O Ministério Público investiga indícios de quebra na ordem de espera das cirurgias do Sistema Único de Saúde (SUS) por parte da Secretaria Estadual de Saúde. As irregularidades estariam ocorrendo no projeto chamado “Fôlego Novo”, que tem o objetivo de realizar cirurgias nos municípios do interior do estado. Segundo a investigação, realizada pela 47ª Promotora de Justiça Iara Maria Albuquerque, a Central Metropolitana de Leitos, responsável por regular o acesso dos pacientes ao SUS, sequer sabe da existência do projeto. Os pacientes atendidos estariam em listas próprias, elaboradas pelas secretarias municipais de saúde das cidades contempladas.
Iara Pinheiro: projeto dá acesso privilegiado para algumas pessoas em detrimento de outras
A reportagem da Tribuna do Norte teve acesso à íntegra do inquérito civil em curso na promotoria. Segundo depoimento do secretário estadual de Saúde, Pedro Cavalcanti, colhido pelo MP, o projeto Fôlego Novo "não existe em documentos”. Entretanto, declarações de servidores da Sesap afirmam que as atividades começaram há cerca de um mês, com pelo menos 26 cirurgias de catarata realizadas no Hospital Regional Alfredo Mesquita, em Macaíba. “Isso chama a atenção porque esse hospital realiza mais cesarianas”, disse a promotora Iara Albuquerque. Outras quatro cidades (João Câmara, Santo Antônio, São Paulo do Potengi e Canguaretama) também seriam atendidas em breve.
De acordo com a investigação, uma das responsáveis pelo projeto é a sub-coordenadora de serviços de referência da Sesap, Gyankarla Mendes. Chamada para depor, a servidora informou que os pacientes atendidos durante o projeto “não se encontram regulados pela Central Metropolitana de Leitos”, gerenciada pela própria Sesap. As listas com o nome dos atendidos seriam elaboradas pelas secretarias de saúde dos próprios municípios, assim como os exames pré-operatórios.
A coordenadora da Central de Regulação de Leitos, Maria da Conceição Souza, e a coordenadora da Central Estadual de Regulação, Eva Carla de Medeiros, afirmaram desconhecer a existência do projeto. As declarações corroboram com a informação de que o projeto ignorou a lista do SUS. “O projeto tem uma falha porque garante acesso privilegiado de algumas pessoas, em detrimento de outros que estão regulados esperando o procedimento”, afirma a promotora Iara Albuquerque. Utilizar a regulação é obrigatório para garantir igualdade no atendimento.
No projeto, a equipe médica trabalharia de forma itinerante. Ainda segundo o depoimento de Gyankarla ao Ministério Público, a equipe era formada por três cirurgiões e um anestesista, que teriam sido aprovados no último concurso da Saúde, realizado este ano. Ainda segundo o depoimento, os dois, apesar da formação, estariam atuando na Coordenadoria de Operações Hospitalares e Unidades de Referência (COHUR), que cumpre uma função administrativa. “Isso foge da convencionalidade da lotação de médicos”, declarou Alburquerque, que vai aprofundar a investigação nos próximos dias.
O inquérito civil foi instaurado somente há uma semana, no dia 29 de agosto, após a Promotoria de Justiça receber uma mensagem encaminhada de forma anônima. Na mensagem, Gyankarla fala com os profissionais da Coordenadoria de Operações Hospitalares e Unidades de Referência (COHUR) sobre a “Missão Fôlego Novo”. O texto teria sido enviado em um grupo de WhatsApp. Nele, a servidora pede foco “nos centros Cirúrgicos, estrutura, equipamentos e escala, CRO e uma enfermaria para que a próxima semana receba os pacientes que serão operados pela equipe itinerante”.
Ainda na mensagem, Gyankarla pede registro das atividades e cita que “o Gabinete Civil está recebendo informações também em tempo real”. Para Iara, essa última informação é “estranha porque o Gabinete Civil não participa dos projetos da Sesap”.
O primeiro chamado a depor no Ministério Público foi o coordenador da COHUR Sebastião Bezerra Campos, chefe da servidora Gyankarla Mendes. Ele afirmou à promotoria que tinha conhecimento informal do projeto e não “participou de sua fase de elaboração”. Indagada pelo Ministério Público sobre o desconhecimento de Sebastião, Gyankarla afirma que ele não tinha conhecimento porque “não costuma cumprir expediente regular no setor”.
Fila do SUS
O último relatório da Secretaria do Estado de Saúde contabilizou 13.993 pacientes na fila de espera para realizar cirurgias eletivas pelo SUS. A informação foi divulgada no fim de 2017, pelo próprio órgão. Na lista, existem pessoas com até 2.910 dias de espera. Isso equivale a sete anos e 11 meses.
Essa quantidade não considera as cirurgias ortopédicas, feitas de forma mais rápidas pelo Estado. No ano passado, quando foi divulgado, 1.400 pessoas aguardavam esse tipo de procedimento, totalizado mais de 15 mil pessoas na fila do SUS.
Os procedimentos são realizados nos hospitais públicos ou privados, de acordo com uma cota remetida pelos municípios ao Ministério da Saúde. A maior demanda é a facoesmulsificação com implante de lente intraocular dobrável, técnica mais moderna disponível para cirurgias de cataratas. Mais de 5 mil pessoas esperavam essa cirurgia no fim de 2017. Somente em Macaíba, são 342 pessoas.
Não se sabe se as cirurgias realizadas pelo programa “Fôlego Novo” são com esse procedimento. O inquérito do Ministério Público destaca que uma das dificuldades são as informações sobre os métodos utilizados.
Resposta
A Tribuna do Norte entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Saúde para indagar detalhes do projeto. Até o fechamento desta edição, não houve respostas da pasta.
A secretária municipal de Saúde de Macaíba, Gisleyne Carla, também foi procurada pela reportagem por telefone para ser questionada sobre o critério utilizado para listar os pacientes que foram atendidos no projeto “Fôlego Novo”. Gisleyne não atendeu os telefonemas até o fechamento desta edição.
Fonte: Tribuna do Norte
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