O ministro Alexandre de Moraes, do STF, rejeitou o pedido do governo para estender o prazo de validade de medidas provisórias editadas pelo presidente Jair Bolsonaro durante a crise do coronavírus.
Moraes determinou apenas alterações nos regimes de deliberação e votação dessas normas, adaptando esses processos ao sistema de votação remoto estabelecido na Câmara e no Senado durante o período.
De acordo com a decisão, os pareceres emitidos pelos relatores das medidas provisórias no Congresso poderão ser lidos nos plenários de cada uma das Casas —e não na comissão mista que é usualmente formada para a discussão dos textos.
O advogado, jurista e ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes é paulistano e nasceu em 13 de dezembro de 1968. Se tornou o 168º e mais recente ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) em 22 de março de 2017, nomeado pelo então presidente Michel Temer. Moraes assumiu a cadeira deixada por Teori Zavascki, que morreu em um acidente de avião em janeiro do mesmo ano Pedro Ladeira - 22.mar.2017/Folhapress
O governo havia solicitado "a suspensão da contagem dos prazos" para votação das medidas provisórias "durante a situação de excepcionalidade dos trabalhos do Congresso Nacional, até a retomada das condições de normalidade para obtenção do quórum para deliberação".
Em outros termos, o Palácio do Planalto alegava que essas normas corriam risco de perder a validade porque muitos parlamentares não participariam das sessões.
A legislação estabelece que as medidas provisórias, que passam a valer a partir do momento de sua publicação, precisam ser apreciadas pelo Congresso em no máximo 120 dias. Caso contrário, elas deixam de valer.
O ministro Alexandre de Moraes manteve esse prazo. Ele atendeu a uma manifestação feita pela Câmara e pelo Senado, que argumentaram que o pedido do governo "significaria na prática a revogação do princípio da separação de Poderes".
A decisão representa uma derrota para o governo Bolsonaro. O Planalto acreditava que poderia obter uma posição favorável do tribunal, principalmente porque o PP --partido que integra o chamado centrão-- também fez um pedido semelhante. As cúpulas da Câmara e do Senado, porém, foram contrárias à medida.
As duas Casas alegaram que a implantação do sistema remoto de votação, que tem sido usado nas últimas semanas para aprovar matérias de combate aos efeitos da crise enviadas pelo governo, é suficiente para garantir a atividade legislativa.
Moraes entendeu que "o Congresso Nacional continuará a funcionar e exercer todas suas competências constitucionais, como não poderia deixar de ser em uma Estado Democrático de Direito".
"Observe-se que, mesmo nas mais graves hipóteses constitucionais de defesa do Estado e das instituições democráticas --estado de defesa [...] e estado de sítio [...]-- inexiste qualquer previsão de suspensão do prazo decadencial de validade das medidas provisórias, pois o texto constitucional determina a continuidade permanente de atuação do Congresso Nacional", escreveu o ministro.
Uma MP tem força de lei e validade de 60 dias, prorrogável por igual período. Ele precisa ser validada pelo Congresso —caso contrário, caduca. Há suspensão dos prazos durante o recesso do Legislativo.
O pedido inicial do governo era para que a contagem do prazo fosse suspensa inicialmente por 30 dias, conforme ocorre no recesso parlamentar.
Além do governo, o PP, um dos partidos do chamado centrão da Câmara, acionou o STF para pedir a suspensão dos prazos. Na justificativa, a legenda dizia que as MPs que estão hoje “condenadas à morte” por causa da proximidade do fim de prazo são assuntos que interessam à sociedade.
A ação coordenada atingia vários objetivos ao mesmo tempo. Ao público, passava a imagem de que os Três Poderes, que passaram por forte tensão nas últimas semanas em meio a declarações de Bolsonaro, estavam unidos no enfrentamento da pandemia.
Essa imagem de união, no entanto, ficou arranhada depois do pronunciamento de Bolsonaro na noite desta terça-feira (24), no qual criticou o fechamento de escolas, atacou governadores e culpou a imprensa pela crise.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, classificou o discurso como equivocado, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que "o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população".
A eventual suspensão do prazo das MPs também atenderia a interesses de Executivo e Legislativo. Como o Congresso está focado em debater e votar propostas voltadas ao combate à crise do coronavírus, o governo ganharia tempo para que a situação se normalize e os parlamentares poderiam apreciar matérias que o Executivo considera importante para resolver a situação fiscal do país.
Duas dessas MPs caducam nas próximas semanas: o fim da exclusividade da Casa da Moeda para fabricação de papel moeda e passaporte, que expira em 14 de abril e abre caminho para privatizar a estatal; e a do emprego Verde e Amarelo, que reduz encargos para empregadores e perde validade em 20 de abril.
Para o Congresso também seria interessante suspender o prazo. Se as MPs perdem a validade, isso pode ser usado pelo governo em uma narrativa de que o Legislativo engessa o Executivo e impede Bolsonaro de adotar as medidas que julga necessárias em sua gestão. Apoiar a suspensão, portanto, ajudaria a evitar confrontos com o Executivo.
Para o líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), a decisão é um aceno do Legislativo ao governo. “Para não criar um clima de insegurança, estamos de acordo com a suspensão e buscamos alternativas para ampliar prazo”, afirmou.
Entenda como funcionam as medidas provisórias
O que são as MPs? Medidas provisórias são normas editadas pelo presidente da República que têm força de lei. Elas, no entanto, têm validade determinada e precisam ser avalizadas pelo Congresso para não perderem a eficácia.
Qual o prazo de validade uma MP? Atualmente uma MP tem validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 caso não tenha sido votada pelas duas Casas do Congresso —Câmara e Senado— nesse período.
Qual a ordem de tramitação? A MP começa a ser analisada em uma comissão mista, formada por 12 deputados e 12 senadores. Se aprovada, vai ao plenário da Câmara e depois ao do Senado. Caso este aprove o texto com modificações, ele retorna à Câmara, que acata ou rejeita as mudanças.
O que o governo Bolsonaro queria mudar? A Advocacia-Geral da União pediu nesta terça-feira (24) ao Supremo Tribunal Federal que a contagem do prazo das MPs seja interrompida por 30 dias.
Qual era justificativa do pedido do governo? A crise do coronavírus. Segundo a AGU, a pandemia levou o Congresso a uma “situação de excepcionalidade”, com sessões virtuais e votações a distância. O órgão alega que Câmara e Senado tiveram seu funcionamento reduzido, o que aumenta o risco de MPs consideradas importantes para o Planalto perderem a validade.
Quais MPs estavam citadas no pedido com risco de perderem a validade? Entre as medidas provisórias que a AGU cita estão as seguintes:
• MP 899: estabelece critérios para a regularização de dívidas tributárias e para resolver conflitos entre contribuintes e a União; está no Senado e vence nesta quarta-feira (25)
• MP 901: transfere ao domínio dos estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União; está na Câmara e vence no próximo domingo (29)
• MP 902: acaba com a exclusividade da Casa da Moeda na fabricação de papel-moeda, de moeda metálica e de cadernetas de passaporte, entre outros; está em comissão mista e vence no dia 14 de abril
• MP 905: Cria a Carteira Verde e Amarela, programa de incentivo à contratação de jovens; está na Câmara e vence no dia 20 de abril
Fonte: Folha de São Paulo
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