As mãos tremem e o corpo balança. Afinal de contas, Izaura Maria da Conceição, a dona Lourência, não nasceu ontem. Na verdade, foi no século retrasado, mais
precisamente em 1895. E nesta segunda-feira, 10, Dia de São Lourenço, ela completará 120 anos.
No entanto, na hora de agradecer a Deus pelo almoço que parentes trazem todos os dias, às 13h, Dona Lourência, como é conhecida, nem aparenta ter a idade que tem. Consegue levantar sem a ajuda do pedaço de madeira que usa como bengala, encosta uma mão na outra e reza.
"Agradeço a Deus e peço a ele para me dar vida e saúde, para ele me deixar em pé até quando eu aguentar", conta a senhora que o padrinho queria que se chamasse Lourência, por causa do santo, mas a mãe achava Izaura mais bonito.
Sentada em um banco de madeira na pequena varanda da casa onde mora, na localidade de Fazenda Azevedo, zona rural do município de Cardeal da Silva, ela recebe a reportagem com um sonoro "entra". Em poucos minutos, já dá abraços e conta detalhes da vida.
"Minha mãe me contava que eu nasci quando vencia a escravidão", afirma a senhora que não sabe ler nem escrever e há poucos anos perdeu a visão. Hoje, só consegue identificar vultos e se guia pela voz das pessoas.
Na ponta dos dedos, ela enumera nomes de pessoas que passaram por sua vida e hoje vê grande parte do tempo passar na porta de casa. Escuta tudo que lhe é perguntado e responde com pausas e uma voz fininha, quase de criança. Algumas palavras quase não dão para entender.
Lucidez
De sandálias, calça desgastada dobrada próximo ao joelho, uma camisa e casaco por cima, além de um lenço na cabeça e óculos, ela reclama que o local onde mora - um declive próximo a uma estrada de barro com poucas casas ao redor - faz frio. Ao lado dela, um casaco reserva aguarda o final da tarde, quando a temperatura cai um pouco mais.
E é nesse clima que a senhorinha, lúcida, brincalhona e bem humorada, diz que já perdeu as contas de quantos partos fez. Mas uma coisa ela garante. Era uma parteira muito procurada e nenhum dos bebês que vieram ao mundo pelas as mãos dela morreu. Só de uma comadre, dona Lourência fez 11 partos.
"Eu saía de madrugada para acudir a mulher no Riacho da Areia (localidade onde nasceu e cresceu) e na cidade. Já teve parto difícil, mas Nossa Senhora do Parto colocou na minha mão".
Filhos
Ela que foi casada com seu Zé Grande, no entanto, nunca teve filho. "Homem não faz filho. Quem faz é Deus e ele não quis", lamenta. De uma conhecida que ela convenceu a não abortar, fez o parto e pediu a criança, que batizou de Márcia. A filha partiu primeiro que a mãe. Ficaram netas e bisnetos. Mas, mesmo assim, Izaura reclama de solidão.
Apesar da idade, a única dor que ela diz sentir é nas mãos. " Foi um besouro que me mordeu. Tenho que ir a Salvador para descobrir o que é". Remédios? Ela diz que não toma porque não faz efeito. Até ano passado, usava fumo de corda em um cachimbo.
Na parede, ela mostra um quadro que pediu para fazerem com uma foto dela e, na legenda, uma lembrança dos 119 anos completados ano passado. "Fui eu que mandei tirar para quando eu morrer ficar aí", diz.
Fonte: Uol
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