Mais do que um adeus ao Botafogo, a rescisão de contrato significou também a despedida de Montillo do futebol. Aos 33 anos, o meia argentino - principal contratação alvinegra para a temporada - oficializou sua aposentadoria nesta quinta-feira, em coletiva de imprensa no Nilton Santos.
Estádio do clube que o acolheu, mas que o destino quis que defendesse apenas 18 vezes e marcasse somente um gol, justamente em sua estreia, em amistoso, contra o Rio Branco-ES. Estreia promissora, que se transformou em frustração devido às seguidas lesões.
- Foi uma passagem muito rápida aqui no Botafogo, mas fui muito feliz. Vocês me ajudaram muito nessas coisas que estão acontecendo. Eu me machuquei cinco vezes seguidas, nunca tinha acontecido. Infelizmente, meu corpo começou a avisar que eu não ia ficar 100%. Tentei. Nessa última vez fiquei dois meses treinando. Fiz tudo para voltar e tentar ajudar. Não consegui. A genética não deixou eu fazer o que eu mais gosto. Sempre falei para minha esposa: “Eu vou jogar até o momento em que eu consiga dar meu máximo”. Esse momento foi agora - disse, com os olhos marejados.
Acompanhado da esposa Melina Ianazzo e dos filhos Valentin (9 anos) e Santino (5), que tanto lhe deram forças durante o difícil período, Montillo agradeceu ao Alvinengro e não conteve as lágrimas. Ao fim, foi aplaudido por todos os presentes na coletiva.
- Foram 15 anos muito bons para eu continuar uma coisa que sei que não vai dar certo. Prefiro ficar com as coisas boas que consegui no futebol, as amizades. E a melhor lembrança que fica é dos companheiros, que nos piores momentos sempre me ajudaram com uma palavra, com um sorriso. Nunca fui egoísta, mas nesse momento vou ser. Tirar esse peso das costas. Agradeço a todos pela compreensão. Sou um cara que sempre quis o melhor para mim e para minha família. E nesse momento, o melhor é parar.
Montillo admitiu que a lesão logo nos primeiros minutos da partida contra o Avaí, após dois meses de preparação para o retorno aos gramados foi a gota d'água para decidir encerrar a carreira:
- Não tenho o perfil de ficar numa maca tentando fazer uma coisa que não ia dar certo. Para o clube, e também para mim, a decisão é correta. Não vou ficar aqui cobrando um salário e esperando para ver se eu consigo jogar. Sei que não ia dar certo. Não posso treinar mais do que treinei nesses dois meses. Fiz tudo certinho e não deu certo. Chegou o momento de parar, deixar os meninos que estão vindo jogar - disse.
503 jogos, 88 gols e cinco títulos
No Brasil, Walter Montillo atuou por Botafogo, e teve passagens marcantes por Santos e, principalmente, Cruzeiro. Também passou por Shangong Luneng (China), Universidad de Chile (Chile), Morelia (México) e San Lorenzo (Argentina), time onde começou em 2002. Ao todo, entrou em campo 503 vezes, marcou 88 gols e deu 116 assistências, sua especialidade.
Em 15 anos de carreira, levantou cinco taças: Copa Sul-Americana (San Lorenzo, 2002), Torneio Apertura (Universidad de Chile, 2009), Campeonato Mineiro (Cruzeiro, 2011), Copa da China e Supercopa da China (Shandong Luneng, 2014 e 2015).
Números que o próprio argentino anotava em seu computador após cada jogo. E que a partir de agora não serão mais alterados.
Confira outras declarações de Montillo na coletiva:
"Vergonha", "soco" e "morte lenta"
Fiquei com vergonha. Mas não quero ter vergonha. Consegui muita coisa na minha carreira, além do futebol. Mas senti vergonha que nunca tinha sentido. Posso jogar mal ou bem, mas não assim. Ninguém quer machucar. Sei que criei uma expectativa muito grande. Foi o último soco que tomei. Não vou alimentar uma morte lenta. Pronto, acabou. O jogador de futebol morreu. Que apareçam muitos mais Montillo.
Sequência de lesões foi um basta: "Tentei, mas não deu"
Não foi vaidade ou sacanagem. Eu tentei. Mas não deu. Peço desculpas pode não ter correspondido à expectativa dos torcedores. Fiz de tudo para voltar, mas com 3 minutos senti de novo. Nunca fiquei numa maca esperando algo acontecer. Sempre foi trabalhando e jogando bola. Dessa vez, cinco lesões em seis meses. Não é meu perfil. Meu perfil é estar em campo. Tenho que me reinventar e fazer outa coisa. Isso me fez dizer chega. Mais do que isso eu não posso fazer.
Tristeza por não poder ajudar mais o Botafogo
Fico muito triste porque o Botafogo acreditou muito em mim. Eu acreditei no Botafogo. Não é desculpa para ninguém. Acontece, já era. Outra coisa vem pela frente. Fui muito feliz na minha vida toda. Mas nesse momento eu estava sofrendo muito. O Botafogo não merece isso.
O torcedor queria ver o Montillo bem, ajudando, jogando bem. Eu não conseguia. Ajudei no começo contra o Colo-Colo, mas não consegui ajudar do jeito que eu queria. Queria agradecer aos torcedores. Mesmo sem jogar bem, ele me respeita. E isso é algo que não se compra.
