Apertem os cintos, 2017 vai começar. Após dois anos de crise, os novos prefeitos iniciam seus mandatos num cenário de ainda mais contenção de gastos, menos
investimentos e no qual prometer cortes de despesas virou até promessa de campanha.
"É fechar a torneira, mesmo. Tem que saber lidar com a escassez", diz Marcio Lacerda (PSB), presidente da Frente Nacional de Prefeitos e prefeito de Belo Horizonte que será sucedido por Alexandre Kalil (PHS) no domingo (1º).
A crise econômica encolheu as receitas das capitais: onze tiveram queda real desde o início do mandato, e só seis não viram a arrecadação cair neste ano. Muitas iniciaram um rigoroso ajuste fiscal, que deve continuar em 2017.
"Quem assume tem a oportunidade política de cortar mais. E isso é necessário", afirma Lacerda. "Quem está entrando já sabe que a economia não vai crescer. No máximo, vai parar de cair."
Em Vitória (ES), onde o prefeito reeleito, Luciano Rezende (PPS), diz que cortar gastos é "igual cortar unhas", até o horário de expediente foi reduzido para economizar. Servidores que têm celular viram a conta reduzida a um terço, de R$ 150 para R$ 45 –e quem gasta mais tem o valor descontado em folha.
Há dois anos, ninguém ganha reajuste salarial na cidade devido à queda de receitas, que é uma das mais agudas entre as capitais: 15,7% desde o início da gestão.
Em São Paulo, o prefeito eleito João Doria (PSDB) já anunciou a venda da maior parte da frota municipal e mandou os servidores usarem Uber, além de reduzir as secretarias de 27 para 22 e em 15% os valores de contratos.
A atual gestão estima que a receita neste ano será 6% menor que o previsto –uma perda de aproximadamente R$ 3 bilhões. Para fazer a conta fechar, pelo menos R$ 800 milhões foram remanejados de outros setores neste fim de ano para subsidiar o transporte público e custear a saúde, entre outras áreas.
"Na ponta, o que não pode faltar é remédio no posto e professor em sala de aula", diz Lacerda, de Belo Horizonte.
A capital mineira reduziu a frequência da limpeza pública, segurou progressões de professores, cortou iluminação de Natal, acabou com o cafezinho e eliminou o regime noturno em algumas escolas.
No Recife, a gestão de Geraldo Júlio (PSB), reeleito, foi "ao limite da criatividade", de acordo com o secretário da Fazenda Ricardo Dantas, para cortar custos.
A prefeitura reduziu as entradas dos postos de saúde, por exemplo, de seis para três, para economizar com portaria; substituiu vigias armados por porteiros ou alarmes; e mexeu em contratos para pagar por produtividade. Para 2017, Recife terá seu próprio Uber: um aplicativo de compartilhamento da frota, para reduzir os gastos com carros.
Em Curitiba, onde a arrecadação caiu quase 5% neste ano, tanto o atual prefeito quanto o eleito já enfrentam protestos contra cortes.
O primeiro, Gustavo Fruet (PDT), cancelou um edital de financiamento de projetos culturais. O que vai assumir, Rafael Greca (PMN), quer adiar um festival de música programado para janeiro.
"Enquanto a saúde de Curitiba correr riscos, não haverá música", declarou Greca, que diz pretender investir o dinheiro economizado em postos de saúde e hospitais.
ENDIVIDAMENTO
Mesmo com os cortes, alguns prefeitos vão assumir com dívidas crescentes e até salários atrasados.
Em Porto Alegre, a prefeitura precisou parcelar o 13º, e chegou a anunciar que quem quisesse recebê-lo precisaria fazer um empréstimo, a ser quitado pela próxima gestão –plano que acabou sendo abortado.
A dívida da cidade triplicou, principalmente por causa de obras da Copa –o que também aconteceu no olímpico Rio, que verá o gasto com juros dobrar em 2017.
"Muitos municípios se veem forçados a contrair empréstimos para conseguir fazer algo, porque quase metade do orçamento vai para saúde e educação", afirma o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais.
No Rio, o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) vai reduzir as secretarias pela metade. Em 2017, a previsão é que a prefeitura arrecade R$ 1,36 bilhão a menos que neste ano –queda de 4,3%.
CRISE COMPROMETE SERVIÇOS
Com cortes cada vez maiores, especialistas apontam o risco de que as prefeituras encolham, e a qualidade do serviço público fique prejudicada.
"A crise é cruel, porque ela tira a receita de um lado e, do outro, aumenta a demanda", afirma o secretário da Fazenda de Recife, Ricardo Dantas.
Com o desemprego crescente, as famílias recorreram ao SUS e à escola pública. No último ano, 1,5 milhão de pessoas deixaram de ter plano de saúde no país. A demanda pelo SUS em algumas cidades, como Curitiba, subiu 40%.
Do outro lado, com queda de receitas, os serviços ficaram comprometidos.
"O prefeito pode não ter cortado serviço, mas deixou de investir", diz a presidente do sindicato dos servidores de Vitória, Waleska Timoteo. "Não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que isso não está afetando a população."
Segundo ela, escolas de Vitória tiveram a verba de manutenção reduzida, há atrasos na entrega de medicamentos e o quadro de servidores está congelado.
"O ajuste fiscal é necessário, mas não dessa forma. Sem servidor, não há sustentabilidade, e o município não vai dar conta da realidade", afirma.
Em Belo Horizonte, servidores da saúde se queixam de que a qualidade dos insumos caiu, e que a revisão de contratos atrasou a entrega de medicamentos.
Um estudo da Frente Nacional de Prefeitos, porém, mostra que as prefeituras procuraram poupar a saúde e a educação dos cortes: em geral, as áreas mantiveram a mesma proporção do orçamento ou até mais.
O sacrifício maior foi dirigido a outras áreas, como cultura, habitação e lazer.
"Aqui, o mais atingido foi assistência social", diz o sindicalista Ivam Martins, servidor municipal em Porto Alegre.
As capitais também absorveram a demanda de municípios menores, que, em piores condições financeiras, cortaram serviços.
"Aqui na região metropolitana do Recife já fecharam maternidade", diz Dantas. "Agora, cada um vai pagar o custo da falta de disciplina fiscal."
Prefeitos, secretários e economistas ouvidos pela Folha dizem que, se a economia não se recuperar no curto prazo, a precariedade tende a aumentar.
Eles apontam algumas bombas-relógio para a próxima gestão: uma delas é o reajuste das tarifas de transporte público. Sem dinheiro, as prefeituras devem diminuir a participação na tarifa -e a conta vai sobrar para os usuários.
Os prefeitos reivindicam a criação de um imposto sobre o combustível para ajudar a pagar a conta, mas a pauta depende de aprovação do Congresso.
A previdência é outra despesa crescente.
"É algo difícil de conter, porque existem direitos adquiridos", afirma a secretária de Finanças de Curitiba, Eleonora Fruet.
Fonte: Folha de São Paulo
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