Duas pesquisas da Universidade de São Paulo estão tentando ampliar a oferta de órgãos para transplantes. Os cientistas estudam uma forma de usar rins de porcos em seres humanos. Veja na reportagem de Fábio Turci, que foi correspondente da Globo em Nova York, e agora está de volta ao Brasil.
Durante duas, três, quatro horas por dia, a vida para. Para pra ser renovada pela máquina. “Eu gosto dela porque ela está me cuidando, mas o sonho é sair daqui”, diz a babá Fernanda Salgueiro Damasceno. A hemodiálise filtra o sangue, faz o que os rins não conseguem mais fazer.
A aposentada Lourdes Higino da Silva está na fila do transplante faz 15 anos. Chegou a conseguir um rim, mas ele estava com problema. “Colocaram na quinta, tiraram no sábado. Estou na fila de novo”, conta.
O transplante de órgãos foi uma revolução na medicina, mas ela nunca libertou os pacientes da fila de espera e da necessidade de encontrar um órgão compatível. Agora, o que vem por aí pode ser uma nova revolução.
No Centro do Genoma Humano da USP, cientistas trabalham em dois novos tipos de transplante. A pesquisa é liderada por Mayana Zatz, uma das principais geneticistas do Brasil, e pelo médico Silvano Raia, pioneiro no transplante de fígado no país.
Num dos estudos, os pesquisadores estão desenvolvendo uma forma de transplantar rins de porcos para seres humanos.
“O porco, apesar de não ser reconhecido, é dos animais vertebrados superiores mais próximo do homem. Tem um ciclo biológico muito parecido com o nosso e são de fácil manuseio”, explica Silvano Raia.
Os cientistas estão editando o código genético de porcos para tentar evitar o risco de rejeição no transplante para seres humanos.
“Uma vez que você consegue porquinhos, um macho e uma fêmea, você faz então toda uma população, todos descendentes vão ter essa mesma característica”, diz Mayana Zatz.
Em outra pesquisa, os cientistas desenvolvem um transplante de fígado que seria assim: o fígado de um doador que já morreu passa por uma espécie de lavagem. Todas as células são retiradas. O que sobra é uma estrutura branca, oca, composta por proteínas. Como não tem células, não provoca rejeição em caso de transplante. Os médicos chamam essa estrutura de arcabouço.
Aí os pesquisadores retiram amostras de sangue do paciente que precisa de um fígado novo. Com as células-tronco do paciente, é possível produzir, em laboratório, os diferentes tipos de célula que compõem o fígado. Quando essas células estão prontas, são colocadas no arcabouço do fígado doado e se multiplicam.
“É como se as células tivessem uma receita, a receita de como elas têm que se comportar, como têm que se localizar. E elas obedecem a receita ao pé da letra”, afirma Mayana Zatz.
Com esse fígado novo, o paciente não precisaria de imunossupressores, os remédios para evitar que o organismo rejeite o novo órgão.
“Nós devemos considerar tanto o benefício para o paciente quanto a economia para o estado, porque o custo de uma imunossupressão durante anos, enquanto ele viver, é um. Esses recursos podem ser aplicados a mais transplantes e beneficiar mais pacientes”, diz Silvano Raia.
A Fapesp, fundação de amparo à pesquisa de São Paulo, ajudou a financiar os estudos e eles vão ser apresentados na segunda-feira (11), em Londres.
Os pesquisadores estimam que, em dois ou três anos, essas técnicas estejam prontas para testes em humanos.
O diretor de transplantes do Hospital das Clínicas acha que o uso de órgãos de porcos é o que está mais perto de virar realidade. “O doente vai ter melhor resultado, o impacto socioeconômico vai ser melhor. Então é esse o cenário que eu sonho todo dia”, afirma Luiz Carneiro, diretor de transplantes de órgãos abdominais do HC.
E sonho, doença nenhuma consegue parar. “A gente é saudável, então de repente vem adoecer. Meus rins parando e eu me perguntando: vou fazer o quê? É Deus me dizendo: 'esse é seu fardo, mas estou com você'”, canta o vendedor aposentado Cleto Vieira.
Fonte: Jornal Nacional
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