Há dois meses, a queda do avião que levava a delegação da Chapecoense para Medellín deixou 71 mortos. Todas as 44 vítimas que tinham alguma relação com o
clube, sejam jogadores, dirigentes, funcionários ou até mesmo apoiadores, eram homens, o que significa que a tragédia deixou dezenas de viúvas na cidade do oeste catarinense. As poucas que decidiram permanecer estão engajadas na reconstrução de Chapecó e de seu clube.
A seguir, você conhecerá algumas dessas viúvas: Sirli Freitas, 33, mulher do assessor de imprensa Cleberson; Vanusa "Duda" Nicola Pallaoro, 46, mulher do empresário Sandro Pallaoro, presidente do clube; Susana Ribas Pereira de Jesus, 35, mulher do zagueiro Willian Thiego; e Sandra Jacqueline Madrid, 45, mulher do roupeiro Anderson Lucas, o Cocada.
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Sirli assumiu o cargo do marido na Chapecoense
Adriano Vizoni/Folhapress | |
Sirli assumiu o cargo de assessora de imprensa da Chapecoense |
Uma semana depois do acidente, enquanto recolhia os pertences de seu marido, Cleberson da Silva, no vestiário da Arena Condá, Sirli Freitas, 33, recebeu uma ligação do novo presidente da Chapecoense, Plínio de Nes. "Ele me convidou para trabalhar no clube. Enxuguei as lágrimas e me apresentei na hora."
Naquele momento, ela assumia o cargo de assessora de imprensa, que antes pertencia a Cleberson.
Sirli trabalhava como fotógrafa no jornal "Diário Catarinense" e na prefeitura de Chapecó. Não perguntou sobre o salário ou a rotina.
"Foi sem pensar, sem refletir. Eu estava desesperada. O convite ajudou a me situar, 'estou junto com todo mundo'. Hoje vejo o quanto está me ajudando. Faço parte da reconstrução do clube e da minha também", afirma.
Casada por 14 anos, ela acompanhava de perto o fanatismo do marido pela Chape, que se misturava à empolgação com a ascensão do time nos últimos anos.
"A maior falta que eu tenho é de contar o que está acontecendo. Como assessor de imprensa, ele se dedicava muito a passar a melhor imagem da Chapecoense. Agora eu vejo tantos jornalistas que ele admirava falando bem do clube Tenho vontade de conversar com ele, e as crianças também. Isso é o mais pesado", diz, lembrando os filhos Pedro, 8, e Mariana, 3.
Em meio às solicitações de jornalistas e fotos dos treinos, ela percebe que Chapecó começa a superar a tragédia.
"Você sentia que a cidade estava acabada. Essa união está fazendo a gente pensar que vai dar a volta por cima. A reconstrução não é só minha: é de uma cidade, talvez até mais que isso."
"Contei que o pai dela foi jogar no céu", diz Susana
A contadora gaúcha Susana Ribas Pereira de Jesus, 35, é exceção entre as viúvas dos 19 atletas que morreram no acidente. Enquanto 17 delas voltaram para suas cidades de origem, ela ficou em Chapecó com a filha Nina, 4. Susana era casada com o zagueiro Willian Thiego e terá a companhia de Rosangela, mulher de Cleber Santana.
"Já faz dois anos que estamos em Chapecó. Gostamos da cidade, criamos laços de amizade, então decidi que ficaria aqui para não tirar tudo da minha filha", afirma.
Nina, que sempre entrava em campo com o pai na Arena Condá, ainda não sabe o que aconteceu na tragédia.
"Ela ainda não sabe que o avião caiu. Eu contei que o pai dela foi jogar no céu e não vai voltar. Nessa semana, nós fomos até o hotel em que os jogadores ficavam, e ela me perguntou se o pai dela estava lá. Isso é o mais duro."
A ferida exposta com o acidente custa a cicatrizar.
"Parece um pesadelo, não consigo acreditar. Entre todos os lugares que moramos, nunca tinha visto uma cidade e um time tão próximos. Não sei se vai ser como era."
A despeito disso, ela quer se implicar no renascimento da Chapecoense, recomeçando sua vida junto à do clube.
