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sábado, março 18, 2017

"Até cachaça está difícil de vender", lamenta ex-pintor que abriu lojinha

O casal Antônio Amaral, 59, e Neli Zire, 53, na entrada de sua casa, no Jardim Saint Moritz, em Taboão da Serra (Grande São Paulo)

No Jardim Saint Moritz, na periferia do município de Taboão da Serra, que faz divisa com São Paulo na região oeste, a crise amargura. "Até cachaça está difícil de vender", esbraveja Antônio Amaral, 59, que fazia trabalhos como pintor e abriu com a mulher, Neli Zire, 53, uma vendinha na entrada da casa. "Agora é só ovo em casa todo dia", fala a mulher. "E carne, quando dá, é de segunda ou de terceira", completa o marido.

Eles moram num sobrado amplo. A filha mora com o genro no andar de cima e, para economizar, eles ficaram embaixo. Essa característica de ir batendo laje para fazer caber a família é muito observada no Jardim Saint Moritz.

A costureira Maria do Carmo trabalha na oficina que mantém na entrada de casa. O serviço de hoje é a reforma de uma calça jeans por R$ 10. Ela remexe as caixas de papelão onde guarda os retalhos, à procura de um com a mesma cor e trama do tecido da calça. "Pode demorar, mas eu sempre acho."


E a crise? "Está ruim para todo mundo. Eu tenho meu quebra-galho em casa e dá para ir me mantendo. Deus me deu o dom de costurar."

Para Maria do Carmo, que é natural de Serra Talhada (PE) e veio para São Paulo no início dos anos 1990, a situação é ainda mais grave para os jovens do bairro, que, diz, não têm emprego. Embora ela mesma tenha sido obrigada a pedir dinheiro emprestado no fim do ano e no começo de 2017 para poder viver.

A economia brasileira encolheu 3,6% em 2016 e emendou o segundo ano seguido de queda. É a mais longa recessão pela qual o país já passou. O PIB (Produto Interno Bruto) também já havia tombado 3,8% em 2015.

"A crise existe, sim, mas acho que engrena agora"

Historicamente, apesar da crise, como observou o repórter ao longo dos últimos 17 anos, a evolução do bairro é visível. Casas, que antes eram simples barracos, hoje se tornaram sobrados com dois ou três andares. Boa parte dos moradores de anos atrás segue por lá. Um comércio, que era há 15 anos muito incipiente, se multiplicou pelas vias principais, o corredor formado pelas ruas Isabel Sôria Mainardis e Madre Teresa de Calcutá.

São mercados, lojas de construção, de roupas, salões de cabeleireiro, bares e restaurantes, adegas, lojas de acessórios de informática, alguns deles montados na garagem ou entrada da casa. Além de igrejas, muitas igrejas evangélicas. Empreendimentos que na tarde da visita se encontravam praticamente vazios, contudo.

"Às vezes a gente nota que a pessoa quer comer, fica ali olhando, mas não tem dinheiro para pagar", reconhece Valter Pereira da Silveira, um senhor de olhos muito azuis que é dono de um dos restaurantes no Saint Moritz. Seu prato mais barato, uma quentinha para viagem, custa R$ 10. "A crise existe, sim, mas acho que engrena agora, depois do Carnaval", confia.

"Os cachorros são os mesmos"

Junto da escola de educação fundamental Dr. Anísio Dias dos Reis, que tomou no início dos anos de 2000 o lugar do Campão, onde se disputavam torneios de futebol com times dos moradores, dona Bila Araújo Barbosa, 65, matriarca de uma família pobre que veio de Macaúba (BA) há mais ou menos 20 anos, analisa o mundo do portão: "Mesmo com tudo [crise], agora para a gente aqui está 'mais melhorzinho'. Tem uma escola, tem um posto de saúde. O dinheiro não chega, como diz o outro, mas não é como antes, quando até comida já faltou."

No começo dos anos 2000, dona Bila morava num barraco modesto no mesmo local. A casa foi reformada e ganhou duas lajes, formando dois pavimentos de um sobrado bem construído. Ali se aboletaram os filhos, com suas famílias novas, num total de 11 pessoas.

Dona Bila, agora uma senhora de longos cabelos grisalhos, mas com os mesmos olhos negros levemente puxados, vive cercada por netos e consegue alguma renda trabalhando ali mesmo na entrada da casa, como costureira, reformando roupas. "Dá um troquinho um dia ou outro, não muito."

A política é que ela diz ir muito mal e ser a raiz da pobreza de todos que ali vivem, em todas as periferias. "Como é o nosso comando? Tudo na cadeia. O que o pobre não faz, eles fazem [roubar]. Não dá para confiar em ninguém, presidente, senador, governador, prefeito. Eles não têm vergonha de nada. Não tem saída para o povo. O futuro do Brasil está descendo pelo ralo. Esses graúdos só sobem [para o poder] para prejudicar o pobre. Só muda a corrente, os cachorros são os mesmos."


Fonte: Uol

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