A Procuradoria da República do Distrito Federal vai convocar os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além do ex-minstro da Fazenda Guido Mantega, para ouvi-los sobre duas contas no exterior que o empresário Joesley Batista disse ter utilizado para destinar dinheiro aos petistas.
Em depoimentos ao Ministério Público, o dono do grupo J&F disse que transferiu, ao todo, US$ 150 milhões para as contas no exterior, a mando de Guido Mantega. Deste valor, o empresário disse que US$ 70 milhões foram destinados a Lula e mais US$ 80 milhões em benefício de Dilma (leia a versão dos citados ao final desta reportagem).
Antes dos depoimentos dos três, Ministério Público e Polícia Federal determinaram que Joesley Batista entregue comprovantes das movimentações que ele diz ter feito e documentos que atestem a existência das contas.
Em novo depoimento, na semana passada, Joesley Batista deu detalhes sobre as movimentações. Ele disse que as negociações com Guido Mantega começaram em 2009.
O empresário disse ao MP que, antes, tratava de "esquemas" dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o empresário Victor Sandri, que atua no setor de cimentos e que, segundo ele, negociava em nome de Mantega. Mas afirmou que não queria mais tratar dos assuntos no banco com ele e que decidiu procurar o ex-ministro.
"'Tomei a liberdade de vir direto aqui, falar contigo [Mantega] e tal, enfim. Eu não sei o quanto o senhor sabe dos assuntos, do não sei o que e queria saber se posso tratar direto contigo'. Aí, ele me demonstrou que eu poderia continuar a conversa com ele", afirmou Joesley aos procuradores.
"Eu disse: 'Olha, eu não sei se funciona pra ti e tal, mas de repente a gente podia fazer uns acordos direto aqui. Eu não sei como eu poderia pagar, porque no caso do Victor, eu pagava o Victor. Se a gente tratar direto, de repente o senhor me indica alguém, outra pessoa, como é que faz'. Foi onde ele disse: 'Não. Tudo bem, vamos fazer assim e o dinheiro fica contigo. Você fica... Eu confio em você'. Pronto", complementou.
Logo em seguida, ele foi questionado sobre um procurador: "Ou seja, ele ia utilizar [o dinheiro] quando quisesse, ele ia solicitar?".
"Isso. Exatamente. Mas eu ficando lá de fiel depositário lá, na minha conta", explicou Joesley.
O empresário disse, então, que passou a pagar propina em uma conta em seu nome no exterior, e que o dinheiro seria para atender às demandas ditadas por Mantega.
Antes do acerto com Mantega, Joesley narrou que tinha um percentual combinado de propina com Victor Sandri. No caso do ex-ministro, o empresário disse que o valor da propina seria acertado negócio a negócio.
"Eu não sabia qual era o acordo do Victor com ele [Mantega]. Continuou, mas assim, eu, pra não, pra não gerar polêmica entre os dois, entendeu, eu disse assim: 'Ministro, e a questão de percentual, como é que a gente faz e tal?'. Aí ele também falou: 'uai, não, não sei, que que você acha?'. Eu falei: 'vamo vendo'. Aliás, ele que me falou: 'vamo vendo negócio a negócio'. Aí eu também achei bom que eu não precisei falar de valor, ele falou negócio a negócio, tudo bem. Aí foi assim", explicou.
O empresário afirmou que em 2011, depois da eleição de Dilma Rousseff, Mantega determinou a ele que abrisse uma segunda conta no exterior. Até aquele momento, o dinheiro que já havia sido repassado por Joesley seria associado a lula. Daí em diante, explicou, seria associado a Dilma.
"O Guido virou e falou assim: 'Ah, não, peraí, você tem que abrir outra cont'. E eu disse: 'Ué, ministro, por que outra conta?'. 'Não, não, não. Essa conta aqui você encerra ela, deixa ela parada aqui e agora abre uma nova'. Falei: 'Por quê?'. Você para de depositar nela, e você começa a depositar numa nova. Eu falei: 'Uai, mas por quê? Não entendi'. Ele falou: 'Não porque essa aqui é do Lula. Essa aqui agora vamos abrir uma conta pra Dilma'. Só pra deixar claro, [isso foi] dito por ele", narrou Joesley.
O empresário disse ainda que entregava todos os extratos de movimentações nas contas para Guido Mantega e que um dia perguntou ao ex-ministro se não seria melhor rasgar os comprovantes, para não deixar provas contra eles.
"Ele [Mantega] falou: 'Não, não. Eu rasgo e tal, mas é porque eu tenho que mostrar pra... Eu mostro lá, prestar conta'. Ai eu falei: 'Mas o senhor mostra esses extratos pra Dilma e pro Lula?'. Aí ele falou: 'Mostro, mostro sim'. De novo, ele falou e eu não acreditei. Até aquele momento ali eu não acreditava. Eu pra mim era ele dando uma justificativa pra dizer que o dinheiro não era dele, que era um cara direito e tal. Enfim, eu também não tava ali pra estar questionando isso. [Disse] 'Então tá. Beleza, vamos embora'", afirmou no depoimento.
