Apoiadores das Farc protestam contra a prisão de Jesús Santrich em frente ao gabinete do Procurador Geral, em Bogotá, na Colômbia, na segunda-feira (9) (Foto: Raul Arboleda/AFP
O acordo de paz que permitiu o desarmamento das Farc na Colômbia entrou em "seu ponto mais crítico", após a captura de um negociador da ex-guerrilha procurado nos Estados Unidos por tráfico de drogas.
Esta foi a advertência feita nesta terça-feira (10), separadamente, pelo partido de esquerda Farc, surgido dos acordos, e o governo do presidente Juan Manuel Santos.
"Com a captura do nosso camarada Jesús Santrich, o processo de paz está em seu ponto mais crítico e ameaça ser um verdadeiro fracasso", disse o porta-voz da formação Iván Márquez.
O acordo, que terminou com um confronto de mais de meio século, está sendo implementado e esta etapa deve durar 15 anos.
Contudo, ainda está pendente, por exemplo, a reparação das milhões de vítimas de um conflito que também contou com a força pública e grupos de ultradireita.
Detido na segunda-feira em Bogotá a pedidos dos Estados Unidos, Santrich devia assumir uma das 10 cadeiras parlamentares cedidas aos antigos rebeldes marxistas como parte dos compromissos de paz.
Mas agora o ex-negociador poderia ser extraditado para que responda em um tribunal de Nova York por conspiração para o envio de 10 toneladas de cocaína, advertiu Santos.
Segundo as autoridades, Santrich tentou seguir com atividades do narcotráfico depois de o acordo ter sido assinado no final de 2016, o que o exclui dos benefícios que blindam os ex-comandantes diante dos requerimentos da Justiça americana.
O comissionado de paz do governo, Rodrigo Rivera, reconheceu que a paz enfrenta sua crise "mais séria, grave e delicada".
Jesús Santrich, ex-comandante das Farc-EP, em foto de 5 de setembro de 2014 (Foto: Adalberto Roque/AFP)
Pedido de calma
Aos 51 anos e portador de deficiência visual, Seusis Pausivas Hernández, conhecido como Jesús Santrich, foi detido antes da visita que o presidente americano, Donald Trump, realizaria no fim de semana à Colômbia e que foi cancelada nesta terça-feira por outros motivos.
Santrich está preso na sede da Procuradoria e começou uma greve de fome. Outras três pessoas foram detidas na operação, embora ainda não tenham confirmado seu vínculo com a Farc.
O ex-negociador entregou quilos de cocaína para demonstrar que podia ter acesso a toneladas da droga e enviá-la aos Estados Unidos, assegura a acusação da Procuradoria de Nova York.
"É claro que estamos diante de outra montagem da Justiça americana", afirmou Márquez.
Assinado após quatro anos de negociações em Havana, o acordo de paz levou ao desarmamento de milhares de combatentes em 2017.
No entanto, os envolvidos em crimes atrozes ainda não confessaram seus crimes ou repararam as vítimas para que possam receber penas alternativas à prisão.
"Uma falsa acusação pode ser muito grave, devastadora, e uma ameaça para o processo com a Farc. Mas se for certo, será uma lição", disse à AFP o senador Iván Cepeda, que assessorou as negociações de paz em Cuba.
Os ex-guerrilheiros acusaram o governo de Santos de múltiplos incumprimentos, em meio ao conflito que ainda persiste em algumas partes do país e que é financiado em grande parte pelo narcotráfico.
A todos "pedimos que mantenham a calma, não aceitem a provocação (...) É indiscutível que se pretende forçar a fuga ao processo para justificar a continuidade da violência", assinalou Márquez.
Embora os dirigentes tenham descartado seu retorno à guerra, paira o medo de que muitos ex-integrantes da guerrilha peguem em armas novamente.
ELN toma nota
Centenas de combatentes se afastaram do processo de paz e hoje integram as chamadas dissidências, que contam com 1.200 homens e mulheres armados.
Ao mesmo tempo que os combate, o governo persegue facções armadas do narcotráfico e tenta selar um acordo com o Exército de Libertação Nacional (ELN) em Quito.
Precisamente, esta guerrilha interpretou a prisão de Santrich como "um tapa" ao acordado com a Farc e uma demonstração da "nula vontade do governo de facilitar um verdadeiro processo de paz".
Em meio aos temores por uma eventual reativação da violência, a Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc) pediu um encontro de urgência com Santos, e outro com a ONU e os patrocinadores de Cuba e Noruega.
A crise desatada pela captura de Santrich ocorre alguns dias depois de o novo partido pedir ajuda diante da "situação de precariedade" que rodeia os 26 territórios onde os ex-combatentes se concentram.
Nessas zonas não há "condições dignas" de saúde e moradia, como tampouco está garantida a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico.
"O governo terá que falar com os desmobilizados e explicar as provas que tem, e, se as confirmar, a Farc deverá enfrentar as consequências", disse Yann Basset, analista da Universidade El Rosario.
Fonte: G1
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