Enquanto o governo de Minas Gerais tem dificuldades para pagar os salários dos servidores públicos – escalonamento da folha é realizado desde fevereiro de 2016 -, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez um levantamento que apontou o acúmulo irregular de cargos que pode ter gerado um prejuízo mensal de mais de R$ 480 milhões. No estado, 102,6 mil servidores públicos estão sendo investigados por acúmulo ilegal de cargos. A prática é proibida pela Constituição Federal.
De acordo com o estudo, ao qual a TV Globo teve acesso com exclusividade, esses casos de acúmulo com indícios de ilegalidade, considerando servidores ativos e inativos. Há funcionários que acumulam dois, seis e até dez cargos diferentes.
Em um dos casos foi detectado que uma médica de Belo Horizonte, já aposentada, trabalha simultaneamente em seis órgãos públicos - totalizando uma carga horária semanal de 108 horas e uma remuneração bruta de R$ 47.833,03.
Na Secretaria Municipal de Saúde de Sabará, na Grande BH, o produtor procura pela médica Lúcia Maria Alves da Rocha Coelho. A atendente responde: “Eu não sei se... tem um dia certo pra ela vir. Ela não tem um dia certo pra ela vir na secretaria porque ela é médica reguladora”.
Estudo do Tribunal de Contas de Minas Gerais identificou médica que tem seis cargos públicos e salário acumulado de quase R$ 50 mil (Foto: Reprodução/TV Globo)
O produtor também foi à Secretaria Municipal de Vespasiano onde, segundo o TCE, Lúcia Maria Alves Coelho também trabalha. "E ela já veio", disse a atendente. O produtor pergunta: "Ela já veio e já foi embora". Ela responde: "Já. Já assinou aqui, já". O produtor insiste: "Ela veio, assinou e foi embora?". A mulher reafirma: "Isso. Ela vem e faz é isso". O produtor pergunta de novo: "Não entendi. Ela vem, assina e vai embora?". Ela diz: "Sim".
A médica também é funcionária da Secretaria Municipal de Ribeirão das Neves e também não foi encontrada. "Segunda ou quinta", disse a funcionária quanto aos dias que a médica trabalharia. "Ou quinta. Mas vem rápido?", pergunta o produtor. "É, fica aqui poucos minutos e vai embora atendente. E não tem um horário específico, não", fala a funcionária.
Lúcia Maria é médica concursada da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. "A doutora Lúcia não fica aqui, não".
Ao todo, a médica que é aposentada ganha cerca de R$ 50 mil por mês e acumula seis cargos públicos. A carga horária que ela deveria cumprir é de 108 horas semanais. Se ela trabalhasse de segunda a sexta daria 21 horas e seis minutos por dia.
A médica não foi localizada por telefone.
Levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais identificou servidor que acumula cinco cargos públicos (Foto: Arte/TV Globo)
Outro exemplo identificado foi do médico urologista Arley Valle Soares. Ele mantém cinco vínculos em diferentes unidades médicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte que somam 96 horas semanais.
Nosso produtor tentou encontrá-lo no Centro Especializado de Consultas Iria Diniz, em Contagem, na Grande BH. "Arley? Ele não tá aqui hoje, não", disse o atendente.
Ele é servidor em Contagem, mas também atenderia em Sabará, Ribeirão das Neves e Belo Horizonte. Ainda segundo o levantamento, 184 pessoas já falecidas permanecem recebendo pelo estado.
Por telefone, Arley negou que tenha cinco empregos. "Não tenho cinco vínculos trabalhistas. Eu tenho um concurso público". O repórter fala: "O senhor tem um concurso público, só, que seria na Prefeitura de Contagem. E as outras quatro, pelo que entendi seriam, seriam serviços temporários?".
O médico interrompe: "Não, não tem outras quatro. O trabalho quatro que eu tenho é um particular, e presto em Sabará serviço de exame médico. Contratado para fazer exame médico diante de uma seleção pública", afirmou Arley.
O presidente do TCE, Cláudio Terrão, foi contundente: "O próprio controlador interno. O próprio município, por exemplo, instaurará um procedimento administrativo pra ver, por exemplo, se ele conseguiu no acúmulo de três cargos prestar o serviço de médico nesses três municípios. Porque se ele não conseguiu, além de ele ter que ser desligado de um desses, ele vai ter que ressarcir ao erário aquilo que ele recebeu indevidamente", disse Terrão.
Ainda segundo o TCE, o desperdício de dinheiro com esses funcionários pode ter dado um prejuízo mensal de mais de R$ 480 milhões aos cofres públicos.
A capital mineira é a cidade com mais servidores que acumulam cargos remunerados. Em 2015 eram 4.263 as pessoas que cometiam irregularidades. Betim vem na sequência com 3.108 servidores. Depois aparece Contagem, com 1.869, segundo o Tribunal de Contas do Estado.
O estudo vai integrar um cadastro de agentes públicos de Minas Gerais que será lançado nesta terça-feira (24) pelo TCE. O objetivo da iniciativa é acompanhar e fiscalizar os atos de gestão da folha de pagamento dos servidores.
E tem mais servidor público na mira do TCE. Com o cruzamento de dados do cadastro do funcionalismo que inclui prefeituras e todos os órgãos do estado, o tribunal vai caçar quem ganha mais do que o teto constitucional e os servidores fantasmas, que somente aparecem pra receber e não trabalham.
A Secretaria Municipal de Saúde de Sabará informou que Arley Soares é responsável pelo Programa de Saúde do Homem no município e que Lúcia Maria tinha dois cargos como médica e que foi exonerada de um deles.
A Prefeitura de Contagem reconheceu que Arley Soares cumpre jornada de trabalho de 20 horas semanais no município.
A Secretaria de Saúde de Belo Horizonte informou que vai apurar o caso da médica Lúcia Maria.
Já a Prefeitura de Vespasiano disse que Lúcia Maria pediu exoneração no último dia 20.
A Prefeitura de Ribeirão das Neves disse que vai investigar a situação e que, se houver irregularidades, os servidores vão ter prazo de dez dias para se defender.
Fonte: G1
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