No começo do ano o Flamengo monitorou Miguel Borja, que voltava ao pequeno Cortuluá após sair duas vezes da Colômbia para
tentar a sorte na Argentina e Itália. Mas a pedida de US$ 1,5 milhão (mais de R$ 5 milhões) por um jogador que acabava de completar 23 anos e já em seu sétimo clube assustou. Pelo Independiente Santa Fé, um dos grandes colombianos, fizeram uma dezena de gols em 50 partidas, sua temporada com mais tentos acumulados. Pareceu pouco para tal investimento.
Era, de fato, caro, tanto que mesmo depois de se tornar artilheiro no campeonato do país, o site Transfer Markt o avaliava no equivalente a R$ 2,755 milhões. Na realidade, depois de seu desempenho na temporada encerrada em junho, o atacante viu o preço real subir ainda mais e, oferecido ao Vasco, não veio para o Brasil justamente por conta dos valores. O Palmeiras também chegou a pensar dele, mas não avançou.
Após vender jogadores e fazer caixa, os dirigentes do Atlético Nacional, que o viram de perto marcar quase um gol por jogo no último certame colombiano, investiram em Borja. Estreou como carrasco do São Paulo na noite de quarta-feira no Morumbi. Sua trajetória você conhecerá nas próximas linhas, no texto de Joza Novalis.
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Com mais de 70 mil pessoas no Morumbi, o cenário parecia todo configurado para a festa tricolor. No fim, todos deixaram o estádio estupefatos com a vitória incontestável do Atlético Nacional e com o desempenho estrondoso de Miguel Borja, o dono da bola no jogo de ida de uma das semifinais da Libertadores. Contudo, quem é o "garoto-armário" que ninguém conhecia? Por que clube algum foi atrás do seu futebol? Em que sentido o rival do São Paulo deu um tapa na cara nas pretensões imberbes e vacilantes de nossos dirigentes?
Mas quem é o jogador que silenciou o Morumbi? Vejamos um pouco de sua infância
Miguel Ángel Borja Hernández tem 23 anos, 1,83 metro de altura e nasceu em Tierralta, pequena cidade do departamento de Córdoba, Colômbia. Sua infância segue o roteiro de muitos garotos pobres do Brasil que foram resgatados ao anonimato graças à magia do futebol. Contudo, vale notar: embora muito pobre e pertencente a um povoado humilde, sua família sempre o protegeu do recrutamento que o crime e a violência costumam praticar às crianças esquecidas pelo Estado.
Borja é o filho mais novo de Nicolásia e José María Hernández. Na casa, ele convivia com mais cinco irmãos e duas irmãs. A fome rodeava a família sem dar trégua durante toda a infância do artilheiro do último Colombiano. Seu pai se virava vendendo o que conhecemos como "Jogo do Bicho"; sua mãe trabalhava dia e noite vendendo esfirras e outros salgados. "Minha mãe vendia empanados para que tivéssemos o que comer. Mas às vezes não havia nada e era preciso comer a carne destinada para os salgadinhos. Nós a comíamos com tristeza, às vezes em silêncio, pois sabíamos que não a teríamos para a preparação dos salgadinhos; o alimento daquele dia era a própria fome de dia seguinte".
O pai alternava broncas aos filhos com a frustração de não conseguir vender os bilhetes de loteria: "Porque ele era muito risonho, seu silêncio provocava nossa dor, pois sabíamos que de alguma forma ele estava sofrendo". E a miséria ofendia: "quando chovia, baldes e bacias eram necessárias até sobre nossos colchões para que as goteiras não inundassem nossa casa", diz Borja.
Porém, a vida deixa sempre lições para aqueles se abrem para aprendê-las: "a fome foi o que me fez um homem; em todos os momentos difíceis no futebol, foi a lembrança dela que me fez superar os obstáculos". E ela de fato rondava a casa dos Hernández de forma incessante: "Quando havia algo para o café, não havia para o almoço; quando tínhamos o almoço, ficávamos sem o jantar". Antes disso, quando ainda estava em Tierralta, o garoto varria a frente das casas dos vizinhos e se oferecia para outros pequenos serviços. "Eu ganhava alguns trocados e sempre os levava para minha mãe; só que ela dizia: ‘guarda esse aí para você comer um lanchinho na escola'".
A paixão de Borja era o futebol. Seu ídolo, um goleador chamado "Zorra Guerra", que desequilibrava no Unión Escolar, equipe amadora que disputava uma competição no povoado. Quando via a seleção da Colômbia na TV, chegava a chorar; nas ruas, chamava a atenção de todos pela forma como era íntimo da pelota. Certo dia, atendendo a seus inúmeros pedidos, sua mãe permitiu que ele partisse em busca do seu destino. A partir daí, o garoto peregrinou pela Colômbia à procura de uma oportunidade. O dinheiro para a empreitada vinha do trabalho interminável de Dona Nicolásia com as esfirras. Muitas vezes, o garoto caminhava centenas de quilômetros para não gastar os trocados que sua mãe lhe entregava. Por fim, após várias tentativas infrutíferas longe de casa, teve uma chance justo num pequeno clube de Córdoba, o Pony Gol. De lá foi para o Deportivo Cali; começava sua história no futebol. Contava então com 18 anos de idade.
