Maria Vitória Salustino de Souza, de 15 anos, percorre os 102 km entre Nova Cruz, no agreste potiguar, e a capital Natal pelo menos duas vezes por semana. Vai
com a filha Maria Priscila, de 4 meses, no colo e uma mochila com tudo o que a criança possa precisar nas costas. Vitória não encontrou neurologista ou fisioterapeuta em sua cidade para atender a filha, que nasceu com microcefalia. O caso de Vitória e Priscila é exemplo da dificuldade que as famílias têm encontrado para obter atendimento para crianças que nasceram com a má-formação no cérebro.
O Rio Grande do Norte notificou 318 casos suspeitos de microcefalia. É o quarto estado em número de registros, atrás de Pernambuco, Paraíba e Bahia. Confirmou 70, descartou 20. Os demais estão em investigação. Mas apenas 23 crianças estão sendo acompanhadas no Centro Especializado de Reabilitação e Habilitação (CERH), referência para o atendimento.
O Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol), também na capital, é outro centro de referência, mas os pacientes não têm chegado. “Ainda não sabemos como será o fluxo”, disse a terapeuta ocupacional Mila Galvão. Há mais um centro habilitado, em Pau dos Ferros, município a 392 km de Natal.
O CERH tenta acomodar as crianças que chegam com microcefalia, que são prioridade, sem deixar de lado os demais pacientes. São cinco fisioterapeutas na reabilitação infantil. Já foram 23. “Além dos 300 casos de microcefalia temos centenas de outros esperando”, afirmou Suily Alencar, chefe de reabilitação infantil e adulta.
Os profissionais do centro se esforçam para atrair as mães de bebês com microcefalia. Montaram o projeto Criando Laços, em que assistentes sociais acompanham as famílias e tentam fazer com que mantenham as crianças no tratamento.
“Essas mães chegam fragilizadas, vivenciam ainda um processo de luto. Sofrem discriminação. Até mesmo das outras mães que aguardam atendimento aqui. Algumas mães cobrem o rosto dos filhos e não tiram. Isso tudo dificulta o vínculo com o bebê”, contou a assistente social Clemeilda Pereira, coordenadora do programa.
Já houve caso de mãe que rejeitou o tratamento. Outra, trancou a porta de casa ao ser procurada por agentes de saúde. Outra dificuldade é que as que moram mais longe dependem do transporte das prefeituras interioranas. Com a crise financeira dos municípios, falta dinheiro para a gasolina. “Tem havido muita falta recentemente”, disse Suily.
Parto
Vitória soube que a filha tinha microcefalia na hora do parto. “Para mim, não muda nada. Só muda porque o povo fica perguntando chamando de ‘tadinha’. Queria que não falassem nada. Se acostumassem.” Na sexta-feira, marcou a primeira consulta da menina com fisioterapeuta. “Acredito que ela vai estudar, vai andar, vai falar.” Priscila é “mais irritada”, diz a mãe. “Chora muito. Ela se cala só quando quer.”
Também é assim com João Lucas, de 6 meses, filho de Ana Lúcia Silva de Melo, de 16 anos. O bebê já é atendido pela equipe de estimulação precoce. “Aprendi que tenho que falar com ele, brincar, mesmo se ele não estiver entendendo. Eu brinco. E ele ri. Às vezes, fica sério”, disse Ana Lúcia.
Segundo a fisioterapeuta Ana Cristina de Medeiros, as crianças nascidas depois que as mães tiveram zika têm outros comprometimentos além da microcefalia: há casos de luxação do quadril (deslocamento), deformidades em pés e mãos, artrogripose (rigidez nas articulações). “Em muitos casos, a fisioterapia consegue reverter essas condições, fazemos órteses para ajudar a criança a abrir as mãos. Mas o principal do nosso atendimento é mostrar como a mãe pode ajudar no tratamento. Com amor, com os cuidados com o filho. Ela precisa criar vínculo, conversar, porque aí as coisas se tornam mais fáceis. Brincar é muito importante.”
O atendimento no CERH é multidisciplinar, com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, neurologistas. Na sexta, nem todos os setores funcionavam – há greve do pessoal da limpeza. João Lucas tinha consulta com o neurologista, desmarcada por causa de uma emergência: uma criança que nasceu com microcefalia sofreu convulsões. O médico foi acompanhar esse paciente.
“Tive que chamar uma ambulância para removê-lo porque não tenho o medicamento que me permitiria atendê-lo. Já pedi o remédio à Secretaria Estadual de Saúde, mas não enviam”, disse o neurologista Arthur Ribeiro. João Lucas também teve convulsões enquanto aguardava a consulta, mais leves do que as da outra criança. Foi encaminhado para exames, e a consulta, remarcada.
Uma equipe do Ministério da Saúde foi ao Rio Grande do Norte discutir a o cadastro de novos centros de reabilitação. A intenção é ampliar a rede em março, com a habilitação de mais cinco instituições, além do convênio com instituições filantrópicas.
Fonte: Estadão
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