Funcionários públicos doaram somas superiores a seus salários a candidatos a vereador aos quais são ligados.
Levantamento feito pela Folha a
partir da declaração parcial de receita aponta contribuições de servidores a nove candidatos a vereador em São Paulo, inclusive o presidente da Câmara Municipal, Antonio Donato (PT).
Dos 46 doadores do petista, 27 são funcionários municipais. A maioria trabalha na Secretaria Municipal de Obras, cujo titular, Roberto Garibe, foi adjunto de Donato na Secretaria de Governo.
Circunstâncias nas quais o salário do servidor sugere incompatibilidade com a doação levantam suspeitas de lavagem de dinheiro, segundo especialistas.
Uma assessora do vereador Alfredinho (PT), Laiane Ferreira da Silva, doou R$ 4.000 à campanha do chefe, apesar de dever mais de R$ 13 mil a instituições comerciais e financeiras. Seu vencimento na Câmara é de R$ 6.920.
Outros cinco funcionários municipais deram ao petista mais do que ganham. Walkyria Pereira dos Santos, também assessora de Alfredinho, deu R$ 13 mil à campanha do chefe, embora receba da Câmara R$ 9.985.
Somadas, as contribuições de funcionários correspondem a mais da metade do total de R$ 222 mil declarado.
Informado sobre o teor da reportagem, o Ministério Público Eleitoral disse que instaurará procedimento para apurar eventuais irregularidades. "Há possível afinidade ideológica em alguns casos. Outros sugerem compra de CPF", afirmou o promotor José Carlos Bonilha, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.
Para ele, é possível que terceiros usem o nome de funcionários para camuflar doações.
As doações de empresas são vetadas a partir desta eleição. Apenas pessoas físicas podem contribuir, com o limite de 10% da renda declarada no ano anterior.
Professor titular de direito penal da USP, Renato de Mello Jorge Silveira disse que "se houver prova de que a doação foi incompatível com os vencimentos, pode-se ter apuração, em tese, tributária dessa pessoa para levantar como existe o dinheiro que nunca foi declarado. Isso pode levar até a uma apuração de lavagem de dinheiro".
FILHA DO CHEFE
Alguns candidatos obtiveram doações de funcionários públicos ligados a familiares.
O vereador David Soares (DEM), filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, desembolsou ele próprio R$ 50 mil por ora, metade do que arrecadou.
Quatro funcionários de seu irmão, o deputado estadual André Soares, doaram R$ 2.000 cada, e um doou R$ 3.300 ao vereador.
As candidatas tucanas Adriana Ramalho e Aline Cardoso receberam recursos de servidores dos gabinetes de seus pais, os deputados estaduais Ramalho da Construção e Celino Cardoso, também do PSDB.
Uma funcionária de Ramalho doou R$ 10 mil para a campanha da filha do chefe, para um salário de R$ 13 mil. Cinco servidores de Cardoso doaram juntos R$ 25 mil para Aline.
O vereador Reis (PT) registrou doação de ao menos 23 servidores municipais. Em seu gabinete, o assessor comissionado João Bosco Alves de Amorim destinou R$ 6.430, mais do que os R$ 6.295 que ganha.
O assistente Lindomjoson Barros de Araujo, que ganha R$ 7.148 da Câmara, tem pendências bancárias e comerciais de R$ 664 e, não obstante, doou R$ 3.750.
A totalidade da receita de Adolfo Quintas (PSD) até agora declarada advém de doações de funcionários, dois dos quais destinaram mais do que ganham por mês.
Um deles, o assessor legislativo Paulo de Oliveira Ludovico, doou R$ 20 mil. Seu salário na Câmara Municipal é de R$ 18 mil. O candidato, contudo, não aportou recursos próprios.
No caso de Juliana Cardoso (PT), doações de funcionários públicos somam 80% do total de quase R$ 53 mil declarados até agora.
O vereador Celso Jatene (PR), que deixou a Secretaria Municipal de Esportes para disputar a reeleição, recebeu contribuições de sete servidores públicos, cinco dos quais da pasta que ele comandava.
OUTRO LADO
O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Antonio Donato (PT), afirmou, por meio de nota, que "não há subordinação entre o vereador e servidores municipais que doaram espontaneamente à sua campanha".
As doações, disse a assessoria de Donato, foram "regulares e feitas dentro da lei".
O secretário municipal de Obras, Roberto Garibe, e Donato afirmaram manter relação de amizade antiga. A pasta observou que "não há nenhuma vedação na lei que impeça servidor público de efetuar doações" ou "que o diferencie de outros cidadãos".
Garibe disse que recebe salários superiores aos municipais porque pertence à carreira federal e, por isso a doação não extrapola o teto legal.
A candidata Adriana Ramalho (PSDB) encaminhou resposta da servidora do gabinete de seu pai na Assembleia Legislativa que contribuiu com sua campanha. Francisca Gomes informou que a conhece há 22 anos, "acredita que ela representa a renovação tão necessária à política e, por isso, apoia a candidatura como cidadã".
O vereador David Soares (DEM) disse que os servidores do gabinete de seu irmão na Assembleia Legislativa que fizeram doações "são amigos pessoais e certamente não houve qualquer tipo de constrangimento".
A assessoria da vereadora Juliana Cardoso (PT) disse que "não há nada que impeça" as doações de funcionários públicos e pessoas físicas "dentro do valor que a legislação atual estipula".
A assessoria do vereador Adolfo Quintas afirmou que as doações são regulares.
O deputado estadual Celino Cardoso (PSDB) disse que os funcionários de seu gabinete que fizeram doações à campanha de sua filha Aline Cardoso a vereadora têm relação pessoal com a família e contribuíram voluntariamente. "Eu não pedi a ninguém. Não há cobrança ou pressão", afirmou Cardoso.
Aline não foi localizada.
O vereador Reis (PT) disse que as doações de servidores resultam do envolvimento deles com o mandato e cumprem a legislação.
"Aprovamos o trabalho que ele realizou com a nossa participação. Todos nós nos organizamos para esse momento, procuramos guardar dinheiro", disse a assessora de imprensa Candida Vieira, que também contribuiu.
No caso de funcionários que doaram mais do que ganham ou que têm dívidas, ela afirmou que "as pessoas têm livre-arbítrio para empregar o seu dinheiro".
Os vereadores Alfredinho (PT) e Celso Jatene (PR) não responderam.
Fonte: Folha de São Paulo
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