No filme “Sully – O Herói do Rio Hudson” (em cartaz no Brasil), mesmo sendo aclamado depois de conseguir pousar um Airbus A320 na água em Nova York e salvar
todos os passageiros e tripulantes a bordo, o piloto da US Airways teve de responder a um interrogatório que incluiu perguntas sobre uso de bebida alcoólica e drogas. O funcionário do controle de tráfego envolvido na ocorrência também teve de ser submetido a teste de urina e bafômetro.
O procedimento não é coisa de cinema. Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, profissionais da aviação passam por testes para evitar o consumo de álcool e outras substâncias que podem afetar o desempenho e colocar em risco a segurança do voo.
Por aqui, regras da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) de 2011 proíbem o “uso de substâncias psicoativas durante o exercício das atividades” ou o exercer as atividades “enquanto estiver sob o efeito” dessas substâncias – álcool, drogas, remédios, etc.
Exames surpresa
Antes de serem contratados, os profissionais precisam passar por exames. E não são somente pilotos e copilotos, mas todos os que podem colocar a atividade em risco, como comissários de bordo, mecânicos e equipes de combate a incêndios, entre outros.
Além dos exames admissionais, também são previstos exames aleatórios, que podem ser feitos, por exemplo, com o uso de bafômetro.
No caso de uma empresa que tenha mais de 2000 empregados em atividades que envolvam risco à segurança do voo, pelo menos 7% ou 560 (o que for maior) devem ser submetidos aos testes surpresa a cada ano.
O regulamento da Anac determina que a seleção dos funcionários que serão submetidos ao exame seja “isenta e imparcial” e que cada empregado tenha “a mesma chance de ser selecionado” a cada vez em que o sorteio for feito.
Testes devem ser feitos também após a ocorrência de um acidente ou incidente aéreo – exceto se estiver claro que a atuação do profissional não contribuiu para o fato.
Não é só o bafômetro
Se o bafômetro pode indicar de imediato a presença de álcool no organismo, a presidente do conselho da Sociedade Brasileira de Medicina Aeroespacial, Vânia Melhado, destaca a importância da realização de exames como o de queratina (feito a partir de uma amostra de cabelo, por exemplo) que apontam o histórico de uso de álcool e outras substâncias.
Esses testes detectam o consumo da substância ao longo de meses e podem indicar, inclusive, as quantidades ingeridas. São mais caros, “mas com resultado mais efetivo”, na opinião da especialista.
Suspeita justificada
Outra situação prevista pela Anac para a realização de exames é quando há uma “suspeita justificada”. O documento indica que um “supervisor treinado” será responsável por encaminhar o profissional para avaliação.
Se o resultado for positivo ou se o funcionário se recusar a fazer o teste, deverá ser avaliado por um especialista. Após análise, o especialista poderá recomendar desde uma simples orientação sobre as normas de segurança operacional até internação para tratamento.
Durante o afastamento, o empregado pode ser transferido para uma atividade mais burocrática, até que esteja apto a retomar sua função.
Além do programa de recuperação, o regulamento também prevê a adoção pelas empresas de atividades de prevenção, com informações sobre o uso indevido de álcool e drogas.
Vânia Melhado afirma que o uso de substâncias que alteram o desempenho deve ser entendido como uma doença e tratado como tal para que o profissional possa voltar ao serviço.
“O programa é não punitivo. Mas também não é para proteger. Ele tem um critério de exclusão, por exemplo, se houver uma recaída depois de passar pelo programa”, diz.
Punições
Na última semana de dezembro, imagens de câmeras de segurança mostraram um homem que mal conseguia ficar em pé passando pelo raio X de um aeroporto na Indonésia. Ele era o piloto de uma companhia aérea local. Acabou demitido por tentar pilotar o avião bêbado. No último dia de 2016, um comandante de uma companhia aérea canadense foi detido depois de ser encontrado embriagado na cabine do avião que deveria pilotar.
No Brasil, mesmo com a resolução da Anac tendo ênfase na prevenção e recuperação, um piloto que se envolver em uma situação mais grave terá de responder por sua ação. As punições podem vir da empresa contratante, com eventual demissão, da própria agência reguladora, por meio de multa ou cassação de certificados, ou da lei penal.
O advogado Georges Ferreira, especialista em direito aeronáutico, cita o artigo 261 do Código Penal, que estabelece punições para quem atentar contra a segurança de transporte aéreo. Cada situação vai determinar a sanção a ser aplicada. Como exemplo, se ficar provado que um piloto voou alcoolizado, a punição será mais severa do que se ele foi impedido de comandar o avião, porque o risco, neste caso, não se concretizou.
Ferreira presidiu a comissão de especialistas para a reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica, que está sendo discutida no Senado. O Código atualmente em vigor prevê multa para a infração de “operar a aeronave em estado de embriaguez”. A lei sobre drogas, de 2006, também tem um artigo com penas específicas para quem conduzir aeronave após o consumo de drogas.
(Claudia Andrade)
Fonte: Uol
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