O presidente da Associação dos Bombeiros Militares do Rio Grande do Norte, soldado Dalchem Viana do Nascimento Ferreira, foi preso na manhã desta quarta-feira (29). Por três dias, ele está proibido de sair do Quartel do Grupamento de Busca e Salvamento do Corpo de Bombeiros, em Natal. O que ele fez? Em um grupo de WhatsApp, criado pela própria associação, postou um áudio convocando membros para uma reunião no quartel. Isso aconteceu no dia 22 de junho de 2016. Ao fazer a postagem, segundo o comando dos bombeiros militares do estado, ele feriu o regimento interno da corporação, que proíbe manifestações em redes sociais.
Ainda de acordo com o comando, a punição deveria ter sido aplicada ao fim do prazo que foi dado para a defesa do militar, mas não foi possível porque ele estava de licença médica. Agora, de volta às atividades, o soldado foi obrigado a se apresentar para cumprir a detenção.
O G1 teve acesso à transcrição da gravação que resultou no castigo imposto ao bombeiro. Nela, o soldado diz: “Senhores, boa tarde. É só pra informar para que todos os soldados e cabos da ABM estão convidados não, estão convocados a comparecer a esta reunião no dia e local marcado, porque o quartel é também de cabos e soldados. Então, estão todos convocados a comparecerem à reunião. Eu estarei lá, entendeu? A Comissão de Direito da OAB também estará lá, e também vou levar a situação agora ao secretário de Segurança e à chefe de Gabinete Civil”.
‘Quem perde é a sociedade’
Minutos antes de ser preso, por telefone, o bombeiro falou com o G1. “A minha prisão é um afronte à constituição de 88, afronte à coletividade, afronte ao direito de expressão. Hoje, a sociedade exige uma polícia cidadã, um bombeiro militar cidadão, mas a cidadania ainda não chegou aos quartéis”, desabafou.
Ainda segundo Dalchem, o regimento que o Corpo de Bombeiros do RN segue é o mesmo da Polícia Militar. “É arcaico. Data de 1982, ainda no período da ditadura militar. Ano passado, o governador da paraíba acabou com as prisões administrativas. O RN precisa seguir esse exemplo”, afirmou. “Agora estou aqui, preso. E quem perde é a sociedade, que vai pagar para eu ficar aqui olhando para o tempo. São três dias parado, sem poder fazer nada. Três dias que eu poderia estar produzindo, trabalhando pela segurança da sociedade”, ressaltou.
Atualmente, Dalchem é lotado na Defesa Civil.
'Transgressões exageradas'
A pedido do G1, o presidente da Associação dos Cabos e Soldados da PM do Rio Grande do Norte listou algumas das transgressões que ele considera exageradas. Veja:
– Contrair dívidas ou assumir compromisso superior às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe;
– Recorrer ao judiciário sem antes esgotar todos os recursos administrativos;
– Ter pouco cuidado com o asseio próprio ou coletivo, em qualquer circunstância;
– Portar-se sem compostura em lugar público;
– Frequentar lugares incompatíveis com seu nível social e o decoro da classe;
– Conversar ou fazer ruído em ocasiões, lugares ou horas impróprias;
– Usar traje civil, o cabo ou soldado, quando isso contrariar ordem de autoridade competente;
– Deixar de portar, o policial militar, o seu documento de identidade, estando ou não fardado ou de exibi-lo quando solicitado;
– Deixar, quando estiver sentado, de oferecer seu lugar a superior, ressalvadas as exceções previstas no Regulamento de Continência, Honra e Sinais de Respeito das Forças Armadas;
– Sentar-se a praça, em público, à mesa em que estiver oficial ou vice-versa, salvo em solenidade, festividade ou reuniões sociais;
– Deixar o subordinado, quer uniformizado, quer em traje civil, de cumprimentar superior uniformizado ou não, neste caso desde que o conheça ou prestar-lhe as homenagens e sinais regulamentares de consideração e respeito;
– Censurar ato de superior ou procurar desconsiderá-lo;
