Cura de câncer, superação de vício em drogas, conquista de emprego, solução de dívidas e problemas familiares, sobrevivência a acidentes graves. Os relatos de milagres atribuídos a Irmã Dulce, feitos por fiéis do mundo inteiro, já passam de 10 mil, segundo as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), que armazena os depoimentos em um memorial no bairro do Bonfim, em Salvador.
Relatos de milagres atribuídos a Irmã Dulce passam de 10 mil e são armazenados em Memorial que funciona em Salvador. — Foto: Osvaldo Gouveia
Duas dessas graças já foram oficialmente reconhecidas pelo Vaticano e a beata, que ficou conhecida como “O Anjo bom da Bahia”, será proclamada Santa. Vai se tornar a primeira mulher nascida no Brasil a ser canonizada — será chamada de Santa Dulce dos Pobres, pelas obras de caridade e de assistência prestadas em vida aos mais pobres e necessitados.
Uma das graças reconhecidas, que a levará a se tornar santa, tem relação com um homem que se curou de uma cegueira após 14 anos. O outro milagre atribuído a ela, que levou à sua beatificação, trata da recuperação de uma paciente que teve uma grave hemorragia pós-parto e cujo sangramento subitamente parou, sem intervenção médica.
Os relatos de milagres chegam de todos os lugares e de todas as formas: por meio de cartas, e-mails e até mesmo por mensagens em redes social como Facebook, Instagram, WhatsApp. A Osid contabiliza os depoimentos dos fiéis que dizem ter recebido algum tipo de graça desde dezembro de 2010, quando o decreto que formalizou a condição de beata de Irmã Dulce foi assinado pelo então papa Bento XVI.
Irmã Dulce, também conhecida como 'O Anjo Bom da Bahia' — Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo
Todos os relatos de graças que chegam ao conhecimento da Osid passam pelas mãos do assessor de memória e cultura da entidade, Osvaldo Gouveia. Ele e mais duas pessoas que atuam como assistentes são responsáveis por analisar os depoimentos e arquivá-los.
"São muitos relatos de graças, muitos mesmo. Algumas pessoas escrevem e deixam no túmulo dela, outras deixam aqui na portaria, outras entregam durante as celebrações nas igrejas. Tem relatos de todos os estados do brasil e de vários países, como Argentina, Filipinas, Estados Unidos. Portugal, Itália, Alemanha. Temos uma sala aqui que tem arquivo até o teto", destacou, em entrevista ao G1.
"Tenho duas voluntárias que trabalham comigo e ficam encarregadas de separar os relatos de graças recebidas dos demais. É muito material. Por mês, a gente chega a receber mais de 400. Aí a gente tem que separar para saber o que é relato de milagre ou não", destacou.
Gouveia diz que futuramente a Osid vai promover a digitalização de todos os relatos e disponibilizar na internet, no site das Obras Sociais, mediante autorização dos miraculados, como são chamados as pessoas que receberam milagres.
"Temos vários relatos, desde pessoas que queriam muito adquirir uma casa e conseguiram, até pessoas que foram vítimas de acidentes graves e sobreviveram. Um homem, por exemplo, relatou que foi arremessado de um ônibus em um acidente e que, quando se deu conta de si, estava em pé, sem ferimentos", destacou.
Papa João Paulo II durante encontro com Irmã Dulce, em foto da década de 80. — Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo
A maioria dos milagres, diz Gouveia, tem relação com saúde.
"Saúde, cirurgias que terminaram bem, cura de câncer, casos envolvendo maternidade. Também temos relatos de resolução de problema familiares, de problemas com alcoolismo, com drogas, problemas financeiros, superação de dívida grande e depoimento de pessoas que estavam desempregadas e conseguiram emprego" .
"Tem casos também como o de uma mulher que veio aqui visitar o memorial, cortou o pé e atribuiu o fim da hemorragia a uma graça de Irmã Dulce. Quem somos nós para questionar qualquer graça, não é?", destaca.
Dentre as milhares de graças atribuídas por fieis à Irmã Dulce, cerca de 50 foram enviadas ao Vaticano, e três estavam sendo analisadas para o processo de canonização dela.
Osvaldo trabalha na Osid desde 1993, um ano depois da morte de Irmã Dulce. Ele disse que teve a oportunidade de conhecê-la e que se surpreendeu, acima de tudo, com a força que ela tinha.
