Com cruzes e caixão, agentes penitenciários do RN acampam na sede do governo Agentes penitenciários do Rio Grande do Norte montaram um acampamento em frente ao prédio da Governadoria, no Centro Administrativo
do Estado, em Natal. A categoria quer ser recebida pelo governador Robinson Faria e alega que já protocolou vários ofícios solicitando reunião, mas não foi atendida. Cruzes foram fincadas no gramado e um caixão chama a atenção para a “falência do sistema penitenciário”. O governo ainda não se manifestou quanto ao protesto.
Segundo Vilma Batista, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do RN, o sistema prisional potiguar é o setor da segurança que tem sido deixado em segundo plano pelo governo. “Somos a única categoria sem perspectiva de planejamento de ações, pois a Polícia Civil e a Polícia Militar já receberam promessas de investimentos e até de concurso público”, declarou.
Ainda de acordo com a sindicalista, o sistema penitenciário estadual vive uma crise instalada desde o início do ano, mas “nada de concreto foi feito para melhorar as unidades prisionais e a valorização dos agentes penitenciários”.
A categoria espera que o governo apresente um planejamento e cronograma para reestruturação do sistema penitenciário, com melhores condições de trabalho, bem como para a implantação do Plano de Cargos e Carreiras como forma de valorização dos agentes penitenciários.
Superlotação
O Rio Grande do Norte possui 33 unidades prisionais que totalizam 4.876 vagas. O número de presos é 7.605. A superlotação dos presídios é apontada como um dos maiores problemas do sistema prisional pelo próprio governo do estado. Mas este não é o único problema. A estrutura física das unidades prisionais – que já era precária – ficou pior com a série de rebeliões que atingiu 14 presídios de 11 a 18 de março.
No entanto, os problemas estruturais também não surgiram agora. Paredes com infiltração, celas escuras e sem ventilação, presença de insetos e sujeira fazem parte da rotina de grande parte dos detentos do estado há anos.
Na maior parte das unidades prisionais do Rio Grande do Norte não há atendimento médico, dentário ou psicológico.
Um relatório de inspeção prisional realizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em 2014 aponta que na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, a maior do estado, em celas com capacidade para duas pessoas, havia até oito. São 610 vagas para 866 presos, de acordo com o relatório.
No Presídio Provisório Raimundo Nonato, em Natal, a situação era ainda pior: 180 vagas para 408 detentos.
Segundo o juiz Henrique Baltazar, titular da Vara de Execuções Penais da capital potiguar, a crise anunciada no sistema prisional foi subestimada pelo poder público. O início do problema, para ele, foi a transformação de carceragens de delegacias em presídios em 2010. "Não havia estrutura para isso. O que se fez foi colocar uma placa escrita 'Centro de Detenção Provisória' na frente da delegacia. E os presos que estavam sob custódia da Polícia Civil passaram para o sistema prisional do estado", afirmou o magistrado.
Nos últimos dez anos, o governo criou 570 vagas no sistema prisional com a abertura da Cadeia Pública de Nova Cruz, na região Agreste do estado, com 168 vagas, e do Presídio Rogério Coutinho Madruga, anexo de Alcaçuz, que tem 402 vagas. "Fora isso, o que se viu foram apenas obras ocasionais, reparos pontuais em algumas unidades", disse.
Mutirão carcerário
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu um mutirão carcerário em parceria com o Tribunal de Justiça do RIo Grande do Norte (TJRN) e constatou a degradação do sistema prisional do estado.
O juiz Esmar Custódio Vêncio Filho, designado pelo CNJ para coordenar os trabalhos do mutirão no estado, afirmou à época, que o quadro encontrado era de "verdadeiro abandono". Na ocasião, segundo o mutirão, o déficit era de 2 mil vagas.
Procurado pelo G1, o CNJ disse não possuir um ranking nacional dos sistemas prisionais nos estados. Mas ressaltou o que consta no relatório obtido pela reportagem.
Joaquim Barbosa, à época presidente do Superior Tribunal Federal (STF), esteve no Rio Grande do Norte para avaliar os resultados do mutirão e afirmou que “as unidades prisionais do estado não respeitavam padrões mínimos de dignidade humana e que a situação era uma das mais graves do país”.
Isso foi em abril de 2013. De lá pra cá, muito pouco foi feito, segundo o juiz Henrique Baltazar.
"O sistema estava para explodir a qualquer momento. O governo estadual ignorou o sistema prisional e suas necessidades. É urgente construir novos presídios e contratar agentes penitenciários", afirmou o juiz.
