Prestes a completar três anos, a operação Lava Jato começa a alcançar políticos de peso em diferentes países da América Latina, investigados sob a suspeita
de terem sido beneficiados pelo esquema de propinas de empreiteiras brasileiras.
No último sábado, o ex-presidente do Peru Alejandro Toledo teve sua casa vasculhada e documentos apreendidos por uma equipe da Procuradoria e da Polícia Nacional de seu país, que também pediram sua prisão preventiva.
Na Colômbia, as autoridades anunciaram nesta terça suspeitar de que a campanha do presidente atual, o Nobel da Paz Juan Manuel Santos, teria recebido, por meio de um intermediário, propina paga pela Odebrecht.
Ambos negam qualquer ilegalidade.
Representantes do Ministério Público e da Polícia de diferentes países da América Latina têm trocado informações com investigadores brasileiros por meio de acordos de cooperação internacional para apurar supostos esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude em contratos e doações irregulares de campanha.
Além de Santos e Toledo, estão sendo investigados outros políticos de alto escalão e ex-representantes dos governos colombiano e peruano e suspeitos de envolvimento em esquemas em outros países da região: Argentina, Chile, República Dominicana, Venezuela, Panamá, México, Guatemala e Equador.
A Odebrecht já admitiu ao Departamento de Justiça dos EUA ter pago US$ 788 milhões em propina, entre 2001 e 2016, a funcionários de governo, representantes desses funcionários e partidos políticos do Brasil e de 11 países (os citados acima, exceto o Chile - que está ligado a delações de outra empreiteira -, mais Angola e Moçambique).
Procurada pela BBC Brasil para comentar as investigações que detalhamos abaixo, a Odebrecht informou que "não se manifesta sobre o tema, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça, tanto no Brasil quanto no exterior".
"A exemplo do acordo anunciado em dezembro com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça, a Odebrecht também está disposta a contribuir com as investigações realizadas pela Justiça de outros países", esclareceu.
A OAS, investigada no Chile, não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Pedido de prisão no Peru
No Peru, a investigação está em estágio avançado. O Ministério Público peruano anunciou, em sua conta do Twitter, que pediu a prisão preventiva de Alejandro Toledo como parte da investigação que apura pagamento de propina feito pela Odebrecht a integrantes do governo.
As investigações no país estão ligadas à construção da rodovia Interoceânica - que liga o Brasil ao oceano Pacífico -, obra comandada pela Odebrecht. O Ministério Público peruano suspeita que a empresa brasileira pagou US$ 29 milhões de propina no país entre 2005 e 2014.
De Paris, Toledo, que foi presidente do Peru entre 2001 e 2006, deu uma entrevista por Skype nesta semana ao programa de TV peruano Cuarto Poder e negou a acusação.
Antes das suspeitas levantadas com a Lava Jato, o ex-presidente já vinha sendo investigado por suspeita de lavagem de dinheiro.
Diante do escândalo, o atual presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, quer que a Odebrecht deixe de atuar no país.
Em entrevista à emissora local RPP, ele afirmou que o grupo está "manchado pela corrupção". "Eles têm que ir embora. Acabou."
Em comunicado, a Odebrecht pediu desculpas à sociedade peruana e seus trabalhadores por "erros graves" cometidos por executivos da empresa.
"A empresa está fazendo todo o possível para expor e esclarecer em detalhes todos os fatos para que a Justiça chegue a todos os envolvidos, permitindo também o pagamento de uma compensação justa para o Estado", diz a nota, na qual a empresa se disse determinada a manter os projetos em curso.
Busca e apreensão no Chile
A Polícia de Investigações do Chile esteve nesta terça em três escritórios da construtora OAS em Santiago para cumprir mandados de busca e apreensão, segundo a agência de notícias Efe.
Alvo da Lava Jato, a empresa, cujos principais representantes assinaram acordos de delação nos quais detalharam o esquema de corrupção, também é investigada por supostas contribuições irregulares para campanhas políticas no Chile.
Os policiais, ainda conforme noticiou Efe, procuraram por registros contábeis da empresa de 2012 a 2015, e a operação faz parte da investigação que apura suspeitas na campanha presidencial de Marco Enríquez-Ominami em 2013, derrotado por Michelle Bachelet e que teria usado um avião da empresa brasileira.
Os escritórios alvos da operação estão localizados nas comunas de Santiago, Huechuraba e Lampa.
Autoridades chilenas já solicitaram ao Brasil acesso a depoimentos e mensagens de WhatsApp do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, e do publicitário Duda Mendonça, que mencionam contato pessoas ligadas a políticos chilenos, de acordo com reportagem do jornal El Mercurio.
