Duas moradoras de Maranguape, na Grande Fortaleza, denunciam que foram registradas como candidatas pelo partido Rede nas eleições deste ano sem o consentimento delas. De acordo com a costureira Maria Vitória Maciel, de 21 anos, ela e a mãe, a aposentada Ozimeire Maciel de Oliveira, entregaram documentos para um vizinho, que registrou as candidaturas – Vitória, para deputada federal, e Ozimeire, estadual.
Fotos da costureira e da aposentada no site do TSE: filha diz que não fez foto de paletó nem é candidata. — Foto: TSE/Reprodução
Um boletim de ocorrência foi registrado na delegacia da cidade pelo crime de estelionato.
O diretório nacional da Rede Sustentabilidade afirma que as candidaturas de Vitória e Ozimeire foram selecionadas entre várias pré-candidatas que pleitearam participar destas eleições e seguiram "rigorosamente todos os ritos exigidos pela Justiça Eleitoral". A representação local do partido não se manifestou sobre o caso.
O partido diz ainda que as candidatas assinaram o documento de Requerimento de Registro de Candidaturas (RRC), em 14 de agosto, e que foram aprovadas na convenção do partido, em 2 de agosto. Por lei, os partidos precisam cumprir uma cota mínima de candidatas mulheres para os cargos legislativos.
Vitória disse ao G1 que um morador de Maranguape passou pela rua solicitando nomes de mulheres para trabalhar nas eleições e apoiar um candidato estadual. A costureira forneceu para o homem dados e documentos pessoais dela e da mãe. Além dos registros, ele também pediu uma foto para usar na suposta ficha cadastral.
Vitória afirma que assinou um papel "achando que era para receber apoio do partido", mas não sabia do que se tratava. Ela afirmou ao G1 que não foi a nenhum evento da Rede, como diz o partido.
Fotos de paletó
No site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a costureira aparece como candidata ao cargo de deputada federal pela Rede. Já sua mãe está registrada como candidata a deputada estadual, com filiação no mesmo partido.
Nas fotos no site do TSE, as duas mulheres estão de terno preto e gravata. Porém, elas afirmam que não fizeram fotos com este tipo de roupa. A imagem de Vitória apareceu como candidata a deputada federal da Rede na propaganda eleitoral do partido na TV nesta quinta-feira (13).
'Enganadas'
A costureira diz que não sabia que os dados seriam utilizados para o registro político da candidatura. Ela contou que só soube da fraude quando uma amiga da igreja falou que tinha visto os nomes em um site.
"Ele pediu apoio para o candidato dele que ia se candidatar. Ele falou que seriam só mulheres que iriam trabalhar na eleição. Os documentos eram pra uma ficha, e as fotos eram para anexar. Eu não sabia sobre as candidaturas", disse Vitória.
A mulher afirma que, ao ver a candidatura na página da internet, procurou o homem para saber o que havia ocorrido.
"Ele só pediu ajuda, aí eu dei os dados. A gente nunca teve envolvimento com política. Depois que eu ameacei que ia na polícia, ele ofereceu R$ 15 mil para gente não falar. A gente não aceitou. Minha mãe é aposentada por invalidez, tenho medo que isso prejudique o benefício, porque a gente não tem nenhum envolvimento com isso", afirma a vítima.
Investigação
A costureira procurou a Delegacia de Maranguape e registrou um boletim de ocorrência. A Polícia Civil informou que será instaurado um inquérito policial para investigar o crime de estelionato.
Para o promotor Emanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público Eleitoral, o caso deve ser reportado à Procuradoria Regional eleitoral, do Ministério Público Federal (MPF).
"A Polícia Judiciária não tem competência para tratar de crimes eleitorais, isso é com a Polícia Federal. Com o boletim de ocorrência, as duas devem procurar a Procuradoria Regional Eleitoral que investigará o caso."
Segundo o promotor, o caso pode ser desdobrado em duas ações: a primeira, relativa às pessoas que fizeram o contato com as mulheres, coletaram os documentos e fizeram o registro das candidaturas. Essas pessoas cometeram crime de estelionato e falsidade ideológica e devem responder, individualmente, por esses crimes.
Cota mínima de mulheres
A lei eleitoral exige que partidos e coligações respeitem a cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras municipais. Em 2018, o percentual precisa ser respeitado para as coligações de deputados estaduais, federais e distritais.
A Rede lançou seis candidatos a deputado estadual no Ceará. Desses, duas são mulheres, o que garante o cumprimento da cota de 30%. Se a candidatura de Vitória não tivesse sido apresentada, o percentual cairia para 20%, abaixo do determinado por lei.
Para deputado estadual, foram 16 candidaturas, sendo cinco mulheres, que também supera 30%. Sem Ozimeire, entretanto, o índice cairia para 26%, também abaixo do mínimo exigido.
O partido disse que não houve nenhuma impugnação à Rede relativa ao número de candidaturas femininas nestas eleições.
Levantamento feito pelo G1 na base de dados do TSE mostrou, em agosto de 2018, que ao menos 10% das coligações no país (das cerca de 700) descumpriam a cota. O dado pode ser diferente hoje, porque havia divergências entre a base de candidatos e a base de coligações. Além disso, as informações são atualizadas diariamente (o que pode acarretar em mudanças nos registros das chapas). No Ceará, quatro coligações haviam sido impugnadas ou notificadas por descumprir a cota.
Partido nega irregularidade
A Rede Sustentabilidade afirmou que as candidatas assinaram procuração, com firma reconhecida no 2º Ofício de Notas Cartório Paula Costa (por Ozimeire) e no 1º Ofício de Notas e Registros Cartório Holanda (por Vitória), para que o jurídico da sigla pudesse apoiá-las durante o processo de registro das candidaturas. A Rede disse ainda que a procuração foi feita a pedido das próprias candidatas.
"Diante das falsas afirmações das referidas candidatas, a Rede tomará as devidas providências legais para se defender de um ato que nos parece ser armação política. (…) Informa que efetivará o pedido de retirada das candidatas junto ao TRE-CE."
Regras para concorrer
A Constituição Federal estabele, no artigo 14º, que os candidatos aos cargos de deputado estadual e deputado federal devem possuir, no mínimo, 21 anos.
Além disso, o TSE estabelece que seja necessário que o candidato possua filiação partidária aprovada pelo partido. A legislação eleitoral brasileira proíbe a candidatura avulsa.
Pela Lei das Eleições, aqueles que quiserem ser candidatos devem ter domicílio eleitoral na circunscrição em que desejam concorrer e estar com a filiação deferida pelo partido seis meses antes da votação, desde que o estatuto partidário não estabeleça prazo maior. Neste ano, o prazo para registro se encerrou no dia 7 de abril.
Fonte: G1