No prédio onde funciona até hoje a Biblioteca Central Zila Mamede fichas sobre potenciais inimigos políticos do regime militar eram produzidas para abastecer os
órgãos de segurança pública. Lá estava instalada a Assessoria de Segurança e Informações (ASI), braço do governo federal dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para monitorar estudantes, professores e servidores.A história da ASI está entre as 489 páginas do relatório final da Comissão da Verdade da UFRN, que pesquisou durante três anos as ações do regime militar na universidade. O documento será lançado oficialmente nesta quarta-feira (14), às 9h, no Auditório Otto de Brito Guerra, na reitoria.
Os 51 depoimentos colhidos e as diversas pesquisas desenvolvidas em pouco mais de três ajudaram a recontar as ações do regime militar dentro da universidade e as mortes de dois alunos e um professor vinculados à universidade.
O professor Luiz Ignácio Maranhão e os alunos Emmanuel Bezerra dos Santos e José Silton Pinheiro, todos potiguares, foram reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade como vítimas da ditadura militar. Os desaparecimentos e mortes aconteceram entre 1972 e 1974 nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Além dos alunos e professores, um dos relatos contidos no documento, registrado em Caicó, na região Seridó, fala na morte de outro potiguar, Zoé Carlos de Brito. O estudante morreu em São Paulo em 1972.
Diário de Natal fala sobre a presença da ASI na UFRN (Foto: Divulgação/Comissão da Verdade da UFRN)
Antes de ter sua estrutura concentrada no campus central, a universidade viu seus prédios espalhados pela cidade serem sitiados e virarem palcos de pelo menos quatro prisões feitas por militares, conforme o relatório da Comissão da Verdade.
"Ouvimos casos em que aulas foram interrompidas para pessoas serem retiradas para interrogatórios. Os depoimentos também falam sobre torturas sofridas em unidades militares de Natal e Recife", detalha o advogado Juan de Assis Almeida, membro e representante estudantil da comissão.
Um dos depoimentos fala sobre uma simulação de execução em uma unidade militar de Natal. "Foi um relato de tortura psicológica. A pessoa foi colocada diante de um batalhão. Era a simulação de uma execução. Nos foram relatadas também as mais variadas torturas, como choque elétrico e pau de arara, um instrumento que era utilizado para tortura", explica Juan.
Nas exonerações e contratações da UFRN, a posição ideológica tinha peso, segundo o membro da comissão. O relatório contabiliza que mais de 20 professores foram exonerados ou tiveram a contratação bloqueada na UFRN por questões políticas. As práticas relatadas pela comissão incluem ainda a interceptação de correspondências, proibições de eventos e assembleias de estudantes, censuramento de publicações e investigações militares na universidade.
"Nos concursos públicos da época era exigido um atestado ideológico com o histórico das atividades políticas das pessoas", ressalta Juan Almeida.
As informações eram colhidas pela ASI e serviam para direcionar as contratações. Instalada em 1971, a assessoria de segurança deixou as dependências da Biblioteca Central Zila Mamede em 1985 e só foi extinta em 1990.
Ideologia influenciava nas decisões de exonerações (Foto: Divulgação/Comissão da Verdade da UFRN)
"Foi uma experiência dolorosa. Houve repressão, inquéritos, enquadramentos e prejuízos para a universidade enquanto espaço acadêmico", concluiu o presidente da comissão e professor aposentado de Direito, Carlos Roberto de Miranda Gomes.
Potiguares mortos
O professor Luiz Ignácio Maranhão Filho era irmão do ex-prefeito Djalma Maranhão, que teve o mandato cassado durante o regime militar. De acordo com a comissão, o professor foi preso e torturado pelo Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) em estabelecimentos militares no Rio de Janeiro e São Paulo. O natalense Maranhão desapareceu em 1974 e seu corpo nunca foi encontrado.
Estudante da Faculdade de Sociologia, Emmanuel Bezerra dos Santos era natural da cidade de São Bento do Norte e foi diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFRN. Com a edição do AI-5 foi preso e condenado. Morreu no dia 4 de setembro de 1973, aos 26 anos, após ser torturado nas dependências do DOI-CODI de São Paulo.
Enterrado como indigente em SP, seus restos mortais foram posteriormente exumados e trazidos para Natal.
O estudante de Pedagogia José Silton Pinheiro morreu aos 23 anos em 1972. De acordo com a Comissão da Verdade da UFRN, o estudante foi assassinado e teve o corpo carbonizado em uma ação comandada pelo DOI-CODI no Rio de Janeiro.
Nascido em São José de Mipibu, José Silton Pinheiro foi enterrado como indigente. No seu registro de óbito consta "Inimigo da Pátria (terrorista)".
Um dos depoimentos que consta no relatório da Comissão da Verdade fala ainda sobre a morte de Zoé Carlos de Brito, potiguar da cidade de São João do Sabugi. A versão oficial dá conta que Zoé foi encontrado morto em uma estação de trem em São Paulo. A família teria recebido pressões para não contestar o que foi dito pela polícia.
Pesquisa aconteceu entre 2012 e 2015 (Foto: Divulgação/Comissão da Verdade da UFRN)
Fonte: G1
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