"Eu a conheci, como baiano que sou. Chegava a falar com ela rapidamente. Era uma pessoa muito especial. Minha mãe era devota dela, vinha fazer devoção. Ela tinha 1,48 m de altura e uma força que não condizia com o tamanho. Era muita força, muita energia. Conseguia atender todo mundo. Era impressionante", destaca.
Canonização
O caminho para se tornar santo — Foto: Arte/ G1
Três graças alcançadas por devotos, após orações a Irmã Dulce, estavam sendo analisadas pelo Vaticano, com vista no processo de canonização da religiosa. Esses três casos foram enviados ao Vaticano pelas Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), em 2014, após análise de profissionais da própria instituição.
A canonização de Irmã Dulce será a terceira mais rápida da história (27 anos após seu falecimento), atrás apenas da santificação de Madre Teresa de Calcutá (19 anos após o falecimento da religiosa) e do Papa João Paulo II (9 anos após sua morte).
Após a beatificação da freira, iniciou-se o processo para buscar a canonização, quando a pessoa passa a ser considerada santa pela Igreja Católica. Para a beatificação, é necessária comprovação de um milagre, que no caso de Irmã Dulce ocorreu em outubro de 2010.
Já para a canonização, é preciso que o Vaticano reconheça mais um milagre, com a exigência de que esse milagre tenha ocorrido após a beatificação, o que foi reconhecido agora.
O Vaticano tem quatro exigências quanto à veracidade da graça, até ser considerada milagre: ser preternatural (a ciência não consegue explicar), instantâneo (acontecer imediatamente após a oração), duradouro e perfeito.
História e legado
Irmã Dulce será a primeira santa nascida no Brasil. — Foto: Agência Brasil
Irmã Dulce, cujo nome de batismo era Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, é recordada por sua obras de caridade e de assistência aos pobres e necessitados. Religiosa da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, a beata nasceu em Salvador, em 26 de maio de 1914.
Desde cedo manifestou interesse pela vida religiosa. Aos 13 anos de idade, passou a acolher mendigos e doentes em sua casa, transformando a residência da família – na Rua da Independência, 61, no bairro de Nazaré - em um centro de atendimento. A casa ficou conhecida como "A Portaria de São Francisco", por conta do grande número de carentes que se aglomeravam a sua porta.
Irmã Dulce — Foto: Reprodução/Site da Osid
Em 1933, a jovem ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no Convento de Nossa Senhora do Carmo, cidade de São Cristóvão, em Sergipe. No mesmo ano, recebeu o hábito e adotou o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe, que se chamava Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes e morreu quando a freira tinha 7 anos.
No ano de 1935, já de volta a Salvador, dava assistência à comunidade pobre de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte interna do bairro de Itapagipe. Nessa mesma época, começa a atender também os operários que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco – primeira organização operária católica do estado, que depois deu origem ao Círculo Operário da Bahia.
Em 1939, Irmã Dulce invadiu cinco casas na localidade da Ilha do Rato, na capital baiana, para abrigar doentes que recolhia nas ruas de Salvador. Expulsa do lugar, ela peregrinou durante uma década, levando os seus doentes por vários locais da cidade.
Por fim, em 1949, Irmã Dulce ocupou um galinheiro ao lado do Convento Santo Antônio, após autorização da sua superiora, com os primeiros 70 doentes. A iniciativa deu origem à história propagada há décadas pelo povo baiano de que a freira construiu o maior hospital da Bahia a partir de um simples galinheiro.
Já em 1959, é instalada oficialmente a Associação Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), e no ano seguinte é inaugurado o Albergue Santo Antônio.
A Osid atualmente é um dos maiores complexos de saúde com atendimento 100% gratuito do Brasil, com 3,5 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), entre idosos, pessoas com deficiência e com deformidades craniofaciais, pacientes sociais, crianças e adolescentes em situação de risco social,dependentes de substâncias psicoativas e pessoas em situação de rua.
Segundo a instituição, nos últimos 25 anos a entidade contabiliza 60 milhões de atendimentos ambulatoriais e mais de 280 mil cirurgias realizadas, o que dá uma média de aproximadamente 30 cirurgias por dia.
Irmã Dulce faleceu no dia 13 de março de 1992, aos 77 anos, no Convento Santo Antônio, em Salvador.
Fonte: G1
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