“Estou na UTI, ainda muito mal, com um pulmão perfurado e costelas quebradas. O projétil passou raspando na coluna vertebral. Escapei de morrer e por pouco não fiquei tetraplégico”. O relato é do próprio paciente. No caso, o promotor público Wendell Beetoven Ribeiro Agra, que falou com exclusividade ao G1 por meio do WhatsApp. Beetoven foi baleado nas costas durante um atentado ocorrido na última sexta-feira (24) dentro da sede do Ministério Público do Rio Grande do Norte, em Natal. O procurador-geral adjunto de Justiça Jovino Pereira Sobrinho também foi atingido. Ambos passaram por cirurgias e se recuperam dos tiros que levaram.
O atirador está preso. É o servidor público Guilherme Wanderley Lopes da Silva, de 44 anos, que se apresentou à polícia no sábado (25). Exonerado do cargo comissionado, ele trabalhava no MP há 20 anos.
Crime premeditado
Em uma carta escrita antes do crime, ele admite a intenção de matar. E, segundo o próprio servidor, Jovino e Wendell não eram os únicos alvos. O procurador-geral Rinaldo Reis também deveria ser eliminado. O primeiro disparo, inclusive, foi contra Rinaldo, mas Guilherme errou o tiro. "Terrorismo se combate com fogo", escreveu o servidor. "Alguém precisava fazer algo efetivo e dar uma resposta a esse genuíno crime organizado", argumentou.
O advogado Jonas Antunes, que defende Guilherme, quer um diagnóstico psicológico do servidor. A defesa também disse que o cliente 'está em uma situação emocional terrível'.
Sobre o atentado, Beetoven disse se recordar com detalhes do ocorrido. "Lembro sim. Estávamos na sala do PGJ, numa reunião, quando ele entrou dizendo que tinha um documento urgente do Corregedor-Geral, Dr. Anísio Marinho, que é chefe dele. Por isso ninguém desconfiou de nada. Lá dentro ele entregou os documentos a Rinaldo, que perguntou do que se tratava. Nesse momento ele sacou um revólver e disse ‘a vingança veio a galope’. Eu estava sentado, de frente para o PGJ e de costas para Guilherme. Por isso, talvez, tenha sido o último a perceber a arma. Quando tentei me levantar, ele disparou contra as minhas costas”, relatou.
“Rinaldo, Jovino e os outros promotores correram pela porta secundária, que dá para a sala do chefe de gabinete. Nesse momento ele atirou de novo na direção de Rinaldo, mas o tiro pegou na porta. Depois ouvi outros tiros, mas fiquei caído na sala do PGJ até a chegada do socorro”, acrescentou o promotor.
Beetoven, que durante muitos anos atuou na Promotoria de Investigação Criminal e Combate ao Controle Externo da Atividade Policial, atualmente é lotado na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, onde atua como coordenador jurídico.
Atirador do Ministério Público chega ao Comando da Polícia Militar (Foto: Carlos Lima/Inter TV Cabugi)
Indiferença
Quanto ao atirador, Beetoven disse que ainda não definiu bem qual o sentimento ele tem. “Acho que indiferença, pois nunca tive qualquer relacionamento com esse sujeito. Era um servidor como outro qualquer. Os assessores, como ele, trabalham diretamente com o procurador assessorado, sem contato próximo com outros servidores ou promotores. É um trabalho de gabinete, burocrático", disse.
"Ainda estou perplexo, surpreso. Até imaginava que poderia sofrer um atentado por conta da minha atuação contra criminosos comuns ou grupos de extermínio. Mas não suspeitava, jamais, que pudesse vir de um servidor do MP com quem nunca tive qualquer relação. Quero que ele fique preso e pague pelo que fez”, acrescentou.
Por fim, Beetoven disse que respira com a ajuda de um catéter, e que consegue falar, mas que tem pouco fôlego. "Ainda não fui ouvido pela polícia, mas assim que sair da UTI estarei disponível", afirmou.
Prisão
Guilherme Wanderley Lopes da Silva ficará preso por tempo indeterminado, até nova ordem judicial. Ele se apresentou à Polícia Civil, no final da manhã do sábado (25), mas a polícia já estava de posse de um mandado de prisão preventiva contra ele. Após se apresentar, Guilherme prestou depoimento.
O delegado Renê Lopes, da 5ª DP, que conduziu o interrogatório, disse que o servidor passou a maior parte do tempo calado. "Ele nos respondeu apenas três questionamentos. Negou quando questionamos se mais alguém participou da ação, negou que já tenha sido internado anteriormente por problemas psiquiátricos ou psicológicos e negou também que o atentato tenha tido relação com um processo que seu genitor respondeu".
Ainda de acordo com o delegado, Guilherme não quis se pronunciar sobre as motivações para atacar os procuradores e o promotor. Ele também não falou sobre quais seriam os seus alvos, conforme consta em uma carta escrita por ele.
Carta
Neste sábado, o Ministério Público divulgou páginas da carta deixada por Guilherme na mesa do procurador-geral Rinaldo Reis, no dia do atentado. No documento, o servidor cita várias questões políticas e administrativas referentes à gestão de Rinaldo Reis, bem como do procurador-geral adjunto e do promotor Wendell Beetoven.
Ministério Público do RN divulga carta de atirador (Foto: Divulgação/MPRN)
Sobre o motivo para matar os três, o funcionário do MP criou um tópico específico no qual escreveu: "Ora, o motivo é intuitivo: legítima defesa sui generis própria e alheia. Alguém precisava fazer algo efetivo e dar uma resposta a esse genuíno crime organizado. Resposta do tipo: 'para algumas ações, haverá sim reação'. Ou: 'quem planta... colhe'. A verdade não pode ser calada, nós estamos numa guerra que, infelizmente, é imperceptível por muitos dada a gigantesca cegueira do nosso povo ignorante, desorganizado e, por isso mesmo, culpados. A caneta tem o poder de ferir e matar. Meu lema há muito tempo é: trate os outros como gostaria de ser tratado e procurando dar a cada um o que é seu. Tão fácil de seguir, mas, infelizmente, tão desprezado".
Fonte: G1
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