Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira o julgamento iniciado no mês passado que decidirá sobre o habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Luiz Inácio Lula da Silva com o objetivo de impedir a prisão do ex-presidente, condenado em janeiro a 12 anos e 1 mês de reclusão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Até a última atualização desta reportagem, quatro ministros haviam votado contra a concessão do habeas corpus (o relator do caso, Edson Fachin e os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber) e um a favor (Gilmar Mendes) – leia mais abaixo a argumentação de cada ministro.
O julgamento começou no último dia 22, com as manifestações da defesa e do Ministério Público Federal, responsável pela acusação. Nesta quarta, começou a etapa de votos dos ministros.
A tese defendida pelos advogados de Lula é a de que, segundo a Constituição, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Por isso, argumentam que Lula não pode ser preso em razão da decisão do TRF-4, um tribunal de segunda instância, porque entendem que a prisão só pode ser executada após o esgotamento de todos os recursos em todas as instâncias da Justiça – incluindo a terceira (o Superior Tribunal de Justiça, STJ) e a quarta (o próprio STF).
Mas, em 2016, por 6 votos a 5, o Supremo decidiu que é possível a decretação da "execução provisória" da sentença – ou seja, a prisão – após condenação em segunda instância, mesmo que o réu ainda tenha condições de recorrer ao STJ e ao STF. Ações em tramitação na Corte, contudo, visam mudar esse entendimento.
Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a preservação da decisão tomada pelo STF em 2016 é importante para combater a impunidade. Ela também defende que o habeas corpus é "incabível" por contrariar decisões liminares (provisórias) do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio STF, que já haviam negado o mesmo pedido.
Edson Fachin
Fachin negou a concessão do habeas corpus preventivo solicitado pela defesa de Lula a fim de impedir – até o esgotamento dos recursos em todas as instâncias da Justiça – a prisão do ex-presidente, condenado em janeiro a 12 anos e 1 mês de reclusão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de segunda instância.
Em seu voto, Fachin disse que o STF deveria avaliar se a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em março, negou um primeiro pedido do petista para evitar a prisão, configurava ato com ilegalidade ou abuso de poder.
Para ele, não, já que a decisão se baseou no entendimento, até o momento majoritário no próprio STF, que permite a execução da pena de prisão após a condenação em segunda instância.
“O STJ, ao chancelar a determinação emanada do TRF-4 se limitou a proferir decisão compatível com a jurisprudência desta Suprema Corte e. por expressa imposição legal, deve manter-se integra e estável e coerente”, disse o ministro.
Fachin não descartou eventual mudança no atual entendimento do Supremo, adotado em 2016 – que permite a prisão após a condenação em segunda instância. Mas, para ele, até que essa mudança venha a ocorrer, o atual entendimento deve ser respeitado.
“Ressalto que, em meu ver, até tal ocorrência, não é cabível reputar como ilegal ou abusivo um pronunciamento jurisdicional que se coadune com o entendimento até então prevalente”, afirmou o ministro.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes, que seria o oitavo a votar, pediu à presidente do STF, Cármen Lúcia, para se manifestar após o relator devido a uma viagem a Portugal para participar de um seminário jurídico. Ele estava em Lisboa, nesse mesmo seminário, chegou na manhã desta quarta para participar do julgamento e, em seguida, iria voltar.
Mendes votou favoravelmente ao pedido de habeas corpus preventivo, defendendo que a pena só comecer a ser cumprida após a confirmação da condenação em terceira instância – no STJ – e não na segunda instância.
Em 2016, Gilmar Mendes votou em favor da prisão após segunda instância, mas disse que mudou de posição porque isso passou a ser adotado de forma automática, segundo ele, “independentemente da natureza do crime, de sua gravidade ou do quantum da pena a ser cumprida”. “Sempre dissemos que a prisão seria possibilidade jurídica, não obrigação”.
O ministro citou exemplos de pessoas presas após a segunda instância, mas que posteriormente foram soltos por absolvição ou prescrição do processo nas instâncias superiores. “Os réus cumpriram penas indevidamente e foram presas ilegalmente”, disse.
Gilmar Mendes disse ainda que o atual entendimento resultou “numa brutal injustiça, num sistema que por si é injusto”. “As prisões automáticas ela empoderam um estamento que já está por demais empoderado, o estamento dos delegados, dos promotores, dos juízes”, disse.
O ministro também negou que sua decisão se dê em razão de envolver Lula. “Eu não aceito o discurso de que estou preocupado com este ou aquele. É injusto, é indigno para comigo. Porque eu fui a Bangu, eu fui a Pedrinhas, eu perambulei o Brasil todo. Não fiz isso por demagogia. Isso teve resultado”, afirmou, em referência a penitenciárias que visitou.
No início do voto, o ministro também disse que a decisão sobre Lula poderá ser aplicada em outros casos por se tratar de uma manifestação do plenário do STF, que reúne todos os ministros da Corte. Assim, não seria necessário, segundo avaliou, aguardar o julgamento de outras duas ações, de caráter genérico, que discutem a chamada “execução provisória” da pena.
