De cada dez municípios brasileiros, seis estão com as contas no vermelho. E quem se eleger agora, em outubro, vai ter que lidar com isso.
A esperança resiste, apesar de tantas decepções. Não somos apenas um Brasil. Somos muitos, diferentes. Mas queremos algo semelhante das pessoas em quem vamos votar.
“Educação, saúde, não pegar o dinheiro do povo e roubar”, enumera o vendedor Manuel Barroso.
Simples, né? Então, por que é tão difícil fazer isso nos nossos municípios?
“É um prefeito que não foi educado para a função de gerente, de gestor de recursos públicos. É um secretário da Fazenda que inexiste porque não há como nomear alguém. Eu diria que, mais do que má-fé, mais do que crime, o grande desafio é educar o prefeito, educar o gestor de recursos públicos para que ele conheça como usar a lei”, diz o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Torquato Lorena Jardim.
Em 60% dos municípios brasileiros, os vencedores da eleição vão receber prefeituras com as contas no vermelho.
“A questão não é de falta de recursos, mas sim de eficiência na aplicação dos recursos públicos. Extrai-se muito da sociedade a qualidade dos serviços, que são precários”, explica a diretora de Desenvolvimento Econômico da Firjan, Luciana de Sá.
“Sem dúvida nenhuma, o problema é a má-gestão, até porque os municípios administram um orçamento equivalente ao orçamento da Argentina e do Chile somados”, analisa o gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Guilherme Mercês.
E grande parte desse dinheiro vai para a folha de pagamento dos funcionários. A Lei de Responsabilidade Fiscal - aquela que determina as regras para administrar o dinheiro dos impostos - diz que, de cada R$ 10 do orçamento de municípios, R$ 6, no máximo, podem ser usados para pagar funcionários.
Mas 740 municípios gastam mais do que isso. Um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que o município que gasta o maior percentual do orçamento com funcionários é este: Palmeirina, uma cidade pobre do interior de Pernambuco, de 8 mil habitantes.
De cada R$ 100 que a cidade recebe, R$ 83 são gastos com salários. Sobra pouco para todo o resto – saúde, por exemplo. No hospital da cidade só tem médico duas vezes por semana e os pacientes reclamam de falta de remédios.
“Para se ter uma ideia, o funcionalismo municipal custava, em 2006, em torno de R$ 839 por habitante brasileiro. Em 2015 esse custo passou pra R$ 1.401. Ou seja, cada cidadão passou a pagar muito mais pelos funcionários públicos, sem que houvesse essa contrapartida em termos de serviços”, analisa Guilherme Mercês.
Os gastos cresceram e o dinheiro diminuiu. Resultado da queda de arrecadação por causa da crise econômica. E muitas prefeituras têm problemas ainda mais graves. Só em agosto e setembro de 2016, em todo o país, seis prefeitos e ex-prefeitos foram presos preventivamente ou condenados na justiça, por corrupção.
“A gente acredita nele, vota nele, e de repente a gente quebra a cara. É o que aconteceu aqui em Goiatins”, afirma o motorista Lenildo Alves de Souza.
O município fica no estado de Tocantins. Há dois meses, foram presos o prefeito, a primeira-dama e outras dez pessoas. São suspeitos de pertencer a uma quadrilha acusada de desviar dinheiro público para, por exemplo, comprar moto aquática, pagar férias na praia.
“A situação é drástica, a cidade parou, a economia da cidade vive em torno de prefeitura”, diz o comerciante José Luiz Brasileiro.
Um sistema subterrâneo de irrigação, que, pelo jeito, há muito tempo não é usado. É uma das poucas instalações prontas de uma obra que deveria ser o orgulho de Goiatins: o estádio municipal de futebol. Só o que lembra um estádio é um pedaço de arquibancada. Do outro lado, mais um monumento ao mau uso do dinheiro público: uma escola inacabada, ao custo de R$ 900 mil. Deveriam estudar 175 crianças e a obra deveria ter ficado pronta em julho de 2015, há mais de um ano. Mas é só olhar para perceber que tão cedo não vai ter nenhuma criança estudando.
A escola onde as filhas de Maria Aparecida e Adão estudam é um prédio improvisado onde, no dia em que a reportagem do JN esteve lá, não tinha aula.
“A gente veio aqui verificar, e aí estava sem energia. Não está tendo aula no momento”, conta Maria Aparecida.
Nos últimos 13 anos a Controladoria Geral Da União - atual Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle - fez 230 operações especiais em municípios onde havia desvio de dinheiro federal.
“O que mais chamou a atenção é que 67%, mais de dois terços em educação e saúde, são prefeitos sonegando merenda escolar, sonegando medicamento, sonegando saneamento básico. É a destruição de uma geração futura. E isso para mim foi o mais chocante”, afirma o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle.
O posto de saúde de Goiatins é uma das poucas obras que ficaram prontas na cidade, mas não funciona há um ano porque a prefeitura não contratou médicos. E só está tão bem conservado graças ao vigia, Gilvan, o único funcionário que restou ali.
“Tem gente que não pega nem uma coisa dessa aqui [vassoura] para fazer. Que sente vergonha. Eu não, não sinto vergonha, tem que zelar pelo que é nosso”, destaca Gilvan.
É isso, Gilvan, que cada brasileiro espera dos vencedores destas eleições, porque mais uma vez vamos dar a eles algo valioso: a nossa confiança.
“Eu gosto de confiar nas pessoas, porque a gente deposita o voto e o nosso voto não é brincadeira, é coisa séria.
E eu digo assim, o meu voto, eu sempre vou votar, porque política, se souber valorizar, política é coisa boa. Porque a população precisa dos políticos, precisa de pessoas que realmente se disponham a trabalhar e a fazer pela população, não só para si”, afirma a vendedora Irisneide da Veiga Brasileiro
O prefeito de Palmeirina, José Renato Sarmento de Melo, disse que os remédios são repostos todo mês, mas faltam recursos. E que, ao assumir, os gastos com pessoal já estavam acima do permitido pela lei, mas que precisou contratar ainda mais servidores.
O advogado do ex-prefeito de Goiatins disse que as acusações são inverídicas e que, quando a fraude foi descoberta, Vinícius Donnover demitiu os envolvidos e enviou o caso para o Ministério Público.
Fonte: Jornal Nacional
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