No momento que não sou útil, não dá mais. Esse momento foi agora. Feliz pela decisão que tomo e triste por não jogar no Botafogo o que não joguei na carreira. O clube acreditou em mim. E eu achei que fosse conseguir coisas importantes no clube. Não consegui dentro de campo. Mas fora consegui passar para os meninos um profissionalismo que vou levar para a vida toda.
Já falei ao Botafogo que estou à disposição. Vou ficar no Rio. Não como jogador, mas de alguma outra forma.
Última tentativa
Não posso treinar mais do que treinei nesses 2 meses. Fiz três períodos (de treinos) por dia. Chegou o momento de parar e dar chance aos meninos que estão começando. Meus companheiros sempre me ajudaram com sorriso e palavras.
Em abril, tive uma conversa com Jair. Pensamos que podia ser a mudança da China para o Brasil, muito jogos. Resolvemos fazer uma preparação diferente. Fizemos um trabalho certinho, de força. Voltei após 3 meses e joguei dois minutos. Vi que tinha algo estranho. Fiz tudo o que tinha que fazer, mas no jogo joguei só 3 minutos. Deu. O Jair não concorda com a decisão. Mas falei para ele que mais posso fazer? O corpo avisa.
Ajuda do Botafogo
Me falaram que eu podia ficar à vontade treinando, mas expliquei que fiquei treinando. Eu não podia mudar nada do que fiz. São 15 anos como jogador profissional. Entendo como se trabalha. Eu fiz a pré-temporada certinha. Prefiro sair. Até agora estava com cabeça para ajudar o time. Depois do último jogo, não. Não preciso disso. Tem jogadores que são muito fortes e conseguem ir além. Eu não consigo.
Quando pediu para não receber salários
Prefiro guardar as coisas boas que fiz, conquistei, os amigos... E não com a imagem de um cara que não consegue jogar. No momento em que falei que não queria mais receber o salário, estava com a cabeça boa para treinar. O Botafogo não aceitou. Agradeço. Mas dessa vez fiquei sem força. Vi minha família sofrer muito..
Peso da família na decisão
Eu como homem da casa preciso estar com a cabeça boa. Ou a família começa a cair aos poucos. Senti que chegava em casa em todos estavam sofrendo muito. O primeiro que sofria era eu. Outro dia cheguei e os 4 começaram a chorar. Eu disse “deu”. O futebol te leva a ficar muito longe da família.
Filho com síndrome de Down
Fiquei muito tempo fora de casa, foram 3 anos difíceis na China. Todos sabem que meu filho tem Síndrome de Down. Eles precisam de mim. Mas a maior causa não foi eles. Se eu tivesse condições de jogar, eu continuaria.
Meu filho Santino precisa de muito tempo. Agora vou ter um tempo para dedicar a ele. Ele precisa ser acompanhado no dia a dia. Minha esposa sempre o levava para todos os lugares. Agora vou ser um pouquinho pai. Vamos dividir. No início o descanso vai ser bom, mas depois vai ser difícil. Vou estudar algo que queria fazer. A vida continua. Ninguém morreu porque deixou de jogar futebol
Família era contra adeus ao futebol
Minha família não aceitou. Ninguém aceitou. Só um amigo argentino que aceitou. Ele sabia o que eu estava sofrendo. Ele é ex-jogador e sofreu a mesma coisa. É muito difícil entrar no corpo e passar pelo que passei. Minha esposa sabia o que estava sofrendo. Mas falaria a mesma coisa para um amigo. Mas nesse momento fui egoísta. Minha vida toda pensai no melhor para todo mundo
Planos para a aposentadoria
Eu pensava em jogar um pouco mais. A decisão veio rápido. Mas sempre tive a cabeça boa. Na primeira semana vou descansar, curtir a família. Tenho um projeto com meu empresário. Mas não gosto de fazer as coisas apressadamente. Se quero ser treinador, tenho que estudar e me preparar.
Minha vida toda fui jogador. Não sei fazer outra coisa. Estou preparado para começar a estudar o que vou fazer. Vou descansar um ou dois meses. Tomei a decisão mais importante da minha vida. Não sei ainda se vou trabalhar com futebol. Preciso de um tempo para me preparar. No futuro a gente vê”
Vez dos mais novos
Não sou mais jogador do Botafogo. É a última vez que chego a um estádio para uma coletiva. Passo a ser um ex-jogador. Não quero tirar o lugar dos mais novos. O protagonista é quem entra em campo. Os protagonistas estarão em campo nessa noite. Com certeza vou assistir em caso hoje à noite. É claro que isso aqui é notícia, mas não quero tirar o foco do Botafogo, que tem um mês muito importante.
Choro do segurança
Quando encontrei o segurança hoje na porta, ele começou a chorar. Não falava muito com ele. Isso me deixa feliz. Esse carinho que deixo como jogador de futebol. O carinho é pelo dia a dia. Me mostrei como sou, com os pés no chão. Sou igual a todos. Respeito todo mundo. Isso me deixei muito feliz. Sair pela porta grande. Entrei e vou sair assim. Vou chorar de novo. Mas faz parte
Fonte: Globo Esporte
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