Por mais de dezoito anos o professor de inglês Sérgio Viula, hoje com 48, lutou contra a sua homossexualidade e por muito tempo acreditou ter uma doença ou estar cometendo um pecado. Pastor de uma igreja evangélica, fundou em 1997 junto com mais dois colegas a ONG Movimento Sexualidade Sadia (Moses), que tinha como principal objetivo acolher, tratar e curar gays e lésbicas que buscassem apoio na organização.
Viula era casado e pai de dois filhos – dono de uma família perfeita aos olhos da igreja e dos fiéis. Como pastor e conselheiro, viajava pelo Brasil pregando a cura da homossexualidade, dava palestras, recebia em seu gabinete centenas de gays desesperados em busca de ajuda e prometia curá-los do que ele acreditava ser uma maldição.
Para atrair homossexuais ao Moses, o pastor e outros membros da ONG faziam panfletagem em paradas gay, em portas de boates LGBT e dentro de igrejas evangélicas onde sabiam que havia a presença de gays em sofrimento. “Éramos uma rede social sem Facebook. Em cada palestra que ministrávamos, milhares de pessoas eram alcançadas. Íamos jogando a semente de que havia cura para aquilo”, lembra.
Ao buscarem ajuda na ONG, as pessoas recebiam um livro chamado Deixando o Homossexualismo. Era a leitura de cabeceira, obrigatória para todos. Depois, passavam pelo que Viula chama de “lavagem cerebral”, sendo o primeiro passo se livrar de memórias do passado, como fotos, roupas, presentes ou objetos que trouxessem lembranças da época em que a pessoa teve uma relação homossexual. O segundo passo era fazer com que os gays participassem de orações prolongadas, jejuns, retiros espirituais e várias atividades de doutrinamento. “As pessoas iam em busca de transformação e nosso objetivo era transformá-las”, conta.
O que ninguém sabia, no entanto, era que um dos líderes do Moses e garoto-propaganda da ONG, o jovem que dava palestras dizendo ser ex-gay e que estava noivo de uma mulher, nunca se casou com ela. Outros rapazes que davam testemunhos para a plateia afirmando estar curados, por trás das cortinas corriam ao gabinete de Viula para chorar e dizer que tiveram, sim, recaídas. A plateia também não fazia ideia de que Viula era um gay não assumido e que, nos bastidores das palestras, o desejo por outros homens continuava latente, mesmo ele sendo casado com uma mulher.
“Chegou um dia em que uma das fundadoras do Moses me perguntou se estávamos no caminho certo, pois não víamos resultados. Nós mantínhamos o discurso de que Deus curava e não víamos um testemunho realmente verdadeiro. O que eu via dentro do grupo criado para curar a sexualidade eram pessoas se envolvendo entre si”, afirma o ex-pastor.
Viula ainda tentou por muito tempo se enquadrar como heterossexual. Nascido em uma família tradicional de origem portuguesa e católica fervorosa, cresceu ouvindo que ser gay era pecado. Tornou-se evangélico aos 16 anos, fez teologia, foi missionário e virou pastor. Ele conta que não aceitava a sua condição de ser um homem homossexual. “Eu mesmo me reprimia, escondia os meus desejos, tinha medo”, diz. Viula relata que fundou o Moses buscando uma libertação, passou por atendimentos psicológicos, fez hipnose, até conhecer um psiquiatra que lhe explicou que não havia cura para o problema dele.
“Ele me disse: não existe um comprimido para o que você quer porque você não tem uma doença. Que a minha questão não era de psiquiatria, era de psicanálise e que eu precisava de aceitação”, conta.
Mesmo sabendo que era homossexual, Viula só decidiu se assumir verdadeiramente e abandonar o grupo e o ministério depois de uma viagem a Singapura, em 2000, pela igreja. Lá conheceu um homem com quem se envolveu e, naquele momento, a chave virou.
“Foi ali que eu percebi que vivia me reprimindo, vivia uma vida teatral. Nada daquilo era verdade. Só orar e jejuar não estava adiantando. Quando eu saí do armário definitivamente, dois anos depois dessa viagem, foi um choque. Eu era um pastor dedicado, tinha uma família linda, dois filhos maravilhosos. As pessoas não acreditavam”, conta.
Viula se separou da esposa, contou pessoalmente aos filhos que era gay e se surpreendeu com a reação positiva deles. Com os pais foi um pouco mais difícil, por serem mais conservadores, mas hoje eles aceitam e respeitam. Nesses catorze anos de libertação, Viula teve um relacionamento que durou sete anos e agora está em outro relacionamento há um ano e nove meses. Ele se sente completo e realizado. “Não me arrependi um dia sequer de ter me assumido gay. Sou absolutamente feliz ao lado do meu companheiro e da minha família. Cura gay definitivamente não existe”, afirma.
Fonte: Revista Veja
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