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quarta-feira, setembro 16, 2015

Presos com passaporte falso na BA, sírios são proibidos de deixar Brasil

Hazem ao lado da mulher e dos três filhos, na Síria (Foto: Alan Tiago Alves/G1)Desde que saiu da Síria com a família para fugir da guerra civil, a vida do funcionário público Hazem Alyounes, de 42 anos, mudou completamente. Após abandonar a casa para morar de aluguel com a
mulher e os três filhos na Turquia, deixou os parentes e veio para o Brasil em busca de emprego. Como não encontrou trabalho, planejava ir para a Europa, mas foi preso antes de embarcar no aeroporto de Salvador junto com outros cinco conterrâneos com passaportes falsos, em março deste ano. Desde então, permanece na capital baiana sem poder retornar para casa, e a única forma de contato com a família é pelo celular.
Hazem e outros dois sírios - o comerciante Mehy Eddin Yousef e o farmacêutico Rami Saltouf  - estão há quase seis meses abrigados na sala onde funciona a biblioteca do Centro Islâmico da Bahia, localizado no bairro de Nazaré. Eles ficaram na cadeia por quatro dias, mas foram soltos e, agora, aguardam decisão judicial em liberdade provisória, sem poderem sair do país. Os outros três imigrantes foram para o Rio de Janeiro.
Segundo a Polícia Federal, após a finalização do inquérito que envolve o flagrante dos sírios, o documento foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), mas retornou para que algumas diligências complementares solicitadas fossem realizadas. Ainda conforme a PF, as diligências estão sendo realizadas e, depois, o inquérito será remetido novamente ao MPF. Em contato com o G1, o Ministério informou que aguarda o retorno do inquérito após as diligências por parte da PF.
Hazem deixou os familiares na Turquia com a promessa de que retornaria para buscá-los após arrumar um emprego, o que não aconteceu. Na Síria, perdeu um irmão de 17 anos, no ano passado, morto após ser atingido por uma bomba durante o conflito.
"A situação lá [na Síria] está muito complicada. Vivemos um momento de matança e muita bomba. Todo mundo está querendo fugir de lá. Até chegamos a pensar em sair do país usando um barco e ir direto para a Europa, mas, como muita gente está morrendo, ficamos com medo", diz. Desde janeiro desse ano, mais de 350 mil imigrantes atravessaram o Mediterrâneo e mais de 2.643 pessoas morreram no mar quando tentavam chegar à Europa.
Hazem conta que, quando saiu de casa, o filho mais novo nem sabia falar. Hoje, com dois anos de idade, o menino conversa todos os dias com o pai. "Falo com ele diariamente por telefone. Ele, minhas duas filhas [de 4 e 6 anos] e minha mulher choram muito e sempre pedem por favor para que eu volte", afirma. Um dos contatos com a família, que está a mais de 13 mil quilômetros de distância, foi presenciado pela equipe do G1.
Após as conversas por celular, Hazem não esconde a saudade e não segura a emoção, sobretudo ao ver o filho caçula, que está com a perna enfaixada após sofrer um acidente.
"Na Turquia, disseram para eles que o Brasil era bom, que iriam arrumar emprego. Falaram que a vida social aqui era boa e que a economia era forte, mas, quando chegaram, perceberam que não é bem assim como diziam", destacou o coordenador do Centro Islâmico da Bahia, Sheikh Abdul Hameed Ahmad, que recebeu os imigrantes.
Mais de 240 mil pessoas, entre elas 12 mil crianças, morreram na Síria desde 2011, ano em que estourou a guerra civil no país. Em 2015, a guerra completou quatro anos de conflitos entre tropas leais ao regime, vários grupos rebeldes, forças curdas e organizações jihadistas, entre elas, o Estado Islâmico.
Estimativas da ONU apontam que mais de 7 milhões de sírios abandonaram suas residências dentro do país e quase 60% da população vive na pobreza. Os números refletem na alta taxa de emigração do país – cerca de 4 milhões de refugiados sírios, a maior população de refugiados do mundo. Essa já é considerada a pior crise de refugiados desde 2ª guerra, segundo organizações como a Anistia Internacional e a Comissão Europeia.