Alexandre de Moraes
Em voto contrário ao pedido de Lula, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou Edson Fachin, argumentando não ver ilegalidade ou abuso na decisão do STJ que permitiu a prisão após a condenação de segunda instância, por se basear em entendimento do próprio STF.
“Esse ato foi baseado integralmente no posicionamento atual, majoritário, desta Suprema Corte. Mais que isso, nesses quase 30 anos de Constituição, um posicionamento tradicional desta Corte”, disse, em referência ao fato de que a prisão após segunda instância foi permitida pelo STF por 23 anos desde a Constituição de 1988 e só foi proibida entre 2009 e 2016.
Ainda segundo o ministro, dos 34 ministros que passaram pelo STF desde 1988, 24 (71%) foram favoráveis à prisão após segunda instância.
Moraes também argumentou que, nos sete anos em que o STF impediu a execução provisória da pena, não houve aumento exponencial no sistema prisional no país, pelo fato de que 41% do total de quase 710 mil presos serem provisórios, encarcerados antes de uma condenação.
“Não houve perda em relação ao sistema penitenciário, mas houve vantagens, houve uma grande alteração no sistema de combate à corrupção”, disse, em referência a falta de punição dos condenados, em razão da demora no processo até o trânsito em julgado, o que leva muitos casos à prescrição, isto é, a extinção da punibilidade.
Moraes também disse que não se pode presumir que os juízes de primeira e segunda instância cometeram erros, a fim de impedir a execução da pena após a condenação. Ressaltou que é nesses tribunais que se conclui a análise sobre as provas e fatos no processo.
Luís Roberto Barroso
Ao votar contra o pedido de Lula – e autorizar a prisão, portanto –, Luís Roberto Barroso disse não desconsiderar o fato de tratar-se de um ex-presidente que, segundo afirmou, deixou o cargo com aprovação popular, após um governo com crescimento econômico e inclusão social.
“Não é, no entanto, o legado político que está em discussão. O que vai se decidir é se vai se aplicar a ele ou não a jurisprudência que esse tribunal aprovou e que deve ser aplicada a todas as pessoas”, disse, em referência à permissão para prender condenados em segunda instância.
Barroso também criticou a demora no processo penal do Brasil, que leva muitos casos à prescrição e, com isso, à impunidade.
“Se tornou muitíssimo mais fácil prender um menino com 100 gramas de maconha do que prender um agente público ou um agente privado que desviou 10, 20, 50 milhões. Esta é a realidade do sistema penal brasileiro: ele é feito para prender menino pobre e não consegue prender essas pessoas que desviam por corrupção e outros delitos milhões de dinheiros, que matam as pessoas”, afirmou o ministro no voto.
Ele também negou adotar uma posição punitivista, mas defendeu o devido processo legal. “Devido processo legal não é o que não acaba nunca, e garantismo não significa que ninguém nunca é punido por coisa nenhuma não importa o que tenha feito”, disse.
Ao final do voto, Barroso disse que, entre 2009 e 2016, de 25.707 recursos contra condenações apresentados ao STF, somente 9 (0,035%) resultaram em absolvição do condenado. No STJ, disse, em 68.944 recursos contra condenações, somente 1,64% resultaram em absolvição ou saída do regime fechado.
Rosa Weber
Ao votar contra o pedido de Lula (e assim permitir a prisão), Rosa Weber repetiu argumento de Fachin de que não teria como considerar ilegal a decisão do STJ que negou um primeiro pedido do petista para evitar a prisão, por ter seguido entendimento do próprio STF sobre a possibilidade de iniciar o cumprimento da pena após condenação em segunda instância.
“Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico acórdão que, forte nessa compreensão do STF, rejeita a ordem de HC, independentemente da minha posição pessoal quanto ao tema de fundo”, afirmou a ministra.
No voto, a ministra defendeu a importância da coerência das decisões judiciais e do respeito às deliberações coletivas de um tribunal colegiado.
Afirmou primeiro que o entendimento de uma Corte constitucional não pode passar por “rupturas bruscas”.
“A simples mudança de composição [dos membros do tribunal] não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência", afirmou.
Há cerca de 2 anos, em 2016, por maioria de 6 votos a 5, o plenário do STF permitiu a prisão após condenação em segunda instância. Desde então, embora tenha ficado vencida por votar contra, Rosa Weber tem decidido individualmente em favor da execução provisória, em respeito à decisão do colegiado.
No voto desta quinta, ela também falou sobre a importância de seguir a decisão da maioria.
“A colegialidade como método decisório, pelo qual o decidir se dá em conjunto, impõe aos integrantes do grupo procedimento decisório distinto daquele a que submetido o juiz singular. Por funcionar como colegiado, a decisão não se detém no raciocínio de um único juiz. [...] Vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz institucional”, afirmou.
Fonte: G1
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