Repasses de altas quantias em espécie, remédios controlados e nervos à flor da pele. É assim que Gutson Johnson Giovany Reinaldo Bezerra, ex-diretor administrativo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), relata em delação premiada como convivia e como se sentia ao ter que repassar, em mãos, vultosas quantias em dinheiro vivo ao deputado Ricardo Motta (PSB) durante o período de setembro de 2011 até o final de 2014.
A delação consta em denúncia oferecia à Justiça pelo Ministério Público no dia 15 deste mês, na qual o Procurador-Geral de Justiça, Rinaldo Reis Lima, pede a condenação do deputado Ricardo Motta por peculato, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa. Clique AQUI e veja a denúncia completa.
O advogado Thiago Cortez, que defende o deputado, afirmou que "a defesa técnica só vai se pronunciar após ter acesso não só à denúncia mas também às provas e de antemão nega qualquer fato que possa incriminar o deputado Ricardo Motta".
Ex-diretor do Idema, Gutson Reinaldo é apontado pelo MP como líder do esquema descoberto no Idema (Foto: Magnus Nascimento/Tribuna do Norte)
R$ 19 milhões
Na época em que ocorreram os desvios, o parlamentar presidia a Assembleia Legislativa. O montante, ainda segundo o próprio Gutson, chegou a R$ 19 milhões no período da presidência de Ricardo Motta. No entanto, investigações do Tribunal de Contas do Estado apontam que aproximadamente R$ 35 milhões foram desviados. A diferença retirada ilegalmente dos cofres do órgão teria sido feita por deputados que antecederam Motta no comando da Casa até janeiro de 2015.
A relação de Gutson com Ricardo Motta começou ainda no governo de Rosalba Ciarlini, em 2011. Em um trecho da delação, Gutson conta que participou de uma reunião na casa do deputado, ocasião em que lhe foi proposto o cargo de diretor geral do Idema. Gutson afirma que recusou a oferta, pois não teria conhecimento técnico suficiente para a missão. O deputado, então, teria sugerido que ele seguisse na função de diretor administrativo do órgão como forma de atender interesses particulares do próprio Motta.
Mais adiante, Gutson também relata o marido de Rosalba, o ex-deputado Carlos Augusto Rosado, teria dado ‘sinal verde’ para que ele, Gutson, permanecesse na função administrativa do Idema desde que atendendo aos interesses de Ricardo Motta, então presidente da Assembleia.
'Lexotan'
Em seu depoimento em juízo, Gutson afirmou ao Ministério Público que se sentia muito pressionado por Ricardo Motta, especialmente por telefone. Isso acontecia, segundo o ex-diretor do Idema, porque o deputado se valia deste meio para “cobrar o repasse de mais e mais recursos em seu benefício”.
Segue trecho da delação:
Advogado: No período da eleição municipal de 2012, esse esquema foi incrementado? Houve um aumento do número de ofícios?
Gutson: Houve sim.
Advogado: E a que o senhor atribui isso?
Gutson: Aí eu não sei. Ele alegava que era despesas de campanha, compromissos políticos que iam ser assumidos e não tinha mais como fazer pelo outro órgão e tinha que ser feito.
Advogado: O senhor se sentia pressionado?
Gutson: Muito, muito. Teve dia de eu tomar 2, 3 Lexotan. Já chegou uma vez de eu dar um valor x e no outro dia ele já queria que eu desse mais dinheiro. Entendeu. Pressionava que a gente cedesse os carros do IDEMA pra ele usar no trabalho dele lá, pra política.
Advogado: E o senhor Edivanilson, Nilson. Quem é Nilson?
Gutson: Nilson é... Quando eu entrei no Idema, cada diretor tem direito a um motorista, foi o meu motorista durante 4 anos, durante o tempo que eu passei lá ele ficou comigo. 4 anos e pouco, 3…
Advogado: ... e ele acompanhava essas suas agonias, ansiedades?
Gutson: Tudo.
Advogado: E ele chegou a ver o senhor saindo do seu carro com o dinheiro pra entregar e voltando sem o dinheiro?
Gutson: Muitas vezes. Muitas vezes.
'Rivotril'
Quem também colabora com a delação de Gutson, é o motorista a quem Gutson se refere na passagem acima. No caso, Edivanilson Morais da Silva. Ao Ministério Público, o motorista confirma que levou Gutson, em diversas ocasiões, para encontros com Ricardo Motta – e que Gutson sempre falava que se sentia pressionado pelo deputado para arranjar dinheiro.
Segue trecho do depoimento:
Promotor: Alguma vez que o senhor foi com Gutson para entregar esses envelopes, em algum momento Gutson chegou a dizer ou o senhor chegou a ver que tinha no envelope dinheiro?
Edivanilson: Assim, como eu já falei em outra conversa aqui, eu nunca cheguei a ver. O que eu tô falando aqui era o que eu via e o que eu ouvia, baseado no dia a dia que eu tinha com ele. Muitas vezes ele dizia… Pronto. Ele já chegou a dizer pra mim uma conversa que queria sair de lá, que não precisava está passando por isso. Porque tinha que arranjar dinheiro de todo jeito. Entendeu. Isso era o que ele me falava.