A Turquia é o principal destino dos imigrantes. O país já recebeu 1,8 milhão de refugiados desde o início da guerra civil na Síria, Iraque, Jordânia, Egito e Líbano. Um relatório da ONU aponta que, somente no primeiro semestre deste ano, 44 mil pessoas saíram da Síria com destino à costa europeia.
Imigração
Hazem e os outros sírios chegaram ao Brasil no dia 8 de março. Cada um saiu da Turquia com cerca de 3 mil euros. Como não encontraram trabalho no Rio de Janeiro, decidiram viajar para a Alemanha, 15 dias após desembarcarem em solo nacional. Para isso, compraram passaportes falsos - cada um no valor de 2.500 euros. "Depois, viajaram para Salvador, de onde partiriam para a Europa, mas foram flagrados com os documentos falsificados e levados para o presídio", disse Sheikh Abdul. "Eles foram soltos no dia 27 [de março] para que pudessem responder em liberdade e desde então estão aqui conosco".
Longe da família, os imigrantes estão deprimidos e nem comem direito. Eles sequer saem às ruas de Salvador, sobretudo após terem os celulares roubados a caminho de um mercado durante um assalto, nas proximidades do Centro Islâmico, há pouco mais de um mês. "Às vezes penso que eles vão ficar loucos. Choram, gritam, estão desesperados. Não conseguem nem ficar sentados", dise Sheikh Abdul.
Assim como a família de Hazem, os parentes do comerciante Mehy Eddin Yousef, de 48 anos, ficaram na Turquia, onde pagam aluguel no valor de 200 dólares. Eddin diz que os familiares precisam fazer empréstimos para se manterem e que chegam a passar fome. Diabético e com problemas cardíacos, Eddin é pai de dois filhos - um jovem de 19 anos e uma adolescente de 14. Para sobreviver na Bahia, conta com ajuda de amigos. "O aluguel lá na Turquia está atrasado. E minha família ainda tem que arcar com alimentação, água, luz e outros gastos. O dinheiro que amigos mandam para mim aqui eu uso quase tudo para comprar remédios", conta.
Com o plano de ir para a Europa frustrado, os Sírios querem agora retornar para a Turquia e tentar ganhar a vida ao lado dos parentes. "Eles querem retornar para lá porque, segundo eles, é mais fácil para conseguir emprego. Além disso, caso não consigam pagar o aluguel da casa, podem ir para o campo de refugiados do país, onde eles disseram que policiais podem ajudá-los. Eles não são criminosos. Erraram, mas fizeram isso na busca pela sobrevivência. Todo mundo sabe o que está acontecendo na Síria", destacou Sheikh Abdul.
Centro Islâmico
O Centro Islâmico da Bahia, no bairro de Nazaré, foi criado nos anos 90, e funciona como local de pesquisa da cultura árabe. O espaço não tem propósito de abrigar refugiados, mas desde o ano passado 18 pessoas passaram por lá. Agora, apenas três continuam no local.
"Aqui, damos palestras, realizamos estudo do alcorão e estudo de língua árabe e também temos uma sala para oração. Mas para eles [os imigrantes] o espaço não é confortável. Para que eles ficarem aqui, tivemos que afastar algumas prateleiras da sala da biblioteca e tirar alguns livros. No local colocamos tapetes, para que eles possam dormir", destaca a diretora social do Centro, Cristina Mendonça.
Ela afirma, ainda, que o Centro não tem renda suficiente para ajudar os estrangeiros. "É preciso conseguir um espaço maior. A comunidade islâmica contribui com alimentos, mas é preciso mais doações. Os familiares e amigos deles mandam dinheiro para ajudar, mas é pouco para sobreviverem Outras pessoas que quiserem doar também podem trazer alimentos não perecíveis para o centro. O nosso objetivo não é ajudar apenas os que estão aqui, mas também os que pretendem sair da Síria para fugir da guerra. Eles precisam de professor de língua portuguesa, de acompanhamento psicológico acompanhamento médico", diz.
Enquanto aguarda um desfecho para a sua situação e a de seus conterrâneos, Hazem afirma que não tem planos de um dia voltar à Síria, a menos que a guerra acabe, o que ele acha difícil. "Se algum dia tudo estiver tranquilo por lá, eu preferiria retornar com toda a minha família. A Síria é muito bonita", comenta.

Fonte: G1

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