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quarta-feira, abril 04, 2018

Pivô de decisão do STF em 2009 contra prisão em 2ª instância ficou impune

O fazendeiro Omar Coelho Vítor, beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2009, de dar ao réu o direito de ficar em liberdade até o processo transitar em julgado, nunca cumpriu pena. Seu recurso contra a condenação em segunda instância passou 12 anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) até que, em 2014, o crime foi considerado prescrito. Até 2009, o colegiado dos ministros do STF nunca havia decidido sobre quando um condenado deve começar a cumprir pena. As duas turmas da Corte votavam caso a caso, com decisões divergentes muitas vezes.

O habeas corpus a favor de Vítor, morador de Passos (MG), foi o primeiro a ser analisado pelo plenário. Em 2009, por sete votos a quatro, venceu a tese de fazer valer a presunção de inocência mesmo depois da decisão de segunda instância, quando já não estão mais em jogo as provas apresentadas contra o réu. Os tribunais superiores, como o STJ e o STF, julgam apenas falhas processuais de aplicação de leis, jurisprudências ou de interpretação da Constituição.

Apenas em fevereiro de 2016 a decisão foi reavaliada pela Corte, passando a valer a interpretação atualmente em vigor, de que as penas podem começar a ser cumpridas a partir do encerramento do processo em segunda instância. No dia 4, ao julgar o habeas corpus de Lula, a discussão pode voltar à mesa no Supremo.

Em 1991, Vítor tinha 43 anos quando, numa exposição agropecuária em Passos, pegou uma pistola e atirou cinco vezes contra a cabeça de Dirceu Moreira Brandão Filho, então com 25. Dirceu teria “cantado” a mulher do fazendeiro. Dos cinco disparos, dois atingiram Dirceu. Um na boca, outro 

— Eu ainda estava no hospital, lutando pela vida, e ele já estava solto. Foi preso em flagrante, mas na mesma noite foi solto. Eu tive de fazer várias cirurgias na boca e uma das balas carrego até hoje — conta Dirceu.

Vítor foi denunciado por tentativa de homicídio, por motivo torpe e sem chance de defesa à vítima. No primeiro julgamento, a pena foi de três anos e seis meses de reclusão, mas o Ministério Público recorreu. Em maio de 2000, julgado de novo por júri popular, a pena subiu para sete anos e seis meses. A defesa tentou, sem êxito, reverter a decisão. Em março de 2001, dez anos depois dos tiros, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que a pena fosse cumprida em regime fechado. Nos embargos de declaração, a defesa obteve vitória parcial e o regime passou para semiaberto.

A partir daí, houve uma sucessão de recursos que ilustra bem como a lei brasileira e a lentidão da Justiça permitem que se adie indefinidamente um caso. Vítor apelou ao Superior Tribunal de Justiça, com recurso especial, que passou pelas mãos de três ministros da Corte até que, em 2009, foi rejeitado pela ministra Maria Thereza Moura. A defesa, porém, interpôs agravo regimental para levar o caso à turma. O argumento foi rejeitado. Houve em seguida mais dois embargos de declaração, para pedir explicações sobre a decisão. Um foi acolhido parcialmente, sem modificar a decisão. O outro, rejeitado.

A defesa do fazendeiro apresentou, então, embargos de divergência. Em 2010, o ministro relator Arnaldo Esteves Lima negou. Veio outro recurso do fazendeiro, um agravo regimental nos embargos de divergência. No fim daquele ano, ainda sem decisão, o recurso foi distribuído para outro ministro do STJ.

ANTES DO FIM, A PRESCRIÇÃO

Em 2011, dois anos após a decisão do STF que lhe permitiu esperar o fim do processo em liberdade, Vítor recorreu novamente ao Supremo, para pedir que seu nome fosse retirado do Cadastro de Impedidos e Foragidos da Polícia Federal. Argumentou que a própria Corte reconheceu a presunção de inocência até o último dos recursos. O ministro Luiz Fux mandou liberar o nome do fazendeiro. E recomendou ao STJ julgar o recurso de Vítor — que a esta altura já tinha nome pomposo: agravo regimental nos embargos infringentes ao recurso especial.

Livre, Vítor aguardou o grande dia. Em outubro de 2012, seus advogados pediram a extinção da punibilidade por prescrição. Pela lei, crimes com pena de até 8 anos prescrevem em 12 anos. Em fevereiro de 2014, o ministro Moura Ribeiro declarou a prescrição.

Dirceu conta que Vítor vive normalmente em Passos:

— Ele tinha bons advogados em Brasília — resume.

Fonte: O Globo

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