O número de casos do novo coronavírus no Brasil é 15 vezes superior às cifras oficiais, segundo pesquisadores que estimam que os contágios passem de 300.000 pessoas e temem uma catástrofe nas próximas semanas.
© Silvio AVILA Paciente infectado com o novo coronavírus recebe tratamento na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, Brasil, em 15 de abril de 2020
O Brasil é o país da América Latina mais afetado pela pandemia, que chegou aqui mais tarde do que na Ásia e na Europa. No último balanço, as autoridades registraram 1.736 mortos. O pico de contágios é esperado a partir de maio.
Segundo estimativas do grupo Covid-19 Brasil, um coletivo de pesquisadores universitários, no país de 210 milhões de habitantes havia 313.288 casos no sábado passado: 15 vezes mais do que os 20.727 casos confirmados anunciados pelo Ministério da Saúde.
© FLORIAN PLAUCHEUR Médico mostra um kit rápido de teste de sangue de COVID-19 em uma clínica na favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil, em 15 de abril de 2020
A razão para esta enorme diferença no país de dimensões continentais é que a taxa de detecção é muito inferior à de outros países afetados pelo vírus.
No Brasil, a proporção é de 296 pessoas avaliadas por milhão, uma cifra insignificante em comparação com Alemanha (15.730), França (5.114) e Irã (3.421).
"O Brasil está em uma posição ruim em relação a outros países que aumentaram o número de testes à medida que a epidemia foi se instalando. Só vamos tomar mão dessa epidemia se fizer testagem em massa", lamenta, em declarações à AFP, Domingos Alves, membro do grupo COVID-19 Brasil e chefe do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Universidade de São Paulo (USP).
Alves também critica a lentidão dos resultados dos testes, o que leva muitas famílias a enterrarem seus entes queridos sem ter a confirmação da causa da morte.
Segundo ele, os números oficiais mostram onde a epidemia esteve há uma ou duas semanas.
A preocupação é compartilhada pelas autoridades, obrigadas a improvisar à espera dos pedidos de testes, retardados pelo auge de demandas globais.
"Sabemos que 85% dos casos assintomáticos nós nunca vamos detectar", admitiu na semana passada o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson de Oliveira.
"Alertar a população"
Nos hospitais públicos, as instruções são claras: apenas os casos graves devem ser submetidos a testes.
"Atualmente, não se fazem testes para pacientes que não vão ser internados", disse à AFP Fred Nicacio, médico de emergência em Bauru, interior de São Paulo.
"Para pacientes com suspeita, é preciso pedir isolamento social por escrito. Isolamento por duas semanas. Há uma infinidade de pacientes que não estão em estado grave, mas são positivos. Não são contabilizados porque não são testados", acrescenta.
Para Domingos Alves, os cálculos do grupo COVID-19 Brasil servem para alertar a população sobre a real dimensão da pandemia, pois algumas pessoas tendem a baixar a guarda.
A situação se complica ainda mais pelo fato de que o presidente Jair Bolsonaro tem criticado as medidas de confinamento adotadas pelos governadores em quase todos os estados do país.
"Se as pessoas continuarem saindo às ruas, veremos cenas como em Guayaquil, no Equador, com pessoas morrendo em casa e corpos abandonados na rua. Em Manaus, os hospitais já estão à beira do colapso", enfatiza.
Testes produzidos localmente
Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan, que coordena os testes no estado de São Paulo, o mais afetado pela pandemia no Brasil, admite que os casos ultrapassam as cifras oficiais.
"Nós estamos olhando pelo retrovisor. Nós temos que olhar para o visor dianteiro do carro e ver o que vem pela frente. Nas próximas duas ou três semanas, vamos conhecer exatamente o tamanho dessa epidemia. Estamos no começo dela e vamos saber se vamos encontrar um Everest pela frente, ou um monte mais suave", explicou na semana passada, durante uma coletiva de imprensa.
Para ter números próximos da realidade, ele confia na chegada de 1,3 milhão de testes importados da Coreia do Sul, dos quais 725.000 foram entregues na terça.
"Embora tenhamos laboratórios muito bem equipados, ainda dependemos de insumos importados. Precisamos ter cada vez mais metodologias, insumos, produtos nacionais, fabricados no Brasil, para atender rapidamente a demanda", disse à AFP Rejane Grotto, chefe de um laboratório da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Um desafio importante em vista dos sucessivos cortes orçamentários para a pesquisa nos últimos anos.
Algumas universidades recorreram ao apoio financeiro de empresas de tecnologia e inclusive a campanhas de arrecadação de fundos pela Internet para desenvolver projetos de testes produzidos localmente.
Fonte: AFP
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