O número de assassinatos no Ceará cresceu 138% quando comparados os primeiros 25 dias do mês de fevereiro de 2019 e 2020. O aumento ocorre em um contexto de paralisação de parte da Polícia Militar, que chega ao 12° dia de braços cruzados neste sábado (29).
Francisco Jorge Gomes Xavier, de 39 anos, e Jorgiane dos Santos Xavier, de 1 ano e 11 meses, pai e filha assassinados no último dia 22 — Foto: Arquivo pessoal
Foram registradas 153 mortes violentas em 25 dias de fevereiro de 2019; em igual período deste ano, a Secretaria da Segurança Pública contabilizou 364 assassinatos. A secretaria informou na quinta-feira (27) que não iria mais divulgar os dados diários de homicídio durante o motim dos policiais. Conforme a pasta, "com o fim do carnaval, há um acúmulo de trabalho no setor de estatística, que deve ser normalizado nos próximos dias".
Em sete dias de motim de policiais militares, o Ceará teve, conforme a secretaria informou nesta sexta-feira (28), 198 homicídios. O número se refere ao período de 19 a 25 de fevereiro. Em média, ocorreram 28 assassinatos por dia - ou um a cada 51 minutos - em todo o estado. A média de homicídios no estado antes do início do motim era 8. A média de 6 casos diários chegou a ser divulgada, mas foi corrigida após a secretaria revisar os dados de janeiro e fevereiro.
Os números são superiores aos que haviam sido divulgados anteriormente pela secretaria, que havia contabilizado 170 assassinatos em sete dias. Em nota, o órgão explicou que a soma dos homicídios desde o motim "está maior atualmente do que havia sido divulgado anteriormente, por causa das ocorrências que inicialmente tinham sido registradas como lesão corporal seguida de morte, mas evoluíram para óbito".
A Secretaria da Segurança complementou dizendo que, por razões como esta, "evita divulgar dados parciais".
O motim de policiais militares começou na terça-feira (18), quando homens encapuzados que se identificam como agentes de segurança do Ceará invadiram e ocuparam quarteis. Os policiais militares reivindicam aumento salarial acima do proposto pelo governo.
Nesta sexta-feira (28), os amotinados reduziram o total de reivindicações feitas para por fim aos motins. Se antes eram 18 pontos, agora são três: anistia, reajuste entre patentes e regulamentação da carga horária. Neste sábado (29), a Assembleia Legislativa começa a analisar, em sessão extraordinária, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo governador Camilo Santana que proíbe a anistia de policiais amotinados no estado. O 18º Batalhão da Polícia, no Bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza, segue ocupado por amotinados.
Policiais do Ceará se reuniram com senadores para ouvir propostas do governo estadual, no último dia 20. — Foto: Kid Junior/SVM
Análise
De acordo com o sociólogo Luiz Fabio Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), há "um claro vazio de policiamento". "Obviamente, tem um cenário de oportunidades para todas e as mais diversas práticas de crimes, como ações de milícias, facções, muitos acertos de conta."
Para o pesquisador, a tendência é o crescimento de crimes comuns, como furtos e assaltos e os que ocorrem em decorrência deste, como os latrocínios. O procurador-geral da Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, avalia que a paralisação tem causado "desordem pública, desassossego para o cearense".
Garantia da Lei e da Ordem
Soldados do Exército fazem patrulha nas ruas de Fortaleza com o motim de policiais militares — Foto: José Leomar/SVM
O Ceará chegou a registrar 37 homicídios em um único dia, 27 de fevereiro. Com baixo policiamento nas ruas, o Governo Federal autorizou o envio do Exército ao Ceará, numa aplicação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Com a GLO, as Forças Armadas assumem o policiamento nas ruas. O decreto que garante a atuação do Exército foi autorizado até sexta-feira (28) e prorrogado até 6 de março.
Após o início da Operação Mandacaru, gerenciada pelo Exército Brasileiro, no domingo de carnaval (23), houve redução no número de assassinatos, mas o total ficou ainda acima da média do ano.
Segundo Luiz Fábio Paiva, os soldados "não têm prática de policiamento", dispõem de "armas completamente inapropriadas" para atuação em cidades e os veículos, como caminhões-tanques, "não facilitam nada".
Agentes do Exército realizam a segurança em ruas próximas ao Comando da 10ª Região Militar, no Centro de Fortaleza — Foto: José Leomar/SVM
"É uma ação totalmente inadequada e ineficiente. Ela não vem pra coagir o crime – como ela não vai. Ela vem pra criar uma sensação de que algo está sendo feito, evitar situações de uma maior gravidade, as pessoas que fazem o crime conseguem continuar atuando mesmo com esse tipo de presença ostensiva", ressalta o pesquisador.
Em nota, a 10ª Região Militar informou que a Operação Mandacaru "tem contribuído, desde o seu início, para a diminuição dos índices de violência que estavam em escala ascendente, proporcionando, inclusive, a realização de grandes eventos, como a Copa Sul-Americana na última quinta-feira".
"Todos os índices são avaliados diariamente pela Operação para a tomada de providências necessárias e estratégicas. Dessa forma, a Operação reforça seu compromisso de contribuir para o restabelecimento das condições de normalidade no Estado do Ceará", finalizou o Exército.
Exército atuou no entorno da Arena Castelão durante a partida entre Fortaleza e Independiente, na última quinta-feira (27), pela Copa Sul-Americana — Foto: Thiago Gadelha/SVM
Sem anistia
Comissão aguarda policiais definirem novo interlocutor para retornar à mesa de negociação — Foto: MPCE/Divulgação
A comissão formada por membros dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, que tenta chegar a um acordo para encerrar a paralisação da Polícia Militar do Ceará, afirmou na sexta-feira (28) que está descartada a possibilidade de anistiar os policiais militares amotinados.
Membros da comissão afirmaram também que enfrentam um impasse para dar continuidade aos diálogos porque os policiais pedem que o ex-deputado federal cabo Sabino seja o representante da categoria. No entanto, cabo Sabino tem um mandado de prisão em aberto por suspeita de liderar o motim de policiais.
O grupo agora aguarda os policiais definirem um novo interlocutor para voltar à mesa de negociação.
Fonte: G1
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