Páginas

segunda-feira, agosto 31, 2015

Entre as 20 piores do país no Enem, escola sofre com falta de professores

Biblioteca da escola fica trancada e tem poucos títulos de literatura (Foto: Marcella Centofanti/G1)Às 20h de uma terça-feira o sinal já havia tocado para a segunda aula na Escola Estadual Presidente Tancredo Neves, em Vila Flor, a 90 quilômetros de Natal. Alguns alunos se concentram na frente da escola
porque a professora de filosofia faltou e não haverá aula. A ausência de professores é apenas um dos problemas da escola que teve a média mais baixa em redação entre as instituições potiguares avaliadas no Enem 2014. Dos 1000 pontos possíveis, os alunos tiraram 237,65.
Pelo critério da redação, das 15.640 escolas do país avaliadas pelo MEC, entre públicas e particulares, a de Vila Flor ficaria na posição 15.623, a 19ª pior do país. Pelo critério das quatro provas objetivas — que englobam linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza — a Tancredo Neves ficaria na posição 15.549, a quinta pior entre as instituições do Rio Grande do Norte.
A Escola Estadual Tancredo Neves tem 236 alunos, que cursam a partir do nono ano do Ensino Fundamental. Há turmas em modalidades regulares e em supletivo. Trata-se da única instituição de Ensino Médio de Vila Flor, município com menos de 3.000 habitantes, um dos quinze menores do estado em população e riqueza. A escola só funciona à noite, porque durante o dia os professores lecionam em Canguaretama, cidade vizinha dez vezes maior. É para lá que vão os melhores alunos de Vila Flor, aprovados no exame seletivo do campus local do IFRN.

Magneide Fontoura, diretora do diretora da Escola Estadual Presidente Tancredo Neves, desempenho ruim no Enem é reflexo do pouco interesse dos alunos no estudo (Foto: Marcella Centofanti/G1)Magneide Fontoura, diretora do diretora da Escola Estadual Presidente Tancredo Neves, desempenho ruim no Enem é reflexo do pouco interesse dos alunos no estudo (Foto: Marcella Centofanti/G1)

Para a diretora da Presidente Tancredo Neves, Magneide Fontoura, o desempenho ruim no Enem é reflexo do pouco interesse dos alunos no estudo. “Nós damos muitos conselhos, mas eles não gostam de ler. Preferem ficar no whatsapp e no Facebook”, diz. Ela mostrou à reportagem a biblioteca do colégio, que estava trancada. As onze prateleiras eram preenchidas principalmente com apostilas didáticas, algumas embaladas no plástico. De literatura, algumas das poucas obras disponíveis eram Os Sertões, de Euclides da Cunha, e O Mulato, de Aluísio Azevedo. Para a diretora, a bibioteca fechada e pouco variada não é empecilho à leitura. “Quem quer vai à biblioteca municipal”, diz.
Magneide reconhece que a escola tem problemas. De acordo com ela, há pelo menos cinco anos não tem professor de inglês, espanhol e educação física. Faltam também docentes de biologia. A escola não possui quadra esportiva desde 2007, quando o ginásio foi incorporado à prefeitura. A diretora se queixa do método de ensino por blocos de disciplinas semestrais. Segundo ela, por determinação da Secretaria de Educação e da Cultura, as escolas do estado concentram as matérias do ano em um semestre, à exceção de matemática e língua portuguesa, lecionadas durante todo o ano letivo.

Professora de Português não sabia que o desempenho da escola tinha sido tão ruim em redação (Foto: Marcella Centofanti/G1)Professora de Português não sabia que o desempenho da escola tinha sido tão ruim em redação (Foto: Marcella Centofanti/G1)

A diretora não sabia que o desempenho de sua escola tinha sido tão pífio no Enem. A nota da redação também era desconhecida pela professora de português do primeiro e do segundo ano do Ensino Médio, Alessandra Gomes da Silva. Aos 39 anos, vinte de magistério, Ana se retraiu ao ser informada que a Tancredo Neves obteve a pior média do estado. Para ela, os alunos vêm com deficiências do ensino fundamental, não se interessam pelo Enem e não têm o hábito de ler. Alessandra diz que a carga horária de sua disciplina é pequena para tanto conteúdo. “Tenho
duas aulas semanais de 45 minutos cada, para ensinar literatura, português e redação. Nunca consigo terminar um livro”, afirma.
No dia em que a reportagem visitou a escola, alunos da professora Alessandra já estavam fora da classe quando ainda faltava meia hora para a aula terminar. Eram liberados à medida que terminavam uma atividade em sala. Ericarla Rocha da Silva, de 14 anos, esperava a próxima aula na escada, com colegas. A estudante terminou o Ensino Fundamental de manhã, e preferia continuar nesse período. Ela se candidatou a uma vaga no IFRN de Canguaretama. “Lá tem professores de qualidade”, afirma. Não passou na prova - acertou dezesseis dos 40 testes e foi mal em redação. Sem opção, ficou em Vila Flor. Sua turma no primeiro ano no ensino médio
vai à escola de terça a sexta. Na segunda fica em casa, porque não há professores de inglês e espanhol.
O governo reconhece que o desempenho das escolas não é satisfatório. “Em relação ao resto do país, não está como a gente gostaria”, afirma Rosângela Maria de Oliveira Silva, subcordenadora de ensino médio da Secretaria da Educação e da Cultura do estado do Rio Grande do Norte. Ela afirma que uma das medidas adotadas para melhorar as notas foi a criação de aulas preparatórias para o Enem aos sábados, em junho. Rosângela não soube dizer, no entanto, quantos colégios do estado já têm esse sistema. Outra medida é normalizar a carência de professores, que segundo ela é de 900 a 1000 na rede pública. O governo espera preencher essa lacuna até o fim do ano. No caso de Vila Flor, no entanto, Rosângela afirma não haver professores interessados em se deslocar até a cidade. Já para Vera Reis, técnica pedagógica da Secretaria, entre os principais responsáveis pela pequena participação dos alunos potiguares no Enem estão os professores. “Eles têm que incentivar os alunos a fazer a prova e dizer que eles são capazes de ter sucesso no exame”, diz.

