A voz do porteiro que liberou a entrada do ex-PM Élcio de Queiroz no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, em 14 de março de 2018, dia do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, não é a do funcionário que havia mencionado o presidente Jair Bolsonaro aos investigadores da Delegacia de Homicídios (DH).
A informação está em um laudo assinado por seis peritos da Polícia Civil e foi publicada nesta terça-feira (11) pelo jornal "O Globo".
De acordo com o laudo, a pessoa que autorizou a entrada de Élcio no local foi o policial reformado Ronnie Lessa, morador do condomínio e vizinho de Bolsonaro. Tanto Élcio como Lessa estão presos. O primeiro é acusado de ter dirigido o veículo usado no crime, e o segundo é acusado de ter efetuado os disparos contra Marielle e Anderson.
Conforme reportagem que foi ao ar no Jornal Nacional em 29 de outubro de 2019, um dos porteiros afirmou em depoimento que Jair Bolsonaro, então deputado federal, havia liberado a entrada de Élcio no condomínio. Depois, o homem voltou atrás e afirmou que errou ao dizer que havia falado com "seu Jair".
Ao apurar as declarações dadas no depoimento, o Jornal Nacional pesquisou os registros da Câmara dos Deputados e encontrou uma contradição. Jair Bolsonaro estava em Brasília naquele dia, como mostram os registros de presença em duas votações no plenário: às 14h e às 20h30. Portanto, ele não poderia estar no Rio.
Em novembro, a PF abriu inquérito para investigar o depoimento do porteiro. A investigação apura se o porteiro cometeu crimes de obstrução de Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa contra o presidente.
Agora, o laudo da Polícia Civil assinado por 6 peritos confirmou que outro funcionário havia interfonado naquele dia para Lessa, e não o porteiro que havia dado o depoimento envolvendo Jair Bolsonaro. Segundo o documento ao qual "O Globo" teve acesso, não há "indícios sugestivos de edição fraudulenta" do disco rígido (HD) analisado, que contém registros do sistema de gravação do interfone.
O G1 esteve nesta manhã no condomínio onde Lessa e Bolsonaro têm residência, e onde o porteiro que deu o depoimento ainda trabalha, mas foi informado que o homem não estava no local.
Áudios captaram número de casa e fala de porteiro
O crime que tirou a vida da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes aconteceu por volta das 21h15 de 14 de março de 2018. A gravação da conversa por interfone que liberou a entrada Élcio de Queiroz no condomínio foi feita naquele mesmo mesmo dia, às 17h07m42s — quatro horas antes da execução.
Os peritos analisaram o seguinte diálogo:
— VM2 (voz masculina 2): “Pronto.”
— VM1 (voz masculina 1): “Portaria, boa tarde.”
— VM2: “Boa tarde.”
— VM1: “É o senhor Elson (Élcio).”
— VM2: “Tá, pode liberar aí.”
— VM1: “Tá okay.”
— VM2: “Valeu”.
Na perícia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), foram comparadas as vozes de quatro porteiros que estavam no turno daquela tarde. No áudio, de poucos segundos, os peritos apontam “limitações na quantidade de material examinado”.
Eles afirmam, no entanto, segundo "O Globo", que o áudio "possui características convergentes com a fala padrão coletada pelo porteiro Z, mais do que qualquer outro dos porteiros analisados".
O "porteiro Z" ao qual o documento se refere não é o mesmo que estava de plantão e havia mencionado Bolsonaro em seu depoimento. Os peritos perceberam "jovialidade" e "energia" na fala deste porteiro, além de um jeito diferente dos demais de pronunciar "portaria". O porteiro do depoimento tem mais 50 anos.
O laudo também explica que o dono da segunda voz masculina, Ronnie Lessa, não se identifica. No entanto, por meio de uma comparação de 13 conversas do ex-PM com a portaria do condomínio, em 12 delas ele usa a palavra "pronto" da mesma forma: "rispidamente", segundo explica o jornal. Essa voz é chamada pelo nome de "Ronnie" pelos porteiros em quatro dessas ligações.
O áudio periciado pela Polícia Civil captou ainda, segundo a reportagem de "O Globo", o som da discagem dos números "6" e "5", da casa 65, de Lessa. O porteiro do depoimento que citou Bolsonaro havia dito que Élcio de Queiroz pediu para ir à casa 58, de Bolsonaro.
Bolsonaro e filho haviam contestado porteiro
Em 30 outubro de 2019, um dia após ir ao ar a reportagem do JN sobre o depoimento do porteiro, Bolsonaro negou que alguém de sua casa tivesse autorizado a entrada de Élcio de Queiroz no condomínio.
O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do presidente, postou em suas redes sociais, também um dia após a reportagem, imagem e áudio que, segundo ele, foram tirados do sistema de ligações da portaria do condomínio. No áudio postado por Carlos, uma voz anunciava a chegada de Élcio para a casa 65, onde morava Ronnie Lessa, e não para a 58, de Bolsonaro.
No mesmo dia, o Ministério Público do Rio convocou uma entrevista coletiva na qual informou que um áudio mostrava que foi Ronnie Lessa quem liberou a entrada de Élcio de Queiroz no Vivendas da Barra em 14 de março de 2018. Segundo o órgão, a perícia tinha sido concluída naquele mesmo dia.
O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, afirmou à época que a análise feita pelo MP das provas das ligações de interfone no condomínio de Bolsonaro e Lessa foi superficial e que a ausência de perícia oficial pode levar à nulidade do processo.
Uma das três promotoras que investigavam o caso, Carmem Eliza, pediu afastamento das investigações após a repercussão de posts de 2018 em redes sociais que mostram ela apoiando a campanha do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro.
Perícia do MP e perícia da Polícia Civil
A reportagem de "O Globo" também menciona que a gravação do sistema de comunicação do condomínio analisada pelo MP foi cedida pelo síndico, enquanto a análise da Polícia Civil divulgada nesta terça foi feita com base em material apreendido na portaria do local pelos agentes.
Fonte: G1
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