– Discutir ou provocar discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assusto políticos, militares ou policiais militares, executando-se os de natureza exclusivamente técnicos, quando devidamente autorizados;
– Autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório, seja de crítica ou de apoio a atos de superior, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com reconhecimento do homenageado;
– Aceitar o policial militar qualquer manifestação coletiva de seus subordinados, salvo as referidas no número anterior;
– Autorizar, promover ou assinar petições coletivas dirigidas a qualquer autoridade civil ou policial militar;
– Embriagar-se ou induzir outro à embriaguez, embora tal estado não tenha sido constatado por médico;
– Usar, quando uniformizado, barba, cabelos, bigode ou costeletas excessivamente compridos ou exagerados, contrariando disposições a respeito;
– Usar, quando uniformizado, cabelos excessivamente compridos, penteados exagerados, maquilagem excessiva, unhas excessivamente longas ou com esmalte extravagante;
– Usar, quando uniformizado, cabelos de cor diferente da natural ou peruca, sem permissão da autoridade competente;
– Frequentar uniformizado cafés e bares;
– Receber visitas nos postos de serviço ou distrair-se com assuntos estranhos ao trabalho.
'Vingança política'
O advogado Samuel Vilar de Oliveira Montenegro, que preside a Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte, comentou a prisão. Na condição de defensor do bombeiro, ele disse que “este processo administrativo é um simulacro que visa legitimar, através de um cerceamento de liberdade, uma vingança política de alguns oficiais em detrimento do presidente da Associação dos Bombeiros Militares do RN".
E acrescentou: "Acontece que Dalchem possui entendimentos técnicos que não agradam a muita gente, principalmente a questão de ingresso nas corporações, já que a maioria dos oficiais defendem a exigência de curso de direito, ou seja, visam equivocadamente transformarem a carreira castrense em jurídica, enquanto Dalchem defende que o ingresso ocorra com a exigência de ensino superior”.
Por fim, o advogado informou que está tomando as medidas necessárias que o caso requer perante o judiciário.
Outros casos
O castigo aplicado ao soldado Dalchem não é um caso isolado. Em setembro do ano passado, o G1 noticiou o caso do policial militar João Maria Figueiredo da Silva, que é lotado na cidade de Touros, no litoral Norte potiguar. Em uma página no Facebook, ele fez críticas ao modelo de polícia utilizado no país. “Esse estado policialesco não serve nem ao povo e muito menos aos policiais que também compõe uma parcela significativa de vítimas do atual contrato social brasileiro. Temos uma Polícia que se assemelha a jagunços, reflexo de uma sociedade hipócrita, imbecil e desonesta!!” (SIC), comentou Figueiredo. Resultado: o comando da PM mandou puni-lo com 15 dias de prisão. Um habeas corpus expedido pelo juiz substituto Ricardo Tinoco de Góes impediu o cumprimento da ordem. Com a ordem de detenção suspensa, o PM segue trabalhando normalmente.
Comentário feito pelo soldado João Maria Figueiredo foi considerado uma ofensa à Polícia Militar (Foto: Reprodução/Facebook)
Também no ano passado, em dezembro, um outro fato ganhou destaque no G1. Foi o caso do capitão da PM Nilson Araújo foi processado por ter feito uso ‘inadequado’ de uma rede social. No dia 22 de novembro, o comando da PM publicou em Boletim Geral uma orientação para os que fazem e representam a corporação, "para os cuidados a serem tomados na utilização de redes sociais”. Três dias depois, o capitão escreveu: “Orientações sobre utilização de redes sociais é meus ovoss” (SIC).
Capitão Nilson Araújo usou o Facebook para criticar a orientação da PM sobre o uso de redes sociais (Foto: Reprodução/Facebook)
Fonte: G1
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