No Cali, Borja foi sempre um elemento estranho. O clube já trabalhava a sua "cantera" de forma profissional e seus jogadores contavam com a preparação técnica que faltava ao garoto de Tierralta. Peregrinou para vários locais até chegar ao Livorno da Itália. Tampouco foi aproveitado. Teve algum destaque no Olimpo, da Argentina, antes de ser transferido para o Independiente Santa Fé. Era a época de comando do controverso técnico Gerardo Pelusso, conhecido por relacionar-se mal com todos os jogadores que ousam não acatar suas ordens. Borja tinha aprendido com "El Zorra Guerra" a sair da área para buscar o jogo. Pelusso queria um homem fixo dentro da área; deu poucas oportunidades para o garoto, praticou, para muitos, o desgaste do atleta com a torcida, colocando-o sempre em situações anormais. Por fim, recomendou à direção do clube que se livrasse de Borja.
Emprestado ao pequeno Cortuluá, Borja finalmente ganhou uma chance para mostrar seu futebol. Foi o recordista de gols na história dos torneios curtos no país. Anotou 19 tentos, um a mais do que a marca anterior, que pertencia a Jackson Martínez. Nas semifinais da Liga Águila, se deparou com o Santa Fé. Na partida de ida, fez os dois gols da vitória por 2 a 1. Na volta, no El Campín, se encontrou com a torcida que também o rejeitara no passado e que o ofendia dentro de campo. Los Cardenales venciam por 1 a 0 até os 40 minutos do segundo tempo. Foi então que "El Tanque" Borja decretou o empate e calar o estádio. A "Lei do ex" deixava o recado.
Por que nenhum clube brasileiro contratou Borja?
Pelo seu potencial, Borja era para ser buscado no Deportivo Cali, ainda em 2011 e começo de 2012; valia R$280 mil. Também no Olimpo de Bahía Blanca ou no Santa Fé, quando valia R$2,4 milhões. Só que o argumento de que o atleta mostrava dificuldades para se adaptar se fazia aceitável. Porém, quando terminou a Liga Águila, esgotaram-se todos os argumentos contra a contratação do atacante. Neste momento, ele foi indicado ao Palmeiras, que o tentou contratar. Mas os dirigentes não abriam mão de que fosse por empréstimo. Ao receberem a negativa dos cartolas do Santa Fé, desistiram. Também foi indicado ao Vasco da Gama, que o analisou à distância, mas achou que seu preço de R$6 milhões era demais. Descartou.
Os dirigentes do Atlético Nacional sinalizaram com a possibilidade de contar com o goleador mesmo antes de terminar a Liga Águila. Tinham a informação de que Borja não desejava retornar ao Santa Fe e que seus dirigentes o desejavam negociar em definitivo. A ideia era a de buscar o atleta para ser o substituto de Ibarbo. Borja deveria ser este jogador, pois o seu perfil fora longamente estudado pelos profissionais da equipe de inteligência do clube. Mas, para evitar problemas circunstanciais, como lesão, o clube foi contratou mais dois centroavantes, o excelente Christian Dájome e o argentino Ezequiel Rescaldani.
O que fez "Borjagol" chegar ao Atlético Nacional foi a convicção de seus dirigentes de que não pode haver vacilo na hora de contratar certos jogadores. Os valores foram de R$6,6 milhões de reais por 70% dos direitos de Borja. A pretensão do clube era a de pagar essa cifra por 100% dos direitos. Mas entre os cartolas verdolagas havia a certeza de que se não dessem o tiro certo, poderiam perder o jogador para algum clube do exterior. Então, deixaram de lado aquilo que, em regra, tem feito parte de nossos dirigentes: o vacilo na hora de dar a cartada final para uma contratação. O resultado já sabemos pela brilhante atuação no Morumbi.
Borja se deslocou por todos os setores do ataque. Acertou o travessão de Denis. Provocou a expulsão do capitão Maicon, jogador-símbolo da campanha tricolor. Foi quem chegou duas vezes às redes. Um show em campo. Fora dele poucos sabem que o menino de Tierralta já deu passos concretos para adquirir uma nova casa para a família. Sua mãe, Dona Nicolásia, não precisa mais vender salgadinhos; o pai, Seu José María, já se aposentou das longas caminhada para vender bilhetes de loteria.
Fonte: ESPN
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