Acredita-se que esses documentos podem ajudar a esclarecer colaborações suspeitas feitas pela empresa brasileira às campanhas de Enríquez-Ominami e Bachelet - ambos negam qualquer irregularidade.
Doação na Colômbia
Autoridades da Colômbia investigam se a campanha presidencial de Juan Manuel Santos foi abastecida em 2014 com aproximadamente US$ 1 milhão de recursos oriundos de propina paga pela Odebrecht.
As suspeitas envolvem uma complicada transação financeira na qual o repasse à campanha teria sido feito por meio de uma empresa do ex-senador colombiano Otto Nicolás Bula.
"Do US$ 1 milhão, teria sido descontada uma comissão de 10% a favor de terceiros já identificados", assinala comunicado do Ministério Público colombiano.
Investiga-se se essa cifra faz parte dos US$ 4,6 milhões em propinas que teriam sido pagas pela empresa brasileira para construir a Rota do Sol, uma estrada que liga as cidades colombianas de Ocaña e Gamarra, por meio de um contrato assinado o ex-senador Bula em 2013.
Ele está preso por causa desse caso desde janeiro. O ex-gerente da campanha presidencial de Santos, Roberto Prieto, negou conhecer o ex-senador. Santos rechaça as acusações.
Nome de argentinos
Nesta semana, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, pediu que a mais alta corte brasileira revele os nomes dos argentinos envolvidos no esquema da Lava Jato.
O pedido foi feito diretamente à presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, durante encontro nesta terça, segundo o jornal argentino Clarín.
Ainda de acordo com a publicação, o Ministério da Economia da Argentina está elaborando uma lista de todas as reuniões que assessores da área econômica e de planejamento tiveram com representantes da construtora brasileira Odebrecht nos últimos 10 anos.
O pedido foi feito por uma deputada e devem incluir políticos do governo de Cristina Kirchner e de Macri.
A própria Odebrecht admitiu que pagou na Argentina pelo menos US$ 35 milhões em propinas durante a gestão da ex-presidente.
E o jornal La Nacion revelou que foram identificados cinco repasses que ultrapassam a cifra de meio milhão de dólares feitos em 2013 por um ex-sócio do doleiro brasileiro Alberto Youssef a Gustavo Arribas, indicado por Macri para comandar o serviço de inteligência da Argentina.
À época, Arribas vivia no Brasil e se dedicava a negociar jogadores de futebol. Ele nega se tratar de dinheiro fruto de propina.
Republica Dominicana e Venezuela
No final de janeiro, a Venezuela anunciou que abriria uma investigação sobre a atuação da Odebrecht no país.
A apuração foi motivada pelo documento divulgado pelo Departamento de Justiça dos EUA no qual a empresa brasileira afirmou ter pago US$ 98 milhões a funcionários venezuelanos e intermediários para obter contratos.
Na República Dominicana, por sua vez, já houve execução de mandado de busca e apreensão em escritório da Odebrecht no país e as autoridades locais se preparam para interrogar o ex-ministro de obras públicas sobre a propina milionária paga pela empresa brasileira naquele país.
As investigações também foram motivadas pelo acordo firmado pela Odebrecht nos EUA.
Cooperações internacionais
Em setembro de 2015, o secretário de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, Vladimir Aras, disse à BBC Brasil que investigação da Lava Jato no exterior ainda estava no início, mas que avançaria contra políticos.
Pouco mais de um ano depois da declaração de Aras, em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal já acumulava 120 pedidos de cooperação com autoridades estrangeiras para obter documentos, rastrear contas e transferências bancárias e trocar informações e evidências.
A lista de acordos incluiu mais de 30 países, entre eles Peru, Colômbia, Argentina, República Dominicana e Angola, onde há negócios sob suspeita, e ainda paraísos fiscais como Antígua, Ilhas Virgens Britânicas e Cayman, usados pelos suspeitos para manter o dinheiro no exterior pagando menos tarifas.
Ao todo, 18 países pediram ajuda do Ministério Público Federal brasileiro para conduzir investigações relacionadas à Lava Jato.
As investigações no exterior devem ser impulsionadas pelo acordo de delação premiada da Odebrecht, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal e que conta com depoimentos de 77 funcionários da empresa brasileira detalhando como operacionalizavam fraudes em licitações e pagamentos de propina.
Até o momento, contudo, sabe-se o conteúdo do depoimento de apenas um dos executivos - o ex-vice-presidente de Relações Institucionais Cláudio Melo Filho.
Fonte: G1
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