Entre as décadas de 1980 e 1990, a Hanseníase foi uma preocupação recorrente dos órgãos de saúde pública do País, que possuía uma média de 19 casos diagnosticados a cada 10 mil habitantes. Desde o começo dos anos 2000, no entanto, o Brasil vivencia uma queda nesses números, que chegaram a cair 43% entre 2008 e 2016, quando a média de casos passou a ser de 12,3 a cada 100 mil habitantes. Apesar da queda, a doença ainda preocupa as autoridades de saúde pública, que no mês de janeiro, organizam a campanha do “Janeiro Roxo”, com mutirões de diagnósticos e distribuindo materiais sobre o tema para conscientizar a população sobre a doença, que ainda atinge cerca de 30 mil pessoas anualmente no País.
Médicos realizaram mutirão de diagnóstico, ontem, na Unidade Clínica do IMT/UFRN para identificar novos casos e iniciar tratamentos
No Rio Grande do Norte, a média é de 250 casos anuais, número considerado baixo pelos órgãos de saúde pública, que acreditam que o estigma do passado criado em torno da doença e a baixa procura pelo diagnóstico durante o aparecimento dos primeiros sintomas ainda fazem com que muitos casos não sejam identificados e tratados.
“Antigamente, essa era uma doença muito estigmatizada, porque as pessoas eram isoladas do convívio com a sociedade e a família nos leprosários. Isso deixa uma marca muito forte. Hoje, nós sabemos que a Hanseníase tem cura e que os tratamentos variam de seis meses a um ano, mas muitas pessoas acabam não procurando os serviços de saúde", afirma Wilka Martins, responsável técnica pela Hanseníase na Vigilância Epidemiológica do Estado.
A Hanseníase é uma doença infecto-contagiosa, de evolução lenta, cujos sintomas se manifestam principalmente através de sinais como lesões e manchas na pele. A principal característica da doença é o comprometimento dos nervos periféricos, algo que costuma ser sentido apenas depois de um longo período de incubação. Ela é causada pelo Mycobacterium leprae, também conhecido como “bacilo de Hansen", um parasita que sente afinidade pelas células cutâneas e nervos periféricos.
O ser humano é considerado a única fonte de infecção da doença, e a transmissão acontece através do contato direto com uma pessoa doente não tratada. A Hanseníase pode infectar pessoas de todas as idades e, após a transmissão, o período de incubação da doença pode variar de 2 a 7 anos antes que os primeiros sintomas comecem a se manifestar.
De acordo com a diretora técnica da Sesap, há duas classificações utilizadas durante o diagnóstico da Hanseníase: os paucibacilares e os multibacilares. Os paucibacelares são aqueles que ainda estão no início da doença, e não iniciaram a transmissão para outras pessoas. O sintoma, nesses casos, costuma se manifestar através de poucas manchas. Já os multibacilares são aqueles que se encontram no estágio mais avançado, de transmissão da doença.
A maior parte dos diagnósticos feitos no RN, cerca de 60%, de acordo com a Secretaria do Estado de Saúde Pública (Sesap), estão na segunda categoria, dos multibacilares. "Nos diagnósticos, estamos identificando muito mais multibacilares, o que significa que não estamos conseguindo fazer o diagnóstico precoce, e que a doença continua circulando e infectando novas pessoas", diz Wilka.
O diagnóstico precoce ainda é um dos principais obstáculos para a erradicação da doença, que atinge principalmente pessoas pobres em áreas com baixo acesso aos serviços de atenção básica em saúde e saneamento. “Por ser uma doença silenciosa, as ações de educação em saúde se tornam ainda mais importantes, porque muitos deixam para procurar o serviço de saúde apenas quando já estão com deformidades nas mãos ou pés, por exemplo”, afirma Wilka.
Na manhã desta segunda-feira, médicos e demais profissionais de saúde do Hospital Giselda Trigueiro, principal referência em doenças infecto-contagiosas no Estado, organizaram um mutirão de diagnósticos na Unidade Clínica do Instituto de Medicina Tropical da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte ), com o objetivo de identificar novos casos e dar início aos tratamentos.
Busca ativa não deve se restringir ao 'Dia D'
O assessor técnico para Hanseníase da Organização Mundial de Saúde e médico do Giselda Trigueiro, Maurício Nobre afirma que a busca ativa por novos casos não deve se restringir ao “Dia D”. “É importante conscientizar as pessoas cada vez mais da importância de procurar o sistema. Nós vemos que a Hanseníase tem uma ligação com a situação socioeconômica dos pacientes e com a própria facilidade que essas pessoas têm em acessar os serviços de saúde”, afirma.
De acordo com ele, a doença sofre uma negligência dupla: a primeira, do Estado, que negligencia as áreas periféricas das grandes cidades, onde se concentram a maior parte dos casos, e também da própria população, que ao identificar o aparecimento das primeiras manchas, não procura o serviço de saúde. “As manchas não incomodam a princípio: não arde, não coça, não dói, então as pessoas não procuram um diagnóstico. Esse é o nosso maior desafio”, completa.
De acordo com a Sesap, é na cidade de Mossoró que está concentrada a maior parte dos casos, e outro mutirão de diagnósticos será realizado no município, no dia 30 de janeiro.
A área, que compreende a 2ª Região de Saúde do Estado, tem a maior incidência em toda a série histórica do Estado, tendo atingido seu pico no ano de 2014, com uma incidência de 24,7 casos a cada 100 mil habitantes. No ano de 2018, a taxa foi de 16,7 casos, superando a capital e a Região Metropolitana de Natal, onde a taxa foi de 4,7.
O tratamento para a doença é gratuito, disponibilizado através do Sistema Único de Saúde para os Estados. Ele acontece por meio de antibióticos, que os pacientes podem tomar em um período que varia de 6 meses a um ano. De acordo com os dados da Sesap, a proporção de cura dos casos novos diagnosticados no Estado é alta, entre 70% e 80%. O diagnóstico da doença também é simples, e pode ser feito através dos serviços de atenção básica à saúde.
“Muitas vezes, o que acontece é que, por deixarem para procurar o diagnóstico apenas quando os sintomas estão muito avançados, as pessoas podem ficar com sequelas graças aos danos que a doença causa aos nervos periféricos”, explica Maurício Nobre.
No RN, o número de pacientes com incapacidades neurológicas irreversíveis, causadas pelo avanço da doença, é de 12%, maior que a média nacional de 7%. “Apesar disso, a doença tem cura sim, e o tratamento é eficaz. A principal preocupação é a busca pelas pessoas infectadas para que seja feito o diagnóstico precoce e essas sequelas possam ser evitadas”, completa o médico.
Sinais e sintomas
1. Aparecimento de manchas pigmentadas ou lesões em qualquer parte do corpo mas, de forma mais comum, nas regiões da face, orelhas, nádegas, braços, pernas e costas;
2. Dor e espessamento dos nervos periféricos;
3. Perda de sensibilidade nas áreas inervadas por esses nervos, principalmente nos olhos, mãos e pés;
4. Perda de força nos músculos inervados por esses nervos principalmente nas pálpebras e nos membros superiores e inferiores
Fonte: Guia Para Controle de Hanseníase, Ministério da Saúde
Números - Série Histórica da frequência de casos novos no RN
2014 - 272
2015 - 270
2016 - 191
2017 - 247
2018 - 259
2019 - 169*
Fonte: Sesap
*A Secretaria do Estado de Saúde Pública destaca que os números relativos ao ano de 2019 ainda não estão consolidados, e novos casos notificados naquele ano devem ser enviados pelos municípios até o mês de março
Fonte: Tribuna do Norte
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