Desde janeiro, sete decretos já foram publicados pelo presidente Jair Bolsonaro facilitando a posse e também o porte de armas. Depois de algumas idas e vindas e uma série de polêmicas com o Congresso, estão valendo medidas como permissão de compra de maior quantidade de munições. Temas mais delicados, como o porte de armas, a possibilidade de alguém andar armado nas ruas, serão debatidos em projeto de lei.
Por enquanto, os textos mais atuais dizem que o comando do Exército vai estabelecer em 60 dias os tipos de armas que podem ser comprados. O limite de munições aumentou de 50 para 1 mil e um projeto de lei enviado ao Congresso pode acabar com a restrição de que só agentes de segurança andem armados.
Também foi aprovado no Senado um projeto que permite que produtores rurais possam andar armados em toda a propriedade e não apenas nas sedes das fazendas.
Para o pesquisador Bruno Paes Manso, a flexibilização do porte de armas no Brasil pode ser um problema para a segurança pública. Segundo ele, o país já é líder no número de homicídios com armas no mundo e a medida pode aumentar o crime violento.
“Não é uma política de segurança. Isso o próprio governo já admitiu. Diante da quantidade de estudos que mostram que a flexibilização do porte de armas aumenta o crime violento, o próprio governo já admitiu que é uma questão de direitos individuais de defesa. A tendência é que aumente os problemas de segurança pública. O Brasil é o país com mais homicídios no mundo em termos absolutos e mais de 70% desses homicídios são produzidos por armas de fogo”, afirma Bruno Paes Manso, que faz parte do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
O limite de munições aumentou de 50 para 1 mil após decreto do governo. — Foto: reprodução / TV Globo
Nos Estados Unidos, o principais jornais noticiariam uma pesquisa feita por um grupo que pede mais controle de armas. São registrados 34 homicídios criminosos, 78 suicídios e dois acidentes fatais para cada uso de arma em legítima defesa.
Para o diretor do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, a arma que está na mão do criminoso não é a mesma que chega ao Brasil por meio de contrabando, mas sim através de roubos de pessoas físicas.
“Dos dados que a gente têm das armas usadas em homicídio e roubo no estado de São Paulo, mais de 85% são de origem nacional, de calibre permitido. Foram vendidas em São Paulo e perdidas para o crime também no estado. Isso dá uma evidência bastante forte de que a arma que está na mão do criminoso não é aquela que vem do contrabando do Paraguai. Há um problema de fronteiras, principalmente para armas não fabricadas no Brasil, dos fuzis, das armas do crime organizado, mas que representam uma quantidade muita pequena do universo de armas na mão do crime hoje”, afirma Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz.
Para o Coronel José Vicente Silva Filho, que é ex-secretário Nacional de Segurança Pública, ter uma arma na mão não serve como proteção contra as ameaças do cotidiano.
Influenciadora Gabriella Carreira durante aula de tiro. — Foto: reprodução / TV Globo
“É uma ilusão achar que eu com uma arma vou repelir as ameaças. As chances são muito pequenas, até por um motivo – normalmente você é surpreendido pelo bandido, tanto que temos muitos policiais que morrem nas folgas”, afirma.
O coronel também afirma que o custo alto vai distanciar as família mais pobres de obter a posse, e que o discurso do governo serve para as classes mais altas da sociedade.
“Uma arma, um revólver 38 custa em torno de R$ 4 mil. Dá para comprar uma geladeira, um micro-ondas, e um bom fogão. O cidadão não vai usar R$ 4 mil para comprar uma arma, a não ser aqueles que podem. Quem mais sofre violência nos país são os pobres. É um discurso para uma parte da classe média que tem condição financeira para isso e interesse para isso”, completou.
Em abril deste ano, uma pesquisa Datafolha mostrou que a maioria da população é contra as armas: 64% acham que a posse de arma deve ser proibida, 35% são favoráveis a posse de arma.
Porte por lazer e segurança
A repórter Danielle Zampollo visitou alguns clubes de tiro e conheceu a influenciadora digital Gabriella Carreira, que é atiradora esportiva há quatro anos e está aguardando a chegada da autorização para comprar sua primeira arma.
Mãe de uma bebê de um ano e dois meses, Gabriella diz que a princípio pensou muito na questão da segurança de ter uma arma em casa, mas que toma os devidos cuidados.
“No primeiro eu falei ‘nossa, eu vou ter uma arma de fogo na minha casa’. Já cheguei a pegar o cofre e levar para o cômodo de baixo. Agora eu o deixo em um lugar mais alto”, disse.
“Eu tive que fazer um laudo psicológico, fiz também um formulário com questões pessoais, respondi perguntas sobre a educação dos meus pais, se foi rígida ou não. Também tive que responder algumas coisas sobre responsabilidade e fiz uma prova prática”, conta a influenciadora.
Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, a repórter Alana Oliveira acompanhou uma batalha de Air Soft, que reúne dezenas de aficionados por armas em uma simulação de combate.
Ela conheceu Kleiton Kevin de Souza, que é torneiro mecânico e apaixonado pelo Air Soft. Ele conta que foi comprando o equipamento aos poucos com o salário que recebe no trabalho.
“Fiz um sacrifício enorme para comprar meus equipamentos. Fui separando um dinheiro aqui e ali, mas foi dando certo”, contou.
Hoje com 19 anos, Kevin fala que sonha em ser policial federal. Ele explica que a vontade de ajudar pessoas e a sede por ação o faz desejar seguir a profissão.
“Eu sempre gostei de ajudar as pessoas. Eu pensei até na área da saúde como fisioterapeuta, mas eu gosto mais de ação. Aí fui estudando e foi o que me interessei mais”, disse Kevin.
Caminho das armas
O repórter Julio Molica refez os caminhos de duas armas usadas em dois homicídios. A primeira foi adquirida legalmente ainda nos anos 80 no interior de São Paulo e depois de anos foi usada por outra pessoa na morte de três pessoas de uma mesma família, em 2012. Apenas em 2013 que a arma foi apreendida e destruída pelo Exército a mando de uma juíza.
O repórter Julio Molica refez os caminhos de duas armas usadas em dois homicídios. — Foto: reprodução / TV Globo
O Profissão Repórter também conseguiu rastrear o caminho de outra arma, que também participou de outro homicídio. O revólver foi comprado legalmente por um colecionador de armas de Santo André, na Grande São Paulo. Ele sofreu um roubo dentro de casa e levaram duas carabinas, um fuzil, sete pistolas e oito revólveres.
Em fevereiro de 2012, Hércules Spigariol se envolveu em uma briga de bar com outro homem. Imagens de uma câmera de segurança registraram o momento que ele foi agredido e morto em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. A arma usada para matar Hércules foi uma das roubadas do colecionador.
Fonte: G1
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