"Vou primeiro me organizar. Eles falaram que vão abrir vagas no setor dos sócios. Vou tentar recomeçar lá."
Sandra Jacqueline consolou, e foi consolada
Adriano Vizoni/Folhapress | |
Sandra Jaqueline, auxiliar administrativa das categorias de base da Chapecoense |
A uruguaia Sandra Jacqueline Madrid, 45, que era casada com o roupeiro Anderson Lucas, o Cocada, também preferiu permanecer em Chapecó ao invés de retornar para a sua terra natal, Salto, cidade a 500 km de Montevidéu. Foi no país vizinho que eles se conheceram, durante missão evangélica, em 2002.
Jacqueline trabalha na Chapecoense há três anos, sempre próxima das categorias de base. Hoje, ela é auxiliar administrativa da área, encarregada de cuidar de burocracias e problemas dos jovens jogadores do clube.
"A maioria dos meninos que está aqui nós conhecemos. Eu e o Cocada moramos com os meninos da categoria sub-15, em alojamento, assim que chegamos a Chapecó. Cuidávamos deles. Eles são muito carinhosos, temos muita amizade até hoje", diz.
Após o acidente, ela conta que os garotos ficaram deprimidos. Uma força-tarefa foi mobilizada no clube para consolá-los. Como amiga, Jacqueline também ajudou a confortá-los, e recebeu contrapartida dos garotos.
"Eles ficaram muito abalados, mas receberam apoio dos psicólogos e dos professores do clube, e também das próprias famílias."
A volta ao Uruguai, onde a família mora, não foi cogitada. Foi em Chapecó o último lugar onde ela e Cocada estiveram juntos, e onde compartilharam a dedicação ao mesmo time que os acolheu depois de anos rodando por clubes de diversas cidades do país -Lençóis Paulista, Bauru, Jaú, Rio Preto, Santo André, São Carlos e Brusque.
"Não, não. Não pensei em sair. Decidi ficar em Chapecó. Foi aqui que eu o deixei também. Vou continuar. Para mim, é muito importante participar desse projeto de reconstrução da Chapecoense. Isso me ajuda quando eu vejo a dedicação do clube e de todos", afirma.
Viúva de presidente ajuda em indenizações
Adriano Vizoni/Folhapress | |
Duda assumiu os negócios do marido, que era presidente da Chapecoense |
Vanusa Nicola Pallaoro, conhecida como Duda, 46, era casada com o empresário Sandro Pallaoro, presidente da Chapecoense. Desde o acidente, ela acumulou funções na empresa da família, uma distribuidora de frutas.
"Faço a parte financeira e recursos humanos, e tomo também as decisões que o Sandro tinha que tomar. Eu cuido dessa parte mais administrativa. Ainda está bem difícil. As pessoas ainda param a gente na rua, choram... A gente fica pensando às vezes que é um pesadelo", diz.
Duda mantém relação com a Chapecoense na intermediação entre o clube e as viúvas dos jogadores em relação aos processos de indenização.
Ela é também mãe de um jogador da Chape. Seu filho Matheus, 17, atua nas categorias de base do time.
"Sempre fomos muito ligadas [ela e as mulheres dos atletas]. A Chapecoense é uma família", afirma.
Recentemente, algumas delas se incomodaram com o que enxergavam como falta de notícias em relação ao repasse de doações e ao andamento dos processos. Duda tranquilizou-as e cobrou mais agilidade da Chapecoense.
Até o momento, elas receberam os seguros do clube e da CBF, e aguardam valores doados por outras fontes.
"Acho que é uma coisa que o Sandro sempre fez com tanta dedicação. A Chapecoense está onde está muito por ele também. É uma maneira de não deixar isso morrer."
Ela diz que o filho Matheus, "meia-atacante e atacante", é um prolongamento da visão do pai para o clube.
"Quando o Sandro assumiu, decidiu fazer categorias de base e colocou nosso filho. Fiquei preocupada, mas ele falou que quer ser jogador", diz Duda, que pretende oficializar sua relação com o clube.
"O pessoal da área social quer que eu colabore. Vou ajudar, com certeza", afirma.
Fonte: Folha de São Paulo
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