Sob pressão de chefes dos Poderes, da comunidade judaica e de seus eleitores, o presidente Jair Bolsonaro demitiu ontem, o secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, depois que ele apareceu em um vídeo, nas redes sociais, citando trecho de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista. Bolsonaro não queria dispensar Alvim, mas a situação dele ficou "insustentável" diante da mais forte reação a um pronunciamento ideológico desde o início do governo. O repúdio ao regime nazista de Adolf Hitler uniu Legislativo, Judiciário, federações israelitas, evangélicos e até embaixadas, ultrapassando a polarização entre direita e esquerda.
Roberto Alvim disse rejeitar Hitler, mas concordar com a citação
Na tentativa de sair rapidamente da crise, o presidente convidou a atriz Regina Duarte para assumir a Secretaria da Cultura. Ela prometeu dar a resposta até segunda-feira. A atriz apoiou Bolsonaro na campanha e no ano passado já havia sido chamada para o cargo, mas recusou. Agora, disse que está "pensando" sobre o assunto. O governo quer um nome de peso para substituir Alvim.
Logo cedo, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, cobraram publicamente a demissão de Alvim, que assumiu o cargo em novembro. Bolsonaro também recebeu vários telefonemas de aliados pedindo a saída do secretário, sob o argumento de que o governo não poderia admitir elogios ao nazismo, responsável pela perseguição e assassinato de milhões de judeus. O Estado apurou que duas ligações foram decisivas para a decisão do presidente: a de Alcolumbre, que é judeu, e o do embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley.
Para Alcolumbre, o discurso de Alvim foi "acintoso, descabido e infeliz" em todos os aspectos. "Como primeiro presidente judeu do Congresso Nacional, manifesto veementemente meu total repúdio a essa atitude e peço seu afastamento imediato do cargo", escreveu ele, em nota. Maia, por sua vez, disse no Twitter que o secretário da Cultura havia passado "de todos os limites" e Toffoli considerou a citação ao nazismo como "uma ofensa ao povo brasileiro e à comunidade judaica". Horas depois, a exoneração de Alvim foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU).
"Comunico o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência", postou o presidente no Facebook, no início da tarde desta sexta. "Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores", afirmou o presidente.
No vídeo em que anunciou o Prêmio Nacional das Artes, na noite de quinta-feira, 16, Alvim copiou em boa parte trecho de um discurso de Goebbels, tendo como fundo musical a ópera "Lohengrin", de Richard Wagner, obra que Hitler adorava. "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada", disse no vídeo.
Igual
O discurso de Goebbels tem praticamente as mesmas frases. "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferramenta romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", afirmou Goebbels em 8 de maio de 1933 em um pronunciamento para diretores de teatro, segundo o livro Joseph Goebbels: uma Biografia, de Peter Longerich.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, antes da demissão, Alvim disse que se tratava de uma "coincidência retórica", afirmou repudiar o regime de Hitler, mas concordou com o conteúdo da citação. "A origem é espúria, mas as ideias contidas na frase são absolutamente perfeitas e eu assino embaixo", declarou o dramaturgo. Àquela altura, Alvim acreditava que continuaria na mesma cadeira porque Bolsonaro havia conversado com ele e garantido sua permanência na equipe. "O presidente se convenceu plenamente do que falei", afirmou.
As explicações de Alvim na entrevista pioraram ainda mais a sua situação. Bolsonaro foi pressionado a agir com rapidez para que não houvesse fio desencapado no governo, causando desgaste em sua já fragilizada base de apoio.
O presidente não esperava esse volume de reações negativas. Nem mesmo uma afirmação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ), há três meses, em defesa de um novo AI-5 para conter possíveis manifestações radicais nas ruas provocou tanta indignação nas redes sociais.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, telefonou para a cúpula do Congresso avisando que o presidente demitiria Alvim.
O ex-secretário Roberto Alvim parafraseou trecho de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
A frase de Roberto Alvim, secretário de Cultura, no vídeo, antes de ser demitido:
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.”
A frase do ministro da propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels:
“A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande pathos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada.”
Fonte: Estadão
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