O presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Juarez Quadros, afirma que o projeto que altera o marco legal do setor de telecomunicações é a
única saída para a União se livrar de um "mico".
Pela proposta, haverá a troca dos bens da concessão por novos investimentos a serem feitos pelas empresas quando houver a mudança de regime para autorização.
Senadores de oposição foram ao STF para barrar a tramitação da proposta que, segundo eles, é "um presente para as teles". A decisão será tomada pela ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, na virada do ano, depois que o presidente do Senado, Renan Calheiros, se pronunciar sobre o assunto.
Folha - Esse projeto [troca dos bens da concessão por novos investimentos] é um "presente para as teles", como diz a oposição?
Juarez Quadros - Esse projeto livra a União de um 'mico'. A telefonia fixa, serviço prestado hoje em regime de concessão, está em franco declínio, no mundo e no Brasil. Pelos meus cálculos, em 2021, mais da metade das linhas fixas em uso será de empresas que operam com autorizações [como a Net]. Se o projeto não for sancionado, quando os contratos de concessão vencerem, em 2025, a União receberá de volta uma rede obsoleta e com pouquíssimos clientes.
Por que esse grupo é contra?
O que posso dizer é que esse projeto livra a União de um ônus. O número de assinantes da rede fixa vem caindo desde 2009. Houve uma recuperação, em 2015, quando chegamos a 44,4 milhões. Hoje já são 42 milhões. No mundo, só o Brasil, a Turquia e o Peru operam a telefonia fixa sob concessão.
Imagine se, em 2025, as empresas não quiserem renovar os contratos. Qual empresa vai querer operar uma rede ultrapassada e sem clientes?
A oposição afirma que, com a nova lei, a União abre mão de cerca de R$ 100 bilhões em favor das teles.
Pela Lei Geral de Telecomunicações em vigor [e que está sendo modificada agora], quando as teles venceram os leilões de privatização, ficaram com os bens e só devolveriam à União aqueles essencialmente ligados à prestação da telefonia fixa. Naquela época, o valor desses bens era de cerca de R$ 100 bilhões. Hoje, não valem nem R$ 20 bilhões. A Anatel calculará exatamente o valor seis meses depois de sancionada a lei.
Além da depreciação desses bens, as centrais foram modernizadas e ficaram cada vez menores. Prédios gigantescos que antes serviam para acomodar esses equipamentos estão vazios, só gerando custos desnecessários.
A questão então é política?
Sim, mas não creio que seja partidária. Mesmo no PT há divisão sobre o tema.
O projeto prevê renovação quase automática de contratos e de licenças de radiofrequência em troca de investimentos em internet. Não seria esse o 'presente' de que falam os senadores?
Não existe presente. Tudo será feito a título oneroso para as teles. Primeiro, vamos trocar os valores dos bens reversíveis em investimentos em banda larga em locais onde os acessos ainda forem precários. Isso é defender o interesse do consumidor. Quando deputados, senadores e governadores vêm aqui [na Anatel], eles reclamam da falta de sinal de 4G [tecnologia para internet rápida via celular] em suas cidades. Ninguém fala de orelhão, de telefone fixo. Além disso, terão de pagar pela troca de regime e pela renovação dos contratos.
A presidente Dilma Rousseff tentou promover essa mudança. Por que não foi adiante?
O governo deveria ter promovido essa mudança em 2010. Desde lá já se via a depreciação acelerada do serviço de telefonia fixa, que não tem como concorrer com a internet. Hoje as pessoas fazem chamadas telefônicas pelo WhatsApp, por aplicativos que rodam sobre a rede de dados, que é privada e foi construída em paralelo pelas operadoras [inclusive concessionárias]. Essa troca de bens por investimentos em internet foi levada pelo então ministro Paulo Bernardo (Comunicações) à presidente [Dilma] em 2015. Mas não havia ambiente político.
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RAIO-X
JUAREZ QUADROS, 72
Formação
Engenheiro pela Universidade Federal do Pará
Carreira
Professor (1966-1973), executivo da Telepará e da Teleacre; ministro das Comunicações (2002- 2003); sócio da consultoria de telecomunicações Órion
Fonte: Folha de são Paulo
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