Os ossos encontrados no dia 11 deste mês durante a execução de obras próximo ao pavilhão 2 de Alcaçuz são humanos. A confirmação é do Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (Itep). Contudo, há uma ressalva. Pelo estado de conservação dos restos mortais, não é possível afirmar se a pessoa morreu antes, durante ou mesmo depois do massacre ocorrido em janeiro.
“Analisamos 38 fragmentos ósseos. Destes, podemos afirmar que 35 são humanos, sendo 20 fragmentos de vértebras e 15 de costelas. Os outros três fragmentos são de ossos de alguma espécie animal”, revelou com exclusividade ao G1 o perito odontolegista Fernando de Souza Marinho, que assina o laudo.
Ainda de acordo com o perito, neste primeiro momento também não é possível determinar o sexo da pessoa morta nem mesmo se os ossos pertencem a uma única vítima. “A única coisa que podemos afirmar agora, de fato, é que os fragmentos encontrados são humanos. Podem pertencer a mais de uma pessoa? Podem. Teremos que fazer testes de DNA em todos os pedaços e cruzar as análises para compararmos o resultado. Só assim poderemos dizer se os fragmentos são de uma única pessoa ou, quem sabe, se em meio aos ossos existe algum que venha a fazer parte de uma segunda ou mais vítimas”, ressaltou Marinho.
O perito informou também que o laudo sobre os ossos encontrados no dia 11 ficou pronto no dia seguinte à descoberta, e que a documentação já foi encaminhada para a Delegacia de Polícia Civil de Nísia Floresta, responsável pela investigação do caso. Alcaçuz fica em Nísia Floresta, cidade da Grande Natal.
DNA
Em contato com o G1, o delegado Eloi Xavier, titular da DP de Nísia Floresta, disse que ainda não tomou conhecimento do laudo, mas adiantou que as pessoas que buscam por familiares considerados ‘presos desaparecidos’ devem procurar o Itep para solicitar o exame de DNA. “Não é necessário passar pela delegacia antes. Pode ir direto ao Itep”, afirmou.
Corpos sem identificação
O chamado 'Massacre de Alcaçuz' é o episódio mais violento da história do sistema prisional potiguar. Aconteceu no dia 14 de janeiro, quando presos do Presídio Rogério Coutinho Madruga, mais conhecido como Pavilhão 5, invadiram o pavilhão 4 de Alcaçuz. Uma cerca de arame farpado e a parede de uma quadra separavam as duas unidades. Após a invasão, pelo menos 26 detentos foram brutalmente assassinados. Muitas das vítimas tiveram as cabeças arrancadas e os corpos esquartejados. Alguns corpos também foram totalmente queimados.
Passados pouco mais de quatro meses da matança em Alcaçuz, 4 dos 26 corpos recolhidos pelo Itep ainda não foram identificados. Destes, três estão carbonizados. O quarto cadáver, não identificado pela falta de familiares para o devido reconhecimento, foi enterrado como indigente após ter o material genético recolhido.
Ao todo, segundo o próprio Itep, 12 cabeças e outros membros ainda aguardam exames de DNA. Sem a devida comprovação genética, as partes não podem ser entregues para sepultamento.
Marcos Brandão, diretor-geral do Itep, explica que a demora na realização dos exames se deve pela falta de um laboratório de DNA. “A gente utiliza o laboratório da Bahia para os exames de DNA, porque a Bahia tem a maior estrutura laboratorial do Nordeste”, disse.
Brandão disse ainda que o envio das amostras de DNA para análise estava programado para o início deste mês, mas será adiado por causa de dificuldades de encaixe na agenda do IML da Bahia. “Houve algumas demandas administrativas deles, então não pudemos ir para lá esse mês. Provavelmente as equipes vão em junho”, ressaltou.
Ainda segundo Brandão, as amostras devem levar cerca de 20 dias para ser analisadas quando chegarem ao laboratório.
Um laboratório que faça exames de DNA deve ser construído em breve no Rio Grande do Norte. "Já há um projeto para a construção da estrutura, e o edital de licitação será publicado no dia 15. Os recursos estão totalmente assegurados, vão ser recursos próprios do Itep, que a gente já empenhou, ou seja, não vai haver problema de pagamento”, afirmou.
"Os 22 corpos liberados para enterro foram identificados através de exames de papiloscopia, que é comparação das impressões digitais. As tatuagens das vítimas também ajudaram em algumas identificações, acrescentou o perito Fernando Marinho.
Presos desaparecidos
Um relatório elaborado em março e concluído em abril pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) – órgão da União independente, mas que funciona em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos – aponta que o número de mortos no massacre de Alcaçuz pode chegar a 90. É que dados coletados pelos peritos que elaboraram o documento revelam que 71 detentos da unidade estão 'desaparecidos'.
Contudo, no dia seguinte à divulgação do relatório do MNPCT, a Secretaria de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte (Sejuc) divulgou nota na qual afirma que, dos tais 71 presos desaparecidos, 60 haviam sido localizados. Já os demais, ou seja, 11 detentos, ainda permanecem 'desaparecidos'. “Vamos apurar direitinho para poder dar uma reposta à sociedade”, afirmou o secretário Luiz Mauro Albuquerque.
Silêncio total
Em meio aos 11 presos que ainda são considerados 'desaparecidos', está Guilherme Ely Figueiredo da Silva, de 37 anos, filho de Francisco Luiz da Silva. “Silêncio total, nos ignoram totalmente. A gente chega e é o pessoal dando as costas", lamenta o pai.
A família já pediu informações ao Itep, à Secretaria de Justiça e da Cidadania (Sejuc) e à diretoria de Alcaçuz, mas continua sem notícias de Guilherme. “Eles dizem que aguarde um ano que vão descobrir corpos que tinham sido enterrados lá em Alcaçuz”, relata seu Francisco.
Fonte: G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!