Pilhas de processos. Todos verdadeiros, que correm na Justiça. Era o ponto de partida de um golpe sofisticado e muito cruel. Os bandidos se passavam por
advogados e prometiam acelerar o pagamento de indenizações, mas não tinha indenização nenhuma. Era uma armadilha. Teve gente que caiu nessa conversa e perdeu quase R$ 1 milhão.
No Rio de Janeiro e em sete cidades de São Paulo, policiais federais e da Polícia Civil de Minas fecharam o cerco. Os golpistas que levavam as vítimas na conversa, dessa vez, se calaram.
Uma aposentada caiu na lábia. Acreditou que receberia indenizações referentes a antigos planos de previdência que ela pagou há mais de 30 anos.
Fantástico: Mas a senhora entrou na Justiça para reaver esse dinheiro lá do fundo de pensão antigo.
Aposentada: Não entrei na Justiça...
Só que as cartas, assinadas por supostos advogados, com número de registro e tudo, diziam que a ação era coletiva e beneficiava todo mundo na situação dela.
“Duas cartas. A primeira eu joguei fora. A segunda, eu falei 'se tão insistindo é porque deve ter alguma coisa'”, conta a aposentada.
Para receber R$ 61 mil, ela teria, primeiro, que pagar as custas do processo: 10% do valor. Ela pagou e não recebeu. Os golpistas então mandaram outra carta, dizendo que a indenização era na verdade de R$ 248 mil, que obviamente nunca apareceram.
Fantástico: E mesmo assim eles pediam que a senhora continuasse depositando?
Aposentada: Sim, mas a título de taxa de documentação, taxa de habilitação, de alvará, de protocolo.
Resultado? Dezessete depósitos. Ela deu R$ 46 mil para a quadrilha.
Segundo a polícia, sem sair de casa os estelionatários aplicavam o golpe em vítimas que podiam estar em qualquer parte do país e a central do esquema funcionava em uma casa. O endereço, na Zona Sul de São Paulo, é de Janete Gomes dos Santos, apontada como líder da gangue. Ela foi presa com o marido, Marcos Lucas Eloy. Janete criou um site de uma falsa associação, onde a vítima podia acompanhar o andamento fictício do processo.
E um detalhe para dar ainda mais veracidade ao golpe. Janete usava números de ações verdadeiras do Tribunal de Justiça de São Paulo.
“Quando ela consultava no site do Tribunal de Justiça respectivo, constatava que o processo existia,” destaca Flávio Albergaria, delegado da Polícia Federal.
Como geralmente eram ações coletivas, a vítima não estranhava a ausência do próprio nome no processo. E não percebia a fraude. O bando oferecia até assessoria jurídica, fajuta, é claro. O endereço do escritório seria no Centro de São Paulo.
E veja a tacada final para enganar as vítimas. Os bandidos chegavam a fazer depósitos das falsas indenizações.
Fantástico: Quando a senhora viu o valor depositado a senhora acreditou?
Aposentada: Claro!
Só que os depósitos eram depois cancelados porque tinham sido feitos com cheques roubados. Nesse meio tempo, os 10% pagos pela vítima já estavam no bolso da quadrilha.
Foi o que aconteceu com a cliente deste advogado.
“Tentavam dar um conforto para ela dizendo que 'não, a senhora está tranquila, a senhora não vai perder nenhum valor desses, pode ficar tranquila, todos os valores que a senhora está depositando estão sendo auditados’”, diz o advogado da vítima, Márcio Lino.
Com o mesmo truque do cheque roubado, a quadrilha simulou o pagamento de parte dos quatro milhões prometidos. A vítima começou a fazer um depósito atrás do outro.
“Eles geravam a expectativa que aquele passo seria o último e ela receberia tanto o que empregou quanto o valor prometido”, conta o advogado.
Total pago aos bandidos: R$ 940 mil.
A polícia também investiga quem fornecia para a quadrilha os cadastros com dados pessoais das vítimas. As cartas com promessa de indenizações eram enviadas principalmente para funcionários públicos e parentes de funcionários públicos, aposentados e pensionistas, que no passado contribuíram para planos de previdência complementar.
“A gente acredita que esse público de servidores públicos e pensionistas eles têm um acesso maior a crédito perante as instituições financeiras para conseguirem empréstimos pra efetuarem os pagamentos exigidos pela organização criminosa pra que ela fosse vítima do golpe”, diz Daniel Araújo, delegado Polícia Civil.
Correspondências e arquivos de computadores foram apreendidos. A quadrilha postava milhares de cartas por mês para fisgar as vítimas.
Denise: Deixa eu te contar, nós vamos ganhar um dinheiro, Janete
Janete: Muito bom!
Denise: Olha, minha filha, hoje foram 2113 cartas.
A polícia relacionou cerca de 80 pessoas ligadas ao grupo. Cinquenta tiveram mandados de prisão decretados. Trinta e oito acusados foram presos nesta semana.
A advogada Christina Pereira, que teve o nome usado pela quadrilha, ficou aliviada.
“O que eu digo para essas pessoas é que se elas receberem alguma notificação com esse pedido pra efetuar algum pagamento antecipado de custas, não façam. Não existe quitação antecipada de custas para efeito de um recebimento maior em dinheiro. Isso é golpe”, destaca Christina Barreto Pereira, advogada.
Um golpe que rendeu R$ 15 milhões aos bandidos. Com os falsos advogados, foram apreendidos mais de R$ 170 mil em dinheiro, além de carros e de um sítio em Atibaia, São Paulo. A polícia está rastreando o dinheiro das vítimas, que era depositado em nome de pessoas físicas e era sacado assim que entrava nas contas.
“Eu gostaria muito de reaver pelo menos o que eu paguei”, diz uma vítima.
Agora, a pessoa que a enganou tem rosto e um nome de verdade. ´É Rosana Alves Pereira.
Vítima: Puxa vida, muito triste, eu não sei o que está acontecendo.
Rosana: É, agora, até eu fiquei triste, agora.
Vítima: Porque o pessoal bota cheque e estorna, bota cheque e estorna.
Rosana: Estorna. Não, mas vamos fazer assim, vamos deixar isso para amanhã porque hoje eu também já estou com a cabeça quente.
Rosana foi presa na quarta-feira (26), na Praia Grande, litoral de São Paulo.
Fonte: Fantástico
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!