Na central de atendimento da assistência social em Natal, Karla Basílio de Lima, 29 anos, espera ser chamada com a expectativa de finalmente ter uma resposta sobre a concessão do Bolsa Família, benefício que aguarda receber há 7 meses, quando fez o Cadastro Único. "Me falaram que eu começaria a receber em janeiro, e eu vim aqui para saber se vai sair mesmo", explicou. Receber o programa significa pôr comida na mesa de casa, onde mora com três filhos pequenos. Desde que perdeu o emprego há 1 ano e 3 meses, ela passou a fazer parte de uma fila de 48,2 mil famílias no Rio Grande do Norte cadastradas no CadÚnico em situação de extrema pobreza (isto é, com menos de 1,99 dólar por dia) sem receber o Bolsa Família.
Linha que mostra a quantidade de famílias beneficiárias no Rio Grande do Norte
Karla procurou a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) em junho de 2019 para ficar apta para o Bolsa Família. Nesse mesmo mês, 78 famílias do Estado conseguiram entrar no programa. O número inaugurou uma média muito abaixo dos primeiros cinco meses do ano, que registraram 21,1 mil novas concessões – cerca de 4,2 mil mensais. De junho em diante, até novembro (último registros na base de dados do Ministério da Cidadania), apenas 605 famílias conseguiram entrar no Bolsa Família. O retorno de Karla à Semtas, responsável pelo intercâmbio entre moradores de Natal e o programa federal, aconteceu na quarta-feira (6), decorrido o prazo dado no cadastro.
A queda nas concessões não significa uma ascensão das classes mais pobres. Em 2019, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do País foi de 1,3% e a desigualdade continuou alta, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento é insuficiente para causar uma diminuição tão brusca entre o primeiro e o segundo semestre. Questionado sobre quais razões levaram a isso, o Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do programa, se limitou a afirmar que "as concessões dependem do quantitativo de famílias habilitadas para o Programa e as estratégias de gestão da folha."
Enquanto aguarda ser selecionada, Karla depende de esmola, que consegue na frente de igrejas, bicos como faxineira e ajuda da mãe – que, por sua vez, precisa de ajuda para conseguir pagar o aluguel de casa nos meses mais difíceis. "Tem dias que falta comida em casa, uma mistura. A mistura do almoço é o mais difícil, mas tudo que eu consigo eu compro de comida. A janta a gente pega na distribuição de sopa que a igreja faz", relatou. O aperreio diminui quando os filhos, os dois mais velhos de 11 e 7 anos e a mais nova de 2 anos e 9 meses, estão na escola: a merenda consegue cobrir pelo menos uma refeição.
É a primeira vez que Karla necessita do Bolsa Família desde que o programa foi criado em 2004. Durante nove anos, ela foi funcionária de serviços gerais em uma empresa hoteleira recebendo um salário mínimo, mas em setembro de 2018 acabou no universo de 204 mil desempregados no Rio Grande do Norte. Não se trata de um caso isolado, mas de um fenômeno social agravado pela crise econômica de 2015, quando o País entrou em recessão. Entre o início da crise e dezembro de 2018, data mais atualizada das estatísticas do IBGE sobre renda, 118 mil pessoas passaram à faixa da extrema pobreza no Estado. No total, 367 mil (10% da população) estavam nessa situação em 2018.
Na avaliação do diretor do IBGE/RN, Damião Hernane, a interrupção do Bolsa Família pode gerar um ciclo de pobreza e emprego menos qualificados. “Se não tenho emprego e tenho um programa cheio de barreiras, acabo indo para o subemprego”, afirma. “O impacto da crise econômica no Brasil atinge principalmente os segmentos sociais mais pobres. Se a pobreza aumenta, a tendência é o programa ser mais necessário.”
Número de beneficiários é o menor desde 2017
Segundo a diretora da área técnica da Semtas, Auricéa Xavier, a média mensal de cadastramento no CadÚnico seguiu o aumento do desemprego a partir da crise. "Teve uma tendência de aumento não somente pelo Bolsa Família, mas também por outros programas sociais que exigem o cadastro, como o Benefício da Prestação Continuada (BPC), que passou a exigir o CadÚnico", afirmou.
O número atual de famílias inscritas no Bolsa Família no Rio Grande do Norte é de 339 mil (além das pessoas em extrema pobreza, têm direito ao programa quem está na faixa de pobreza e possui filhos menores de 18 anos). É a quantidade mais baixa desde setembro de 2017, que teve 337 mil beneficiados. A reportagem perguntou ao Ministério da Cidadania se houve evolução da fila nesse período, mas a resposta informa que não há dados estaduais. Já a base de dados disponibilizada online não possui a série histórica de famílias cadastradas no CadÚnico aptas a receber o benefício. Somente o último dado atualizado (dezembro de 2019) está disponível.
No atendimento Karla soube que a situação de espera continua a mesma e não tem data para ser selecionada pelo programa. Por não ter celular, ela deu o número de uma vizinha para ser avisada quando fosse selecionada. Enquanto isso, continua a viver em casa com os três filhos até que eles retornem à escola, em março, e ela possa voltar a procurar emprego com mais calma. “Ficou tudo a mesma coisa, eu só posso esperar”, respondeu.
Fonte: Tribuna do Norte
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