Ericarla Rocha da Silva, de 14 anos, esperava a próxima aula na escada com colegas (Foto: Marcella Centofanti/G1)Ericarla Rocha da Silva, de 14 anos, esperava a
próxima aula na escada com colegas
(Foto: Marcella Centofanti/G1)
Sem professor
A classe do segundo ano do Ensino Médio estava sem aula no dia em que o G1 visitou a unidade porque não havia professor. Lucas Terto, de 20 anos, é um dos alunos desta turma. Três vezes repetente, Lucas concilia o trabalho de auxiliar de produção em uma fazenda de camarão com os estudos. Depois que a jornada de doze horas de trabalho acaba, segue para o colégio, às 19h. “É cansativo”, diz.
Lucas deseja fazer faculdade de engenharia mecânica “um dia”. Não sabe dizer onde gostaria de estudar, porque desconhece o nome de qualquer universidade. “Vou pesquisar uma boa”, afirma. Para realizar o sonho que parece distante, guarda na poupança de 100 a 200 reais por mês, dos mil que ganha. Queria ter feito o Enem este ano, mas não se inscreveu porque “estava ocupado”. Lucas diz ter média 6 em português. Não se lembra da última redação que escreveu e afirma nunca ter lido um livro. “Na escola não tem os livros que a gente gostaria de ler”. Quando perguntado sobre o que ele gostaria de ler a resposta é: “Poesia. Essas coisas para ter mais conhecimento”.
Desempenho do RN
O MEC estabece 500 a nota mínima em redação para uma pessoa ter certificado de conclusão do Ensino Médio pelo Enem. Essa é também a nota de corte para qualquer curso da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Das 149 escolas estaduais potiguares classificadas pelo MEC, apenas cinco tiveram média superior a 500, ou 3,4% delas. Seis colégios privados também ficaram abaixo da média.
Das mil mais bem avaliadas do Brasil nesse quesito, o estado potiguar tem apenas sete, das quais uma pública: o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, Campus Mossoró. Já entre as mil piores do Brasil, há 32, todas estaduais. O colégio estadual mais bem colocado é o Santos Dumont, em Parnamirim, na colocação 5.849. Todos os demais estados nordestinos têm colégios estaduais em melhor posição, à exceção de Alagoas.
O cenário seria ainda mais desolador se o MEC revelasse as notas de todos os colégios que participaram do Enem. Para aparecer nas listas do governo federal, é preciso que mais da metade dos alunos da escola tenha feito a prova. No Rio Grande do Norte, estudantes de 420 colégios participaram do Enem. Ficaram sem nota 137 escolas estaduais, equivalentes a 48% delas. Na rede privada, a incidência é menor: 28 das 134 escolas não foram listadas pelo MEC, ou 21%. No comparativo nacional, o estado é o 13ª em participação.
Não aparecer na lista é indicativo de má qualidade de ensino. O exame já substituiu o vestibular na maioria das universidades federais. É por meio dele também que os estudantes obtêm o Financiamento Estudantil (Fies) e as bolsas do ProUni. Para Cláudia Santa Rosa, diretora do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), entidade não governamental do Rio Grande do Norte, as notas medíocres e a baixa adesão são resultado de problemas como evasão escolar, repetência e falta de professores. “Os alunos não fazem a prova por falta de estímulo escolar e pela baixa expectativa de sucesso no exame”.
Cláudia aponta que a redação é o ponto crítico em uma avaliação estudantil. “As provas objetivas também exigem pensamento, mas dão margem ao chute. Já a redação demandam conhecimentos gerais e capacidade de estruturar um texto e de argumentar”, afirma. “Sem essa bagagem, e sem incentivo à leitura, ele terá imensa dificuldade de escrever”.
O Ceará adotou medidas para incentivar a participação dos alunos no Enem. O estado paga a passagem e hospedagem de estudantes que moram em regiões afastadas, por exemplo. Aqueles que vivem na capital ganham passe de ônibus para ir e voltar da prova. Somente 6% dos colégios cearenses ficam fora da lista do MEC.

Escola só tem aulas no turno da noite (Foto: Marcella Centofanti/G1)Escola só tem aulas no turno da noite (Foto: Marcella Centofanti/G1)

Fonte: G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!