Foi no início de agosto de 2015 que a neuropediatra Vanessa Van der Linden, 46, suspeitou que uma doença desconhecida estava
atingindo bebês em Pernambuco.
Ela tratou de dois gêmeos. Um era saudável. O outro tinha só 28 cm de perímetro cefálico e dobras de pele no crânio. A tomografia mostrava calcificações no cérebro.
Vanessa fez exames para detectar se a mãe havia tido citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, HIV, parvovírus, que podem afetar o feto. Tudo negativo. Mas a mãe contou que, no primeiro mês de gravidez, sua pele ficou cheia de bolinhas vermelhas.
Em 16 de setembro, no hospital em que Vanessa atua, o Barão de Lucena, ela se surpreendeu ao ver três bebês com microcefalia. Fez tomografia e o exame foi parecido com o do primeiro menino.
Na semana seguinte, mais dois pacientes com microcefalia. Grande parte das mães havia tido as tais bolinhas vermelhas. "Eu pensei: tem alguma coisa errada."
No fim de setembro, a mãe de Vanessa, que também é neuropediatra, disse para a filha que estava com sete pacientes com microcefalia. Ligaram para outras maternidades, havia mais casos.
Elas entraram em contato com a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, que avisou o Ministério da Saúde.
Começaram a fazer exames de zika. "Deixou de ser coincidência e passou a ser epidemia", disse Vanessa.
Hoje, uma das primeiras médicas a identificar casos de microcefalia ligada ao zika acompanha 69 bebês com a má-formação.
Ela afirma que parte da população já pode estar imunizada –após a infecção, é improvável pegar o vírus da zika pela segunda vez–, o que diminuiria o número de novos casos. "Mas não sabemos como vai ser neste ano", diz.
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Folha - Como determinar se um bebê tem microcefalia por causa do zika?
Vanessa Van der Linden - É muito difícil determinar se a mãe ou o bebê tiveram o zika. O exame PCR só identifica o vírus até cinco a sete dias depois do início dos sintomas. A sorologia, que detecta anticorpos, também só detecta até uns cinco dias depois da infecção e não é muito eficaz, dá muito resultado cruzado com dengue. Por isso nós fazemos por exclusão. Acompanhamos o quadro clínico, a ocorrência de erupções na pele da mãe na gravidez. Além disso, as tomografias dos bebês com microcefalia ligada ao zika são muito típicas.
A senhora acha que existe supernotificação hoje?
Todo bebê que nasce com perímetro cefálico inferior a 32 centímetros deve ser notificado. São casos suspeitos, que devem ser examinados. Mas tem criança que tem 31,5 cm e não tem problemas, só tem a cabeça pequena. Crianças prematuras também nascem com a cabeça menor. Mas não acho que foi errado estabelecer a notificação a partir de 32 cm: era o jeito de não deixar passar nenhum caso. Tem algumas crianças que nasceram com 32 cm e até 33 cm e têm os mesmos problemas causados pelo zika. Talvez fosse melhor divulgar só os casos confirmados.
A senhora acha que, dos notificados, quantos serão confirmados em Pernambuco?
No início achava que ia ser em torno de um terço. Mas agora há tanto caso notificado, acho que vai ficar em um quarto. Aqui em Pernambuco acho que teremos em torno de 300 pacientes confirmados. Mas que sejam 300, é uma geração de crianças gravemente afetadas e um número muito maior do que o que registrávamos normalmente.
Há uma redução no total de novos casos?
Diminuiu muito, mas ainda vemos novos casos. Precisamos ter em mente que a infecção por zika ocorre seis a sete meses antes do nascimento dos bebês. As mães se contaminaram no pico da epidemia no Estado, entre fevereiro e maio. Agora, neste ano não sabemos como vai ser.
Por quê?
A estação de zika começa em fevereiro, março. Mas agora temos parte da população imunizada. As mulheres que tiveram zika provavelmente não podem pegar de novo, mas não temos certeza. Tudo indica que ficam imunizadas, a exemplo de dengue [o vírus da dengue tem quatro subtipos; uma vez infectada por um deles, a pessoa fica imune a ele mas não aos demais]. Houve um volume tão grande de pacientes porque a zika chegou em uma população em que ninguém tinha imunidade.
Qual é o prognóstico para os bebês com síndrome congênita do zika?
Depende do grau da lesão. Pacientes mais graves não terão desenvolvimento, não vão segurar o pescoço, terão de ser alimentados por tubo. Alguns podem chegar a andar, comer sozinhos. Mas não sabemos nada, precisamos acompanhar pacientes pelo menos até dois anos. A maioria tem lesão muito séria.
Foi acertada a decisão da OMS [Organização Mundial da Saúde] de decretar que a microcefalia ligada à zika é uma emergência global?
Sim. A gente precisa de recursos para combater o vetor, para pesquisas, para exames, já que hoje fazemos diagnóstico por suposição, e para o tratamento dessas crianças.
A zika deveria ser incluída nas situações em que o aborto é permitido por lei?
Na Polinésia Francesa, onde houve zika e o aborto é permitido, houve muitos abortos de bebês com microcefalia. Mas o grau de lesão das crianças varia muito. Eu acho complicado, porque aí você começa a autorizar aborto para qualquer má-formação. É uma questão ética.
Que conselho daria para quem está pensando em engravidar?
Quem tem condições deveria esperar. Tem muita coisa que vamos descobrir nos próximos meses. Daqui a um tempo será possível fazer a sorologia, saber se você é imune. Mas algumas mães falam: já tenho idade, preciso engravidar agora. Aí digo: então tome cuidado, se proteja.
O Brasil está preparado para lidar com a microcefalia?
Não. A saúde no Brasil já está passando por uma crise. São poucos hospitais, poucos médicos. Não sei como vamos mudar isso.
Fonte: Folha de São Paulo
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