Foi preso nesta quarta-feira (30), em Natal, o desembargador aposentado Francisco Barros Dias, que atuou no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife. A Polícia Federal cumpriu dois mandatos de prisão abertos contra ele, por meio da Operação Alcmeon, deflagrada no início da manhã. A ação, em conjunto com o Ministério Público Federal, visa desarticular um grupo que explorava a compra e venda de votos e sentenças junto a uma turma do TRF.
Oito mandados de condução coercitiva - quando a pessoa é levada para depor - e 13 mandados de busca e apreensão também foram cumpridos em Natal, Mossoró e Recife.
O desembargador está detido no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, no bairro Tirol, Zona Leste de Natal. A defesa do desembargador afirmou que não vai se pronunciar até ter acesso à denúncia. O G1 procurou os demais investigados, mas ainda não conseguiu contato com eles.
Por meio de nota, a presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) informa que "não tem conhecimento de qualquer irregularidade praticada no seu âmbito, ressaltando que sempre usufruiu de elevado conceito no meio jurídico brasileiro, tanto por sua seriedade quanto pela celeridade da prestação jurisdicional".
Segundo a PF, o grupo agiu, inclusive, em processos relacionados à Operação Lava Jato, porém detalhes não foram repassados sobre isso. Em entrevista coletiva, os investigadores afirmaram que vinham apurando o caso há dois anos. O esquema existia pelo menos desde 2012.
Os crimes foram descobertos, entre outras razões, por meio da delação de Rychardson de Macedo Bernardo, ex-diretor do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), preso pela Operação Pecado Capital. Políticos também teriam se beneficiado pelo esquema.
Em um primeiro momento, Rychardson procurou os advogados Francisco Welligton da Silva e Ademar Rigueira para comprar os votos no TRF. Segundo os procuradores, ele pagou R$ 250 mil através dos advogados para conseguir um habeas corpus, tendo sido liberado pelo desembargador Francisco Barros Dias.
Um dos mandados foi cumprido em um escritório de advocacia em Natal (Foto: Ítalo Di Lucena/Inter TV Cabugi)
O réu ainda pagou outros R$ 150 mil, em outro momento, para ter bens desbloqueados pelo desembargador Paulo Gadelha, falecido em 2013.
As provas foram colhidas através da quebra do sigilos bancários e telefônicos, além de gravações ambientais.
De acordo com a PF e o MPF, não há provas do envolvimento de outros desembargadores. Ainda segundo os investigadores, Francisco Barros continuou agindo na compra e venda de decisões mesmo após se aposentar. Ele passou a atuar como advogado antes da conclusão do prazo de três anos - conhecido como quarentena - exigido aos magistrados que voltam a advogar depois de deixar a toga.
O desembargador oferecia vantagens a possíveis clientes, com o conhecimento que tinha no TRF. Os procuradores não sabem informar quantas pessoas teriam se beneficiado do esquema.
Operação Alcmeon também cumpriu mandados em Mossoró (Foto: Oscar Xavier/Inter TV Costa Branca)
Alcmeon
O nome da operação faz referência ao personagem da mitologia grega relacionado à traição e quebra de confiança.
Segundo os investigadores, a organização teria atuado perante a Justiça em casos de operações policiais, apelações criminais, ações rescisórias e revisão criminal. Os principais clientes eram políticos.
Em Recife foi cumprido um mandado de condução coercitiva de um servidor público estadual, de 58 anos. O servidor prestou esclarecimentos à PF e foi indiciado pelo crime de corrupção ativa. Ele foi liberado e responderá ao inquérito em liberdade.
Fariam parte do grupo advogados e um desembargador aposentado, que negociariam votos em sentenças criminais para a libertação de presos ou liberação de bens apreendidos em ações penais. Em um caso específico, a pena de um ex-prefeito, que era de 28 anos de reclusão foi reduzida para dois anos e oito meses, e substituída por restritiva de direito.
O esquema criminoso foi desvendado por meio de acordo de colaboração premiada em que um empresário relatou pelo menos duas situações em que teria obtido os benefícios do grupo depois de ter sua prisão decretada e seus bens apreendidos durante uma operação policial deflagrada no estado. O grupo cobraria em média R$ 350 mil pelo serviço, sempre de forma antecipada. Em determinado momento, um dos advogados ligado à organização criminosa teria retido os documentos de veículos de um dos delatores como forma de garantir o pagamento futuro da propina.
Operação Alcmeon também cumpriu mandados em Mossoró (Foto: Oscar Xavier/Inter TV Costa Branca)
O esquema
Os mandados foram expedidos pela 2ª e 14ª varas federais do Rio Grande do Norte e se referem a dois inquéritos distintos.
O primeiro caso trata da possível compra e venda de votos de desembargadores federais (um falecido e outro aposentado) do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), localizado em Recife, para análise de um habeas corpus e de um mandado de segurança julgados pelo tribunal no ano de 2012, no âmbito da Operação Pecado Capital.
As negociações ilícitas envolvendo os dois desembargadores federais teriam contado com a intermediação de advogados e de um assessor, com repasses de valores de forma oculta e dissimulada, mediante uso de dinheiro em espécie e transferências bancárias envolvendo terceiros.
O segundo inquérito trata de uma possível “exploração de prestígio” por parte do desembargador aposentado, perante o mesmo TRF5, entre os anos de 2015 e 2017. O desembargador aposentado teria solicitado e recebido valores a pretexto de influir em outros magistrados até mesmo em casos nos quais ele próprio havia atuado como julgador, como na Operação Pecado Capital e na Operação Salt - que apura esquema de sonegação fiscal de grupo empresarial de Mossoró.
O nome da operação faz referência a um personagem da mitologia grega e está relacionado à traição e quebra de confiança.
Investigações
As investigações se desenvolveram em um trabalho conjunto do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Receita Federal, contando com informações fornecidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), pela Justiça Federal e pelo TRF5. As diligências realizadas até o momento envolveram colaborações premiadas, gravações ambientais, interceptações telefônicas, afastamento de sigilo de dados fiscais, bancários, telefônicos e telemáticos, além da obtenção de documentos e colheita de depoimentos.
Os crimes investigados são os de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), exploração de prestígio (art. 357 do Código Penal), falsidade ideológica de documentos particulares e uso de documentos particulares ideologicamente falsos (arts. 299 e 304 do Código Penal), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998) e associação criminosa (art. 288 do Código Penal).
Fonte: G1
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