Promotor: Certo. Que tinha que arranjar dinheiro de todo jeito para quem?
Edivanilson: Para o deputado.
Promotor: Para o deputado Ricardo.
Edivanilson: Ele, as vezes, pronto. Segundo ele, ele ligava na segunda-feira, eles tinham um encontro. Ai, as vezes, quando era quinta-feira ele ligava de novo para se encontrar de novo. Ai ele ficava assim... como era só eu e ele dentro do carro. 'O que é que eu vou fazer?', 'Qual é a mágica que eu vou fazer?'. Eu já me encontrei na segunda-feira. O que é que eu vou fazer de novo na quinta-feira?
Promotor: Como quem, já dei dinheiro na segunda. O que é que vou fazer? Entendi. Então, ele choramingava para você esse tipo de coisa no carro.
Edivanilson: E no remédio controlado direto.
Promotor: Ele tomava remédio controlado?
Edivanilson: Rivotril.
Promotor: Essa ansiedade dele aumentava muito no período eleitoral?
Edivanilson: Aumentava. Eu não sei se coincide com a data, mas ele teve umas consultas que eu levei ele para fazer na Cardioclínica. Se eu não me engano, foi na época de campanha porque a pressão dele tava dando pico.
'Enlouquecendo por dinheiro'
Outra pessoa que também colaborou em depoimento, foi uma das recepcionistas de um anexo da Assembleia Legislativa, chamada Ana Paula Macedo de Moura. Ela relata que viu, algumas vezes, Gutson ir ao encontro de Ricardo Motta. Em uma dessas ocasiões, inclusive, a servidora declarou ter ouvido Gutson dizer: “O deputado tá me enlouquecendo por dinheiro”.
Segue trecho do depoimento da servidora:
Advogado de Ana Paula: Se você presenciou algum diálogo, sem ser na sala que você disse que não ficava dentro da sala?
Ana Paula: Ah, esqueci. Uma vez, Gutson ele conversava comigo às vezes assim: 'Ei, Ana Paula, tudo bom?', porque ele sabia que eu trabalhava na Assembleia com a mãe dele e tal. E num desses encontros, ele ia saindo e, ele é muito, muito meio sem ética. Fala demais, desbocado. E ele soltou quando ia saindo: 'Ai o deputado tá me enlouquecendo por dinheiro'. Soltou essa assim.
Promotor: O deputado ao qual se referia era o deputado Ricardo Motta?
Ana Paula: Ele tinha acabado de sair da sala dele e disse que estava estressado com isso.
Gutson Reinaldo em depoimento à Justiça (Foto: Fred Carvalho/G1)
Organização criminosa
De acordo com o Ministério Público, investigações realizadas pela Procuradoria-Geral de Justiça a partir de desdobramentos da operação Candeeiro - deflagrada em 2015 - revelaram que o deputado era o chefe de uma organização criminosa que desviava recursos do Idema.
A organização, ainda segundo o MP, era integrada também por Gutson Reinaldo Bezerra, então diretor administrativo do Idema, Clebson José Bezerril, que chefiava a Unidade Instrumental de Finanças e Contabilidade (UIFC) da autarquia, João Eduardo de Oliveira Soares, Euclides Paulino de Macedo e Antônio Tavares Neto.
No curso das investigações, a Procuradoria-Geral de Justiça realizou acordo de colaboração premiada com Gutson Reinaldo e Vilma Rejane Maciel de Sousa, que esclareceram todo o funcionamento do esquema de desvio de recursos do Idema. Segundo eles, o deputado Ricardo Motta era o principal beneficiário do esquema.
Na denúncia, o MP afirma que as versões dos delatores estão "amplamente corroboradas nas evidências probatórias reunidas e que dão amparo à acusação formalizada ao Tribunal de Justiça potiguar".
Candeeiro
Cinco pessoas foram presas na operação Candeeiro, deflagrada pelo Ministério Público Estadual em 2 de setembro de 2015. Um deles foi Gutson Reinaldo, filho da ex-procuradora-geral da Assembleia Legislativa do RN, Rita das Mercês. Segundo o MP, Gutson era o principal responsável pelo esquema. Já houve condenações em primeira instância sobre esse caso.
Os demais presos da operação Candeeiro foram Clebson Bezerril, João Eduardo de Oliveira Soares, Renato Bezerra de Medeiros e Antônio Tavares Neto.
O ex-diretor financeiro do Idema Clebson José Bezerril - que firmou acordo de delação premiada com o Ministério Público Estadual - foi condenado por peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa e terá que restituir R$ 4.510.136,63 aos cofres públicos. A pena dele seria de 15 anos e 9 meses de reclusão, mas, por causa da delação, a pena foi reduzida para 9 anos e 5 meses de reclusão em regime fechado.
De acordo com o Ministério Público, o dinheiro desviado do Idema foi usado para comprar apartamentos de luxo, construir uma academia de alto padrão e reformar a loja de uma equipadora de veículos, entre outras coisas.
Fonte: G1
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