O pedreiro que cumpriu pena por roubo em um presídio de Guarulhos, na Grande São Paulo, não imaginava que voltar para casa se tornaria o maior dos seus pesadelos. Tudo porque a cadeia onde ele ficou era dominada por uma facção rival em relação à que controla o tráfico de drogas na comunidade onde morava.
Ele, que nega ter cometido o crime, havia ficado em uma cela com membros do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC) que faz oposição ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Ter estado com uma quadrilha diferente já é motivo para uma pessoa ser julgado no "tribunal do crime", que é o julgamento feito por criminosos.
Ao G1, o ex-detento contou como sobreviveu a um dos 35 "tribunais do crime" feitos neste ano no estado de São Paulo (veja vídeo acima). Ele foi sequestrado e condenado à morte numa área de mata fechada, ao lado de um cemitério clandestino.
"Quando eu cheguei lá, vi que tinha dois lá já cavando a cova. Foi quando eu fiquei bastante, assim, abalado no psicológico. Aquele momento ali era meu fim. Eu não tinha mais esperança de rever a minha família, os meus filhos", disse ele, que escapou da morte após uma viatura da Polícia Militar (PM) passar perto do local onde estava sendo torturado.
Um dos seus carrascos colocou o cano de revólver na boca do pedreiro, quebrando seus dentes; outro o agrediu com coronhadas do revólver na cabeça; um aterrorizou dizendo que ele "cheirava a morte". Também foi agredido com pauladas no joelho e foi obrigado a caminhar até um terreno baldio.
O sobrevivente disse que seus agressores fugiram ao escutar a sirene da PM. Isso foi em 28 de março deste ano. O G1 também visitou o local onde ele quase foi executado. “Eles continuaram batendo e a cova sendo cavada lá. Foi quando ouvi um grito vindo lá da rua: 'moiou'”, lembrou o pedreiro, que depois foi solto das cordas pelos policiais.
Graças ao reconhecimento que ele fez dos criminosos que o espancaram e tentaram matá-lo, a Polícia Civil prendeu cinco suspeitos por sequestro, cárcere privado, associação criminosa e tortura. "Ele foi salvo", disse o delegado João Alves de Araújo, do 7º Distrito Policial (DP), em Guarulhos, onde o caso foi registrado e investigado.
Mas, com medo, o homem saiu de Guarulhos e se mudou com a família para outro estado.
Fotos tiradas pela polícia mostram na pele do pedreiro as marcas da tortura que sofreu durante seu julgamento no 'tribunal do crime' em Guarulhos (Foto: Reprodução/Polícia Civil)
Guerra de facções
Para Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, o que explica o fato de Guarulhos ter quase a metade das mortes registradas em possíveis "tribunais do crime" no estado se deve ao fato de a cidade ter uma penitenciária com integrantes de uma facção rival ao PCC.
“O fator certamente chave pra compreender isso é que justamente em Guarulhos tem uma das únicas penitenciárias onde uma facção rival ao PCC, que é o CRBC, divide espaço”, disse Camila sobre a Penitenciária José Parada Neto.
Segundo ela, os presos que saírem da cadeia serão sempre questionados em suas comunidades se ficaram com presos do CRBC e PCC.
"Esse preso que estava nessa penitenciária vai sair da prisão e vai retornar pra comunidade. Ao chegar nessa comunidade, ele será identificado que cumpriu pena nessa penitenciária, isso vai gerar consequências", comentou a pesquisadora. "Então esses efeitos, certamente estão relacionados com o número de mortes em Guarulhos e um número maior de tribunais."
Administração Penitenciária
Procurada pelo G1 para tratar do assunto, a assessoria de imprensa da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou, por meio de nota, que a pasta não comenta "declarações", mas trabalha em "parceria" com a polícia e o Ministério Público (MP) no "combate" ao "crime organizado".
Leia abaixo a íntegra da nota da SAP:
"A Secretaria da Administração Penitenciária não faz comentários sobre declarações de pessoas.
Contudo, ressaltamos que a Pasta combate diuturnamente o crime organizado em parceria com a inteligência das Policias e com os GAECOs do Ministério Público.
Consignamos, mais, que enquanto alguns Estados tiveram problemas graves no início deste ano, com rebeliões e decapitações, o sistema penitenciário paulista não registrou nenhum incidente dessa proporção."
Fonte: G1
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