Agentes
A presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindasp), Vilma Batista, contabiliza 870 profissionais atuando hoje nos presídios do estado. O ideal, segundo ela, é ter 1.500 agentes penitenciários. “O Conselho Nacional de Políticas Públicas estabelece que o ideal é um agente para cinco presos”, detalha a presidente do sindicato.
Entretanto, Vilma Batista opina que o maior problema não está no efetivo disponível. “Falta armamento, carro, detector de metais, monitoramento eletrônico, computador e equipamento de segurança. Não tem perspectiva de carreira, além de ser uma atividade altamente periculosa. A única perspectiva que você tem é que pode morrer a qualquer momento”, afirma.
Penitenciária Estadual de Alcaçuz é a maior do estado (Foto: Heloísa Guimarães/Inter TV Cabugi)
'Queijo suíço'
Ao descrever a Penitenciária de Alcaçuz no relatório, os juízes responsáveis pelo mutirão carcerário de 2013 afirmaram que "esta unidade retrata bem a realidade de todo o sistema prisional do estado. Superlotação, falta de investimento, abandono, celas escuras, fétidas, sem ventilação, lixo espalhado pelos pavilhões, esgoto a céu aberto, falta de assistência
material e à saúde, dentre tantas outras carências".
De acordo com o relatório, a unidade prisional foi "construída sobre dunas" e, por isso, mais parece um "queijo suíço" com inúmeros túneis cavados pelos presos para fuga. "Há partes da unidade que inclusive correm risco de desabar em razão dos vários túneis que a cortam pelo subsolo".
No dia 9 de dezembro do ano passado os agentes penitenciários descobriram uma "caverna" com 15 metros quadrados sob o piso de um dos pavilhões da Penitenciária Estadual de Alcaçuz.
O túnel seria usado para fuga dos detentos. Foi necessário o uso de uma retroescavadeira para fechar o buraco com areia e concreto.
Seis dias antes, os agentes já haviam encontrado outro buraco na unidade. Desta vez, os presos cavaram o chão da quadra de banho de sol. Em março, outros dois túneis foram descobertos nos pavilhões 1 e 4 da Penitenciária Estadual de Alcaçuz. À época, a direção afirmou que pelo menos 42 detentos estavam preparados para escapar.
Onda de rebeliões
A onda de rebeliões no sistema penitenciário potiguar começou no dia 11 de março e foi controlada no dia 18, quando a Polícia Militar e a Força Nacional entraram nos presídios. Os motins atingiram 14 das 33 unidades prisionais do estado. A crise levou à exoneração do secretário estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc), Zaidem Heronildes da Silva Filho, e o governo decretou situação de calamidade no sistema prisional.
Na Zona Norte de Natal, quatro unidades registraram rebeliões desde quarta (11): Centro de Detenção Provisória de Potengi, Complexo Prisional João Chaves, Presídio Provisório Professor Raimundo Nonato e Centro de Detenção Provisória da Zona Norte (CDP).
Também aconteceram revoltas no Centro de Detenção Provisória da Ribeira, na Zona Leste de Natal; na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta; no Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, também em Nísia Floresta; e na Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP), em Parnamirim.
No interior foram registradas revoltas na Penitenciária Agrícola Mário Negócio, em Mossoró; na Cadeia Pública de Mossoró; no Centro de Detenção Provisória de São Paulo do Potengi, na região Agreste; na Penitenciária Estadual Desembargador Francisco Pereira da Nóbrega, o Pereirão, em Caicó; e nas cadeias públicas de Caraúbas e Nova Cruz.
Destruição
"Algumas unidades ficaram completamente destruídas após os motins. Nós ainda estamos fazendo o levantamento dos prejuízos, mas estimamos que perdemos 1.500 vagas com essas rebeliões", disse a titular da Sejuc, Kalina Leite.
O governo do Estado fez um chamamento público para a realização de serviços de reforma e reconstrução emergencial das unidades prisionais que foram alvos de depredação durante os oito dias de rebeliões. A empresa LMX Empreendimentos EIRELI foi a vencedora e é a responsável pelas obras.
Segundo o secretário de Infraestrutura do Rio Grande do Norte, Jader Torres, R$ 15 milhões devem ser gastos nas obras de recuperação do sistema prisional do estado. "Já foram gastos R$ 4 milhões nas reformas. A expectativa é que mais R$ 11 milhões sejam destinados para a conclusão das obras, que devem ficar prontas em setembro", afirmou.
Fonte: G1
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