A barragem da Mina Córrego do Feijão, que se rompeu e matou 270 pessoas em Brumadinho em janeiro deste ano, despertava a preocupação em relação à sua segurança desde 2006. A estrutura ainda teve alteamentos entre 2000 e 2008 sem o devido licenciamento ambiental, que foi concedido mesmo sem todos os documentos necessários. As informações estão em um relatório realizado pela Controladoria-Geral do Estado e divulgado nesta semana.
Bombeiros encontram mais um corpo em Brumadinho — Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação
O levantamento foi feito a pedido do governador Romeu Zema (Novo), após a tragédia da Vale. Em julho, a CGE divulgou outro estudo, que apontava possíveis problemas e soluções no processo de licenciamento e fiscalização de barragens em todo o estado. O novo documento esmiúça apenas os procedimentos na Mina Córrego do Feijão.
Foram avaliadas quase 4 mil páginas de documentos referentes a quatro licenciamentos da estrutura nos últimos 11 anos, sendo que o último venceu o prazo de 24 meses sem que sequer iniciassem as análises. O objetivo é apontar soluções a serem adotadas para o processo de licenciamento das estruturas.
“Dadas as competências da Controladoria-Geral do Estado, não foi escopo do trabalho identificar causas de rompimento”, enfatizou a auditora interna Thaís Cristina de Alcântara Leonídio.
Segundo o relatório da CGE, em 2006, um auditor não havia concluído sobre a estabilidade da barragem e recomendou que a Vale fornecesse informações sobre as características iniciais do maciço, ou seja, sobre sua fundação. A recomendação foi dada novamente em anos posteriores, entre 2013 e 2015. Mas, segundo a CGE, a Secretaria de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) não possui nenhum documento que comprove que a Vale tenha elaborado tal estudo.
O documento apontou também que, embora tenha se tornado obrigatório licenciamento para barragens de mineração em Minas Gerais a partir de 2000, a Vale só iniciou processo para os alteamentos da B1 em 2008. Mesmo assim, foi um Licenciamento de Operação Corretiva, visando apenas o alteamento à montante até atingir 942 metros.
“Este licenciamento não era o ideal porque englobou apenas o último alteamento, o décimo. Deveria ter sido feito um licenciamento coletivo, englobando alteamentos anteriores, especialmente do sexto ao nono. Do sexto ao oitavo, não tinha nenhum documento referente aos impactos decorrentes. Já o nono e o décimo foram incluídos em estudos ambientais. Mas, mesmo para o nono e o décimo, alguns documentos que deveriam ser entregues, mas não foram na totalidade”, disse a auditora.
Em maio, o deputado estadual Noraldino Júnior (PSC), já havia denunciado que a Vale fez os alteamentos sem licenciamento, o que foi confirmado, na época, pela Semad.
Ainda de acordo com a Controladoria, em 2009 e em 2010 foi recomendada, na declaração de estabilidade, a realização de estudos sobre liquefação da barragem, mas não existe evidência de que houve fiscalização para verificar se a Vale fez o estudo ou não.
A CGE informou ainda que, em 2011 e em 2012, nas declarações de de estabilidade, consta a recomendação para se verificar a eficiência dos drenos. Mas, segundo a Controladoria, também não há comprovação de que tenha ocorrido fiscalização para verificar se as recomendações foram cumpridas ou não.
Sobre os documentos
De acordo com Thaís Leonídio, em cada uma das fases de licenciamento são exigidos documentos específicos. Por se tratar de um licenciamento de operação corretiva, um decreto determina entrega dos relatórios dos procedimentos que deveriam ter ocorrido antes, o licenciamento prévio e o licenciamento de implantação.
Entre aqueles que deveriam ter sido entregues pela mineradora à Semad, estão projeto de concepção do sistema, projeto executivo da barragem, plano de desativação, outorga de autorização para uso de água, autorização de supressão da vegetação. Nenhum destes foi encontrado no sistema de licenciamento da Secretaria.
Já para a licença de operação corretiva, a Semad não teria exigido todos os documentos necessários. Só foi feita a solicitação de elaboração de planos de contingência e execução de auditoria periódica. “Mas só foram solicitados posteriormente, como condicionante no processo corretivo. E deveriam ter sido solicitados antes da concessão da licença”, disse a auditora.
Recomendações
Após o relatório, a CGE fez recomendações de melhorias análises dos processos de licenciamento da Semad, para evitar novos acidentes com barragens, como instituição de checklists para verificar se todos os requisitos foram cumpridos e implantação de melhorias no sistema informatizado no Banco de Declarações Ambientais.
"Foi constatada a deficiência de fiscalização. No plano de fiscalização de 2017 e 2018, foram identificados 3 técnicos responsáveis pelo trabalho. Falta de pessoal pode ser amenizada por um sistema mais eficaz", concluiu Thaís.
O que dizem os citados
Por nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente reforçou que "o resultado da auditoria não guarda relação de causa e efeito com a referida tragédia que foi o rompimento da estrutura, em 25 de janeiro deste ano".
O Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) informou, ainda, que a primeira licença do empreendimento foi concedida em 1995, quando a estrutura pertencia à Ferteco Mineração. Esta licença não trazia limites de alteamentos para a estrutura das barragens e foi renovado em 2003.
O licenciamento que ocorreu em 2008 foi concedido em nome da Vale S/A, em caráter corretivo, e se referia aos alteamentos que já estavam em operação.
A Semad alega que este licenciamento foi sobre o nono e o décimo alteamentos, ao contrário do informado pela CGE. A secretaria confirmou, contudo, que os demais continuaram sem a licença.
Sobre as recomendações de realização de estudos consecutivos sobre as características iniciais do maciço, a partir de 2006, a Semad disse que a não entrega da documentação não indica que os estudos deixaram de ser feitos; mas que houve novas dúvidas apontadas posteriormente.
A secretaria negou ineficiência na fiscalização e disse que a Polícia Nacional de Segurança de Barragens, criada em 2010, estabelece que “o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la”.
A secretaria disse ainda que a fiscalização cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM), que é o órgão responsável por outorgar a atividade.
A Vale ainda não se posicionou sobre o assunto.
Fonte: G1
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