Reuniões com Dilma e Lula
No depoimento, Joesley também narrou encontros que teve com Lula e Dilma, nos quais, segundo ele, falou sobre o dinheiro de propina que era movimentado no exterior para as campanhas petistas.
Ele já havia falado sobre as reuniões em outros depoimentos. A reunião com Dilma, segundo ele, ocorreu em 2014, após um pedido do PT de uma doação de R$ 30 milhões ao governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que estava em campanha para o governo estadual.
"Então, eu tava lá na sala dela [Dilma], naquela mesinha redonda, e eu expliquei exatamente essa história que eu contei aqui pro senhor. Contei pra ela. Falei: 'Presidenta, eu vou falar um negócio aqui pra senhora, a senhora não precisa me confirmar nada, mas só pra te falar o que eu, o que o Guido me fala, pra gente estar na mesma página, tinha uma conta de uma conta tal, que tinha US$ 70 milhões, e outra US$ 80 milhões. Diz ele uma ser sua, uma ser do Lula'", narrou.
"'Veio as eleições, a gente já fez 300 e tantos milhões, em tese tá acabando o dinheiro, inclusive eu falei pra ele, eu tô preocupado. [...] Mas eu queria deixar claro, é... E é o seguinte: O Edinho [Silva, ex-tesoureiro do PT] está pedindo mais 30 milhões para o pimentel. E eu queria dizer o seguinte: fazendo esses 30 milhões, aí acabou mesmo o dinheiro, não tem mais nada. Só queria que a senhora ficasse ciente disso, é pra fazer mesmo os 30 milhões?'", disse ter questionado a então presidente.
Segundo Joesley, Dilma deu aval para que o pagamento fosse feito. "Aí, ela falou: 'Não, é pra fazer, precisa fazer'", disse.
No caso de Lula, Joesley disse que o encontro foi um pouco depois, também em 2014. Segundo o empresário, a reunião foi no Instituto Lula, em São Paulo.
Ele disse que contou sobre os depósitos pro ex-presidente e justificou o encontro porque estava "preocupado".
"'A gente vai ser o maior doador de campanha aí disparado. Eu tenho atendido aí o partido, o Guido, todo mundo, tal, tem pedido. Mas enfim já tá em 300 e tantos milhões. O senhor tá consciente aí da exposição que vai dar isso, né, do risco de exposição e tal?'. Enfim, ele se encostou pra trás assim, olhou bem pra mim, e ficou calado. Não falou nada. Mas eu dei meu dever cumprido. Eu falei: 'Olha, não, estou vindo aqui te falar isso só pra você saber disso. Porque eu naquele momento ali, eu entendi que, ele sabendo que tinha sido mais de 300 milhões, amanhã ele não poderia vir me cobrar se aquele dinheiro fosse dele, né?'", narrou.
Versões
A defesa do ex-presidente Lula afirmou que é possível ver que as afirmações de joesley Batista não decorrem de qualquer contato com o ex-presidente, mas de supostos diálogos com terceiros. Disse que os diálogos não foram comprovados e que as delaçoes feitas para obter benefícios judiciais não têm valor de prova. A defesa disse ainda que a vida de Lula e dos familiares já foi devassada pela Operação Lava Jato e que nenhum valor ilícito foi encontrado, nem conta no exterior, porque o ex-presidente Lula não tem nenhuma conta no exterior.
A assessoria da ex-presidente Dilma não retornou o contato da reportagem.
O PT afirmou que as acusações do delator não são verdadeiras e que todas as doações recebidas foram dentro da legalidade e declaradas à Justiça Eleitoral.
A defesa do ex-ministro Guido Mantega disse que Joesley afirmou ter aberto uma conta no nome dele mesmo e movimentando ele mesmo valores. Afirmou que isso não indica prova de qualquer relação desses valores com campanha no Brasil. Disse ainda que o caso só conta com a palavra de Joesley que é, segundo a defesa, "imprestável pra fundamentar uma acusação contra quem quer que seja".
A defesa do governador Fernando Pimentel afirmou que ele desconhece o que classificou de "fantasiosa história", que não aponta como e a quem teria sido entregue valor tão expressivo.
A defesa de Victor Sandri afirmou que o cliente jamais repassou dinheiro para funcionário público ou praticou qualquer ato ilícito. Disse ainda que o empresário se colocou à disposição das autoridades para esclarecimentos.
O BNDES reafirmou que a diretoria e os empregados são os principais interessados na apuração de todas as operações do banco, que coopera com todas as autoridades e que constituiu uma comissão interna para avaliar todas as operações com a JBS.
Fonte: G1