Enquanto as tropas dos Estados Unidos no Afeganistão apoiam milícias locais no combate ao Talibã, soldados americanos são instruídos a ignorar o abuso sexual de crianças
por seus aliados afegãos, segundo uma reportagem do jornal “The New York Times” deste domingo (20). A prática, geralmente vista como demonstração de poder entre líderes de milícias, no entanto, vem enfrentando cada vez mais resistência dos americanos no país, gerando polêmica quanto à política de não intervenção americana, que busca manter boas relações com a polícia do Afeganistão e não impor valores culturais em um país onde a pederastia é frequente.A “brincadeira de menino”, como é chamada a prática do abuso sexual de crianças no Afeganistão, é um problema de longa data no país. Não é raro que homens poderosos sejam cercados de meninos, como uma marca de seu status social. Por isso, os EUA afirmam que a escravidão sexual infantil no país deve estar sob a jurisdição exclusiva da legislação penal do Afeganistão, enquanto não for usada como arma de guerra, ainda que possa ser vista e ouvida nas bases militares divididas por afegãos e americanos.
No entanto, com o avanço das forças do Afeganistão apoiadas pelos EUA em vilarejos tomados do Talibã entre 2010 e 2011, a força desta prática se tornou mais clara para os soldados americanos, dividindo opiniões na corporação. A política de não intervenção do Exército americano vem sendo cada vez mais questionada, especialmente depois de alguns oficiais terem sido veementemente punidos por tentar impedir abusos a crianças e se envolvido em conflitos com autoridades afegãs.
“A razão para estarmos aqui é porque ouvimos as coisas terríveis que o Talibã fazia às pessoas e como eles desrespeitavam os direitos humanos”, contou ao “The New York Times” o ex-capitão das Forças Especiais Dan Quinn, que agrediu o comandante de uma milícia afegã apoiada pelos EUA por amarrar um menino à sua cama e fazer dele um escravo sexual. “Mas estávamos colocando no poder pessoas que faziam coisas ainda piores do que o Talibã, como me disseram alguns anciãos das aldeias”.
O ex-capitão americano relata ter recebido as primeiras denúncias de abuso sexual em 2011, quando o líder de uma milícia estuprou uma menina entre seus 14 e 15 anos, que acabou obrigada a se casar com ele. Mais tarde, no mesmo ano, depois de sucessivos casos semelhantes sem repercussão, a mãe de um menino de apenas 12 anos, que tinha sido escravizado por um líder local, implorou ajuda às forças americanas, temendo que seu filho fosse capturado novamente.
Foi então que, ao confrontar o comandante responsável pelo abuso, Quinn acabou agredindo o líder, que riu ao ser repreendido pelo capitão. Desde então, o capitão foi afastado das forças armadas e não voltou mais à antiga função.
“Eu o levantei e o joguei no chão. Eu fiz isso para garantir que a mensagem estava sendo entendida e que, se ele voltasse a procurar aquele menino, isso não seria tolerado”, disse Quinn.
Outro ex-oficial da marinha americana, que prefere não se identificar, conta o quão perturbador foi ter aberto a porta de um quarto da base militar e ver três ou quatro homens deitados no chão com crianças entre eles debaixo de lençóis. No entanto, ele, assim como alguns soldados, compreendem que o combate a este típico de prática não faz parte do seu trabalho. Para eles, o Exército americano deve manter o foco no seu objetivo de controlar o grupo armado responsável por massacres e atos de terrorismo no país.
“O objetivo maior era combater o Talibã, e não acabar com os abusos sexuais”, afirmou o ex-oficial.
Fonte: O Globo
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