Depois de dias fechado em casa, tive de sair ontem pela primeira vez. As ruas de São Paulo me pareceram bem mais cheias do que deveriam. Idosos caminhando sem máscaras pelas ruas do bairro de Santa Cecília, um pai levando a filha pequena pela mão, cachorros conduzindo os donos, aglomerações diante de agências bancárias, carros circulando. Apesar das lojas e restaurantes fechados, nem parece que a cidade enfrenta uma pandemia que ameaça milhares de habitantes.
Paulistano desce escadaria de máscara, diante de cartaz sobre combate à epidemia causada pelo novo coronavírus — Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo
Pelos últimos números do Ministério da Saúde – subestimados, como já escrevi –, São Paulo é hoje o principal foco de disseminação no Brasil do novo coronavírus. Se a população não levar a sério as medidas de higiene e distanciamento social, os cientistas não têm a menor dúvida: haverá um morticínio. A eficácia dessas medidas vem sendo provada tanto nos números de mortos das regiões que as adotam quanto em estudos científicos.
Um novo relatório divulgado esta semana por pesquisadores do Centro de Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas (CMMID) da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres traz as primeiras evidências de que “as restrições adotadas pelo governo do Reino Unido levaram à diminuição na transmissão da Covid-19”.
Depois da hesitação inicial e da aposta na proteção apenas de grupos vulneraveis, as autoridades britânicas foram apresentadas a previsões de colapso no sistema de saúde e deram uma guinada em sua estratégia. Ao contrário do que pregam os arautos de quimeras como o “isolamento vertical” ou “imunidade coletiva” – conceito epidemiológico hoje distorcido para fins políticos –, elas adotaram uma quarentena rigorosa e suspenderam todo tipo de atividade.
O resultado, segundo concluíram os pesquisadores do CMMID, foi uma redução de 73% no número total de contatos na população, de acordo com um levantamento de 1.356 pessoas espalhadas pelo país. Eles usaram modelos matemáticos para simular o impacto dessa queda no contágio. Concluíram que a principal grandeza usada para acompanhar a evolução das epidemias, conhecida como “número efetivo de reprodução” (ou pela sigla R), também sofreu uma redução significativa.
O R mede a quantidade média de infectados por um portador do vírus. Quando está acima de 1, o número de contaminados continua a crescer exponencialmente. Quando cai abaixo de 1, diminui, e a epidemia desaparece naturalmente com o tempo (leia mais sobre o R neste post da minha série sobre como combater o coronavírus). No estudo britânico, os pesquisadores verificaram uma redução no R do patamar inicial de 2,6 (cada cem infectados passam a doença outros 260) para 0,62 (cada cem infectados contaminam apenas outros 62).
“As medidas introduzidas pelo governo parecem ter alto nível de adoção”, escreveram. “Se mudanças semelhantes forem observadas em toda a população britânica, esperamos que o número de reprodução esteja agora abaixo de 1 e que as medidas de distanciamento físico levem a um declínio dos casos nas próximas semanas.”
Foi exatamente o que aconteceu na cidade chinesa de Wuhan, epicentro da pandemia, depois de sumetida pelo governo chinês a uma quarentena draconiana. De acordo com o principal estudo divulgado sobre o efeito das medidas de distanciamento social, realizado por pesquisadores chineses, o R caiu de 3,86 para 0,32, valor mais que suficiente para erradicar o vírus. “Medidas consideráveis de contra-ataque controlaram o surto de Covid-19 em Wuhan”, escreveram.
Tal conclusão foi corroborada por uma avaliação realizada por um grupo internacional de cientistas, que levantou a redução nos contatos da população em Wuhan, Xangai e Hunan. “A quantidade de contatos foi reduzida a entre um sétimo e um nono durante o período de distanciamento social”, dizem os pesquisadores. “Um modelo de transmissão calibrado por tais dados mostra que apenas o distanciamento social, como implementado na China durante o surto, é suficiente para controlar a Covid-19.”
Nesse estudo, as simulações demonstram uma queda no R de um valor inicial estimado entre 2 e 3,5 para entre 0,2 e 0,5 – valor além do necessário para deter o vírus. O estudo também investigou o efeito do fechamento das escolas na disseminação do vírus e verificaram que, embora não possa interromper a transmissão por si só – o R cai a entre 1,2 e 1,5, mas é ainda superior a 1 –, ela “pode ajudar a reduzir a incidência pela metade no pico e a retardar a epidemia”.
A eficácia do distanciamento social também foi constatada por um terceiro estudo, conduzido por pesquisadores canadenses das universidades de Toronto e Guelph. Eles simularam como o contágio na população de Ontário reagiria a diferentes estratégias de combate: 1) testes limitados, isolamento e quarentena (cenário atual); 2) medidas restritivas de distanciamento social; 3) uma combinação de rastreamento aprimorado dos casos e distanciamento menos restritivo.
De acordo com as projeções do estudo, as unidades de tratamento intensivo nos hospitais ficariam sobrecarregadas em todos os cenários, a não ser que o distanciamento perdurasse mais de seis meses. Diante da inviabilidade econômica dessa solução, eles sugerem, como estratégia mais “palatável” e “sustentável”, o que chamam de “distanciamento social dinâmico”: isolamento e quarentenas ligados ou desligados na medida da capacidade das UTIs de atender os doentes.
“Uma abordagem combinada, com distanciamento social menos restritivo, capacidade aprimorada de teste e isolamento ou quarentena, teria um efeito similar no cenário dinâmico do que apenas o distanciamento social restritivo”, afirmam. “Todo distanciamento, mesmo sem reduzir o tamanho do surto, tem o benefício adicional de adiar o pico da epidemia, ganhando tempo que pode ser usado para erguer a capacidade do sistema de saúde e identificar tratamentos e vacinas”.
Assim que houver capacidade disseminada de testes e um mecanismo criterioso para ligar e desligar as medidas mais restritivas de modo a gerar o menor prejuízo econômico, a estratégia deverá ser essa. Agora, o essencial é todos ficarem em casa o quanto puderem, em especial idosos e demais grupos de risco. Ao contrário do que têm feito os brasileiros que teimam em não acreditar ou desprezar as conclusões dos cientistas.
Fonte: G1
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