Saí de casa com destino à Ponte Newton Navarro. No caminho, pensei como faria as fotos e até quanto tempo eu iria ficar por lá, observando o trabalho dos voluntários que estão de guarda lá em cima 24hs por dia. São cerca de 12 pessoas distribuídas em toda extensão da ponte, que tem quase três quilômetros.
JOVEM FOI SALVO POR VOLUNTÁRIOS NA PONTE NEWTON NAVARRO. FOTO: NEY DOUGLAS MARQUES
Ao chegar, fui recebido pelos sentinelas do acampamento. Observei alguns conversando sobre a noite passada, outros orando e uns indo para casa descansar. Fui até a barraca onde fica o pastor que idealizou a campanha de prevenção aos suicídios. Nos cumprimentamos, trocamos uma ideia rápida e observei um rapaz que estava comendo. Logo me avisaram: “esse rapaz acabou de tentar pular”. Um jovem forte que vestia calças de alfaiataria e camisa esporte, mas descalço, pois foi justamente por ter jogado os sapatos no rio, que chamou a atenção dos voluntários de plantão. Olhei para ele e me perguntei como e porque esse rapaz fez isso. Fui até ele e conversei um pouco. Ele bem lúcido, se apresentou cheio de problemas: desempregado, sem família, separado há pouco tempo e sem perspectivas. Cercado pelos voluntários do acampamento, ele estava recebendo o apoio e a atenção que necessitava.
Despedi-me do rapaz e segui ponte a cima. Sem imaginar o que iria presenciar logo mais. Por volta das 14h20, subi a ponte e, lá em cima, conversando com os voluntários, fui identificando um a um, para depois começar a observar.
Conversei com uma moça que aparentava ter uns 20 anos no máximo, perguntei por que ela estava ali? “Vim com meu namorado. Estava em casa e deu vontade de vir ajudar estas pessoas”, disse ela. Perguntei que “pessoas”? “As pessoas que estão desesperadas e vem aqui tentar se livrar de algum problema. Eu não sei por que estou aqui, mas vim e vou ficar a noite toda”, respondeu e sorriu.
Fiz a mesma pergunta a um senhor que estava na sombra de um dos pilares da ponte, que com semblante tranquilo me respondeu: “Sai de casa para salvar almas. As pessoas precisam de Deus e isso que estão fazendo com suas vidas não é a solução”.
Depois fiquei observando muitos motoristas que passavam e buzinavam em apoio aos sentinelas. Alguns paravam para entregar algum tipo de doação. Mas também havia aqueles que, dos carros, gritavam chamando os voluntários de vagabundos. “Vocês não tem o que fazer não seus desocupados?”, gritou um. Perguntei a um dos voluntários como responderia aquela pergunta. Visivelmente incomodado, o rapaz disse: “Ele não diria isso se um familiar dele precisasse da ajuda que estamos dando aqui”.
Às 16h35, um rapaz chega ao local, com uma lata de bebida na mão. Perguntou se podia sentar e sentou ao lado da grade. Um voluntário chegou e disse que ia mandar buscar um carro para ajudá-lo a descer, mas ele negou e, num piscar de olhos, levantou e pulou a grade. Uma mulher conseguiu segura-lo pela perna e rapidamente outro voluntário o agarrou pela camisa. A cena era chocante. O rapaz estava com a metade do corpo fora da ponte e os dois voluntários gritando por ajuda, faziam um esforço enorme para o homem não cair.
Eu, até então atônito, tive um segundo para decidir se começava a fotografar a cena ou se me somava ao esforço dos voluntários. Soltei minha câmera e segurei a outra perna do rapaz, que fazia muita força para se soltar e se lançar no rio. Vários carros pararam, e qual foi minha surpresa ao perceber que pessoas desceram não para ajudar, mas para filmar com celulares, enquanto o rapaz agressivo era contido. Mesmo ao me afastar, não consegui fazer nada, além de observar as pessoas que desciam dos seus carros para filmar. Ninguém ofereceu ajuda, muito menos o carro para tirar o rapaz de lá. Só filmavam, para certamente depois compartilhar em suas redes sociais.
Foi necessário amarrar o rapaz, para que fosse levado em segurança para o acampamento e lá entregue aos cuidados do SAMU. Antes disso, assim como aquele do início desse texto, ele foi alimentado, conversou com uma psicóloga, oraram por ele, e mesmo mais calmo, continuava a dizer que queria morrer.
Fiquei pensando: “Poxa, o cara se jogou na minha frente”. E aí compreendi que, nessa terça-feira, 14 de maio de 2019, não saí de casa para trabalhar. Fui levado lá, também para ajudar pessoas, como disseram a moça e o senhor que entrevistei.
Fonte: Portal no Ar
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