-la.
A saída dele do cargo, anunciada na quinta (18), poderá ajudar no debate com o governo, na avaliação da bancada da educação. Até a noite desta sexta, Weintraub seguia no posto.
"O ministério não participou em nada com o ministro Weintraub. Não cabe aventureiro, não cabe alguém que não respeite a educação. Tomara que seja um nome que possa pacificar o ministério, não ampliar o fosso [com o Congresso]”, disse João Henrique Campos.
O cálculo em disputa
O Fundeb entrou em vigor em 2007 e reúne parte dos impostos arrecadados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios ao longo do ano. A União participa com 10% adicionais sobre esse somatório.
Esse montante, uma vez reunido, é repassado para as unidades da Federação que tiveram a menor arrecadação (e com isso, o menor investimento) por aluno. Em 2019, nove estados do Norte e do Nordeste receberam essa complementação.
Em 2019, o Fundeb reuniu R$ 166,61 bilhões – R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União.
Se a complementação fosse de 15%, como acontece no "ano um" da PEC em análise na Câmara, os cofres federais enviariam R$ 22,71 bilhões ao fundo.
Com o novo cálculo, de 12,5%, o aporte passaria para R$ 189,25 bilhões. Os valores reais devem ser diferentes porque, além de aumentar o gasto público, a pandemia do coronavírus também afetou negativamente a arrecadação de impostos em todo o país.
Mesmo que esses valores fossem mantidos estáticos – ou seja, que estados e municípios arrecadassem exatamente os mesmos valores de impostos que em 2019 –, o aumento gradual de um ponto percentual da complementação até 2026 representaria R$ 1,5 bilhão a mais, ano após ano.
Em 2026, o governo federal chegaria ao aporte de 20% adicionais, ou R$ 30,28 bilhões com base nos impostos de 2019.
Fonte: G1
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